Opinião
Ainda o défice e o desempenho da economia portuguesa
A crise financeira que percorreu os EUA, e que os arautos designaram por “subprime securities crisis”, deu alimento aos “mass media” durante uns dias e preocupou os meios financeiros de outras regiões geográficas, não dando grande “espaço” para atenção a
Nomeadamente no meio financeiro nacional, foi menos intensa a atenção dada ao Congresso dos Economistas e às suas mensagens, e talvez menor que noutros anos, também, a atenção dada à forma como se completou, segundo o Governo muito favoravelmente, apesar de várias revisões, o novo Orçamento de Estado para o ano que aí vem. (Isto pese embora o interessante e original trabalho do Jornal de Negócios sobre o Orçamento).
Não deixou no entanto de ser curiosa a esgrima com a oposição partidária, tentando esta mostrar que o parcial equilíbrio das contas publicas se fez predominantemente por expansão das receitas (o que não impediu algum agravamento da carga fiscal, contra o politicamente prometido), e não como devia, por contracção da excessiva despesa pública corrente primária, e o Partido no Governo defendendo que, pelo contrário, se recorreu, para o efeito, a uma forte contracção da dita despesa publica, para o que, como se tem abundantemente visto, o Governo não hesita em encerrar serviços públicos que considere dispensáveis ou substituíveis por soluções mais baratas e/ou mais eficientes. No ISG, numa sessão dos Serões de Economia sobre o Orçamento , a ex-ministra Ferreira Leite apontou a pouca contenção na despesa pública e o excesso de carga fiscal como os dois principais pontos negativos da concepção orçamental.
Não pretendo meter-me na “contenda”, antes realçar que, felizmente, ao assunto “défice orçamental” é dada uma importância de ambos os lados, que denota a compreensão dos malefícios do excessivo défice.
Não deixa de ser verdade, porém, que muitas vozes, mesmo assim, acusam de “economicistas” (sempre o mesmo palavrão, neologismo agressivo introduzido na luta ideológica do “social versus liberal”, em período muito agitado da nossa recente história económica), as soluções e as pessoas que dão “excessiva” importância à redução do défice, “sacrificando as necessidades sociais”, argumenta-se.
Teimosamente persiste-se no esquecimento de que descontrole do défice significa inflação por via monetária, resultante das formas de financiar esse défice. E nada, como a inflação, é tão agressivo para o “social” e tão potente na criação de desigualdades económicas e sociais injustas.
Um autor da Brandeis University, Prof. Stephen Cecchetti, refere (*), curiosamente, a diferença de abordagem ao problema do excesso de monetarização na economia, entre o Federal Reserve Board, e o European Central Bank.
O primeiro, que durante muito tempo perseguiu metas para os agregados monetários, nomeadamente para o equivalente a M2, e apesar de o Fed ainda publicar estatísticas sobre o mesmo, tem no seu órgão central de decisão em política monetária, o FECOM (Federal Open Market Committee), um arauto que só ocasionalmente se refere ao curso do agregado monetário. As referências são sobretudo a taxas de juro, nomeadamente a Federal Funds “target rates”.
Ao contrário, o ECB (European Central Bank) focaliza, em referências publicas, a evolução do “money growth”. A verdade é que, por um lado, o “espírito Bundesbank” ainda predomina no ECB e a recordação da hiperinflação alemã está sempre lá. Por outro lado é sabido que o ginasticado mercado financeiro americano não tem dúvidas de que a transmissão, via taxas de juro, dos impulsos positivos ou negativos sobre o crescimento da monetarização da economia, é muito eficiente.
O que importa tirar como conclusão é que, deste lado do Atlântico, tal como do lado de lá, mesmo que com abordagens aparentemente diferentes, as preocupações com o excesso de monetarização são indiscutíveis. E no nosso País, economia pequena, aberta e bem “embrenhada” na economia europeia, a preocupação não pode ser menor.
Poderá perguntar-se ainda: “mas não será que entre nós se está a exagerar no que toca à defesa do equilíbrio das contas públicas?” Muitas são as vozes que acham que sim. E que acham sobretudo que para evitar certa contracção do aparelho público ou de despesas sociais (sentido lato), se tem recorrido a fórmulas que redundam em aumento de carga fiscal ou em excessiva e autêntica “perseguição” àqueles que, por reterem na fonte, não são certamente importante fonte de fuga ao Fisco.
Foi a este propósito que, de entre outras, se distinguiu a mensagem curiosa e interessante de Miguel Cadilhe, na sua comunicação ao Congresso dos Economistas.
No seu estilo habitual, entre o formal e o irónico, sempre muito crítico e nem sempre pacífico, encetou uma abordagem que merece referência e sobretudo, continuidade e aprofundamento.
Prende-se a questão com a verdade óbvia de que menor produtividade (leia-se baixa e em queda) gera menor receita económica e, por isso, também fiscal. E que, combater o desperdício e o mau investimento (o que não quer dizer que concordemos com os exemplos que ele deu), conduz a maior eficiência produtiva. E além disso, produtividade é a base da competitividade.
Para a explicação recorreu ao conceito de políticas procíclicas e contracíclicas e ilustrou a nossa persistente utilização de políticas procíclicas, e foi buscar o que ele curiosamente chamou “criatura dos economistas”, o conceito de Produto Potencial.
Encurtando razões, porque não é nosso objectivo analisar a comunicação, mas sim, de qualquer modo, chamar a atenção para ela, serviu-se do conceito que nos diz onde estaremos em nível produtivo quando usarmos quase todos os factores produtivos numa eficiência apropriada. Lembremo-nos que actualmente se tem uma elevada taxa de desemprego e conhece-se a menor utilização de recursos de outros tipos. Claro que, ao contrário, quando nos aproximamos do Produto Potencial há o risco de aquecimento da economia, facto que requer um outro tipo de política e geralmente a necessidade de investimentos de capacidade. Estamos longe de tal situação.
O que é de facto muito interessante é o manancial de informação estatística que ali exibiu, mostrando que se registaram vários hiatos entre o nível de crescimento efectivo e o potencial. Dali passou a um exercício curioso de adição dos hiatos para mostrar que “há bastante tempo” a economia nacional anda longe do que podia produzir e, portanto a capacidade fiscal consequente, “coeteris paribus” poderia ter sido muito superior.
Mesmo apesar de exercício que carece de um aprofundamento, não deixa de ser uma interessante resposta à pergunta que atrás deixámos sublinhada e que deverá ser objecto de reflexão por parte dos governos passados, presente e futuros, e, claro está, de todos nós, como eleitores que somos desta democracia recente, com constrangimentos de dimensão e abundânica de luta política.
(*) Money, Banking, and Financial Markets, 2n. Ed. 2008