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A urgente reflexão sobre o conceito de interesse económico nacional

Quatro factos recentes com fortes implicações no envolvimento português no âmbito das instituições da União Europeia merecem um comentário conjunto.

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Primeiro facto: os defensores da harmonização fiscal na União Europeia vão lançar uma nova iniciativa. Esta, sendo ainda muito tímida, vai certamente dividir profundamente os vários países membros. Não arriscarei muito se disser que a posição portuguesa vai alinhar-se com a dos os países de mais pesada e labiríntica fiscalidade, os quais irão defender a máxima harmonização possível.

Segundo facto: a Comissão Europeia instou formalmente o estado português a abandonar os direitos especiais que detém na Portugal Telecom (as chamadas golden share). Foi concedido ao Governo Português o prazo de dois meses para abandonar aqueles direitos especiais, após o qual o assunto será objecto de recurso para o Tribunal de Justiça.

Terceiro facto: o governo português, sob aplauso quase geral, tem afirmado que não vai desistir dos direitos especiais que tem nas empresas, nomeadamente na Portugal Telecom.

Quarto facto: o argumento mais repetido pela administração da SONAE, exaltando a excelência da sua oferta pública de aquisição da Portugal Telecom, tem sido o brinde da continuidade, porventura mesmo o reforço, dos direitos especiais dos governo português naquela empresa.

O facto nomeado em terceiro lugar - o apego à golden share do Estado na Portugal Telecom - é suportado, pelos seus defensores, pela necessidade de garantir a autonomia de decisão portuguesa, ou seja o interesse nacional. Curiosamente, o facto referido em primeiro lugar - a iniciativa visando a harmonização fiscal - representa precisamente um movimento de sinal contrário: a via para eliminar um dos poucos instrumentos de política económica que ainda concede aos governos alguma réstia de autonomia de decisão.

A harmonização fiscal significaria, para o nosso país, a renúncia à utilização do instrumento fiscal para desencadear, novamente, um processo de convergência real com os parceiros da União Europeia. É certo que nenhum governo manifestou, até hoje, vontade de usar este instrumento como os poderes públicos de outros países fizeram, com especial realce para a Irlanda, com o enorme sucesso que se conhece. Na verdade, trata-se de uma autonomia de decisão que não é grandemente apreciada mesmo pelos paladinos de uma certa concepção dominante do interesse nacional.

Para contextualizar reconheçamos que as pulsões para a interferência dos poderes públicos nas decisões das empresas e para o aumento da dimensão do Estado acentuaram-se nos últimos anos, como se poderá observar no quadro anexo.

O três factos mencionados em último lugar, relacionados com o apego às golden share, indiciam que vai ser com muita dor que o país acompanhará a próxima fase de liberalização que visa completar o mercado único europeu. Este, apesar das recentes resistências, acabará por se impor nos próximos tempos. Seria desejável que nos incorporássemos no grupo da frente, ao invés de teimarmos em querer cumprir uma aparente maldição: alinhar mais uma vez no grupo dos resistentes e retardatários.

Os obstáculos que ainda persistem na Europa à constituição dum verdadeiro mercado único - como bem visionava Jacques Delors - não poderão deixar de ser eliminados em breve. A pressão que se tem sentido nos últimos tempos por parte dos sectores mais dinâmicos das empresas europeias de todos os países não deixa antever outro caminho.

Começamos a sentir agora em Portugal, com muita intensidade, as verdadeiras exigências e consequências de estar na União Europeia e no Euro. Entre aquelas mais prementes ressalta a necessidade da compreensão da natureza do interesse nacional numa economia globalizada e integrada na mais avançada área de integração económica.

Reconheçamos que até agora temos assistido a diversos pronunciamentos invocando a salvaguarda dos centros de decisão nacionais. Mas também deverá conceder-se que se tem tratado de pouco mais que meras proclamações, sem suficientes fundamentos suportados pela análise económica.

Daí a urgência de uma reflexão rigorosa e sistemática sobre a natureza do interesse nacional no âmbito de um inelutável mercado único europeu. Será este o tema das próximas crónicas.

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