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08 de Novembro de 2010 às 12:25

A oportunidade perdida da Rússia com o Japão

A recente troca, sem incidentes, de espiões entre a Rússia e os Estados Unidos parece demonstrar que o "restabelecimento" de relações entre os dois países está a funcionar.

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Mas até agora a Rússia tem feito muito pouco para "restabelecer" as suas relações com o Japão. Não é apenas uma oportunidade perdida, dado que a Rússia precisa de modernizar a sua economia, mas também um grave erro estratégico, tendo em conta as crescentes preocupações da Rússia com as ambições da China na Ásia, que inclui as províncias siberianas escassamente povoadas da Rússia.

Em Abril, a marinha chinesa levou a cabo exercícios militares perto do Japão e a sua frota Nr. 91756, conhecida como uma das melhores, realizou um exercício de fogo aberto no Mar da China Oriental em frente à costa da província Zhejiang. Este exercício incluiu o treino de intercepção de mísseis com novas embarcações. Aparentemente, os objectivos da China foram melhorar a capacidade operacional da sua marinha, em particular em termos de interferência e guerra electrónica, e testar a capacidades conjuntas com a força aérea chinesa.

Mas talvez mais do que isto, a China parece ter tentado enviar um sinal de aviso para as forças navais dos Estados Unidos e da Coreia do Sul devido às suas manobras conjuntas no Mar Amarelo. Mas os chineses também enviaram um sinal poderoso para o Japão e para a Rússia.

O governo japonês deve, como é óbvio, estar atento ao poder militar chinês. Em vez disso, a actual administração chinesa está a ponderar enviar o antigo presidente do sogo-shosha (um conglomerado comercial) como seu embaixador na China - ou seja, um homem cujos interesses na China serão comerciais e não a segurança nacional.

Entretanto, só agora é que a Rússia começa a perceber que deve ser pró-activa na defesa dos seus interesses de segurança nacional na região do Pacífico. O problema é que o interesse da Rússia está mal direccionado. Ao mesmo tempo que a China realizava exercícios navais no Mar Amarelo, as Forças Armadas russas levaram a cabo parte do exercício "Vostok 2010" (que envolveram 1.500 tropas) em Etorofu, a maior ilha entre os Territórios do Norte do Japão ocupados pela Rússia. Todo o exercício "Vostok 2010" envolve 20 mil tropas.

A ocupação ilegal destas ilhas teve início a 18 de Agosto de 1945, três dias após o Japão aceitar a Declaração de Potsdam (declaração que definiu os termos da rendição japonesa), que terminou com a Guerra do Pacífico. O Exército Vermelho de Estaline, todavia, invadiu e ocupou desde então as Ilhas Chishima, o Karafuto do Sul (ou Sakhalin do Sul) e as ilhas de Etorofu, Kunashiri, Shikotan e Habomai - que nunca tinham feito parte do Império russo ou da União Soviética.

De facto, a câmara baixa da Duma aprovou recentemente uma resolução que define o dia 2 de Setembro como o aniversário "real" do fim da II Guerra Mundial, convertendo-o num dia para comemorar a vitória da União Soviética sobre o Japão. A Rússia tenta desta forma negar que a ocupação destas ilhas ocorreu após o fim da II Guerra Mundial.

Numa recente viagem ao porto russo de Vladivostok, na Ásia, o presidente da Rússia Dmitri Medvedev afirmou que o desenvolvimento social e económico da zona oriental da Rússia é uma prioridade nacional. No entanto, ao manter a ocupação ilegal de território japonês, a Rússia impede um maior envolvimento do Japão neste esforço, deixando a China dominar o desenvolvimento desta região.

A persistência da Rússia na sua ocupação contra-producente é surpreendente. Na verdade, quando Boris Yeltsn foi presidente da Rússia, o país esteve muito perto de reconhecer a necessidade de devolver os Territórios do Norte ao Japão. Mas uma onda nacionalista condenou ao fracasso os esforços de Yeltsin.

Mesmo o actual governo - estrategicamente míope - do Japão percebe que a Rússia precisa de desempenhar um novo papel para alcançar um novo equilíbrio de poderes na Ásia. Existem rumores de que a administração do primeiro-ministro Naoto Kan está a tentar quebrar o impasse que existe actualmente nas relações entre os dois países, nomeando o seu antecessor, Yukio Hatoyama, como embaixador na Rússia.

Hatoyama é neto do primeiro-ministro Ichiro Hatoyama, que a assinou a Declaração Conjunta entre o Japão e a União Soviética em 19 de Outubro de 1956 e que, formalmente, restaurava a relações diplomáticas entre os dois países e que permitia ao Japão entrar nas Nações Unidas. Esse tratado, no entanto, não resolveu a disputa territorial, cuja resolução foi adiada até à conclusão de tratado de paz permanente entre o Japão e a União Soviética (actual Rússia).
Na declaração de 1956, os dois países concordaram em negociar esse tratado. Assim que este tratado estivesse concluído, a União Soviética entregaria as ilhas de Shikotan e Habomai ao Japão. Entretanto, o estatuto das ilhas de Etorofu e Kunashiri ficaria por resolver e sujeito a negociações.

Durante décadas, a opinião pública tem sido inflexível quanto ao facto das quatro ilhas pertencerem ao Japão e de que não pode existir uma paz real enquanto elas não foram devolvidas. Assim, enviar Hatoyama como embaixador pode provocar duras críticas, já que o seu avô concordou com um processo de paz que devolvia apenas duas das quatro ilhas, e muitos japoneses temem que o Hatoyama esteja disposto a selar outro acordo desigual.

As nomeações diplomáticas não devem ser usadas como manobras políticas. Isto é particularmente importante numa nomeação para um país que é crucial para o equilíbrio de poderes na Ásia. Mas não é surpreendente vindo de um governo que não tem nenhuma ideia coerente sobre a segurança nacional do Japão.

Felizmente, os eleitores japoneses sentem a natureza indecisa do seu governo e nas últimas eleições para a Câmara Alta do Parlamento japonês. Mas não é apenas o Japão que precisa de um governo que leve a sério as questões de segurança regional. A Rússia devia reconhecer que negligenciou, durante demasiado tempo, a sua posição na Ásia e que apenas quando devolver os Territórios do Norte do Japão pode aproveitar, seriamente, os conhecimentos japoneses para desenvolver os territórios da zona oriental da Rússia.

Os dois países só vão poder desenvolver um equilíbrio de poder de longo prazo se estabelecerem relações bilaterais normais. Dados os seus antecedentes, Vladimir Putin não enfrentaria o mesmo tipo de reacção nacionalista violenta que Yeltsin enfrentou se tentar chegar a acordo com o Japão para repor a soberania dos Territórios do Norte. Terá a visão estratégica para o fazer?



Yuriko Koike, antiga ministra da defesa e da segurança nacional do Japão, é, actualmente, membro da oposição no Parlamento japonês.


© Project Syndicate, 2010.
www.project-syndicate.org
Tradução: Ana Luísa Marques




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