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A turbulência na banca portuguesa: regulação falhada ou privatização inacabada?

Os recentes acontecimentos na banca portuguesa, com a disputa do controle do BCP pelas duas principais forças políticas do País, ressuscitam velhos demónios e evidenciam quão superficial foi a modernização do nosso sistema político. Muitos tendem a atribu

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Outros vêem no episódio uma habitual e justificada manobra política. Esta, apareceria, à primeira vista, como o resultado de falhas dos reguladores do sistema financeiro, habilmente aproveitadas pelos diversos agentes políticos. A disputa pelo BCP seria, assim, uma extensão natural e, quiçá, legítima da normal luta política. As alegadas falhas do banco e do regulador parecem equivaler-se e não teriam sequer qualquer expressão pública, não fora a desavença menor entre alguns accionistas do banco. Afinal, não tem o país suportado, sem emoção, recorrentes episódios pouco edificantes nas escolhas das administrações da CGD?

Mas esta confluência de problemas de regulação com interferências políticas descabidas exige uma outra interpretação e interpela-nos para a gravidade da situação a que se está a submeter o coração do sistema financeiro nacional.

Em Portugal, a tradição de intervenção do Estado é a da acção directa, ao contrário da tradição anglo-saxónica que privilegia a acção indirecta através de instituições reguladoras independentes.

A noção de regulação afirmou-se nos Estados Unidos como consequência da grande crise de 1929. Nos anos a seguir a 1933, o New Deal do Presidente Roosevelt deu origem a um conjunto de organismos de regulação dos mercados, com especial destaque para o mercado financeiro. Uma crise que começou por ser americana, estendeu-se depois a todo o mundo. Aquela crise, que, de início, foi apenas bolsista, transformou-se, sucessivamente, em crise financeira, em crise industrial e, por fim, em crise económica. Estas crises foram interpretadas, pela maior parte dos economistas, como resultado do mau funcionamento dos mercados. Mas esta interpretação, quase geral, suscitou respostas diferentes na Europa e nos Estados Unidos. Na Europa, e também em Portugal, a resposta foi a nacionalização e/ou a regulamentação directa do Estado através de instituições administrativas directamente dependentes dos poderes públicos. Nos EUA foram criadas instituições independentes para enquadrar os mercados, com poderes para reprimir os abusos e garantir a concorrência nos mercados bolsista e financeiro.

A ideia de regulação chega muito tarde a Portugal, e em geral à Europa – nos anos 80 do século passado –, resultado de determinadas circunstâncias históricas bem precisas: as exigências da integração europeia de construção do mercado único. São estas exigências que levam a abraçar a velha ideia de regulação americana. Na verdade, a construção do mercado único defrontou o imenso obstáculo da existência, na generalidade dos países, de monopólios nacionais em vastos sectores: energia, comunicações, transportes, tabacos ? A ideia de regulação impôs-se como meio de assegurar a circulação dos capitais e o mercado único na União Europeia.

As dificuldades que a regulação está a conhecer na Europa e, em particular em Portugal, são reveladores do facto de aquela ser uma ideia ainda nova e estranha. A cultura europeia é a da compartimentação exacerbada dos mercados – apelando à intervenção directa do Estado – de resultados altamente nocivos e com expressão frequente na própria erupção de conflitos armados.

Não nos devemos esquecer que nos anos 80, já em plena democracia política, Portugal tinha ainda uma economia quase totalmente controlada pelo Estado: a moeda, os câmbios, o crédito, os preços? O sistema financeiro estava totalmente controlado pelo Ministério da Finanças. O Estado controlava todo o crédito e o Banco de Portugal não passava de mais uma instituição dependente do Estado – entre várias – para o controle do sistema financeiro.

Apenas a integração na Europa, e em particular a adesão ao euro, forçaram o abandono destas práticas. Mas a tentação para a intervenção directa no sistema financeiro continua forte, como a continuidade da CGD como banco público nos faz recordar. Por outro lado, a participação desta instituição em episódios decisivos da actual turbulência no BCP revela-nos os efeitos perversos que podem resultar da sua acção.

A persistência de um banco público, como a CGD, cuja existência só é contestada por sectores marginais do espectro político, conduzirá inevitavelmente – com este ou com outros pretextos – a situações destas.

Os estados de alma e as incertezas que as forças políticas mais responsáveis revelam relativamente à hipótese de privatização da CGD, não prenunciam nada de bom para o futuro do sistema financeiro.

Nenhum argumento forte e decisivo – à excepção de um rasteiro calculismo político – justifica a manutenção da CGD na esfera pública. A banca pública não se justifica e é um obstáculo sério ao desenvolvimento económico – esta é uma ideia a que quase todos já chegaram. Mas um banco público, com a dimensão e a influência da CGD, também é altamente nocivo, na medida em que distorce irremediavelmente a concorrência e potencia desmesuradamente – arrastando efeitos perversos – a capacidade de influência dos poderes públicos no sistema financeiro.

As falhas do regulador e a deriva para o intervencionismo directo não são fenómenos independentes. A regulação é ainda uma prática nova e pouco acarinhada pelos poderes públicos. A manutenção da CGD como banco público permite e alimenta aquela deriva.

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