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A OPA sobre a PT e a importância do capital estrangeiro

Uma perigosa onda de pulsões proteccionistas varre alguns países da União Europeia. São demasiados os casos que se têm sucedido para ter outro entendimento dos acontecimentos recentes em vários sectores, da banca à siderurgia, das telecomunicações à energ

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Uma perigosa onda de pulsões proteccionistas varre alguns países da União Europeia. São demasiados os casos que se têm sucedido para ter outro entendimento dos acontecimentos recentes em vários sectores, da banca à siderurgia, das telecomunicações à energia. (Uma das situações mais expressivas foi a recente iniciativa de Jean-Claude Juncker, primeiro ministro do Luxemburgo, de oposição ao negócio da compra da Arcelor pela Mittal Steel; não deixa de ser irónico este movimento do governo de um país que deve o essencial da sua pujança económica à circulação internacional dos capitais.)

Estes acontecimentos confortam as elites portuguesas, prontas a tomar exemplos para renovar as, sempre presentes, tendências salazarentas de isolacionismo e proteccionismo, agora convenientemente mascaradas com roupagens esquerdistas ou disfarçadas de patriotismo supostamente defensor do «interesse nacional».

A OPA em vigor sobre a PT pode ser um belo e quase perfeito pretexto para a renovação daquelas tendências. Só alguma indefinição aparente e a falta de informação sobre os movimentos que envolvem, ou podem vir a envolver a operação, não têm permitido um mais franco desabrochar destes impulsos. Mas eles virão em breve, numerosos e em força, se as observações que  desenvolvo mais à frente se vierem a revelar certeiras.

Para enquadrar a situação, devo sublinhar o diminuto peso do capital estrangeiro na economia portuguesa, facto que teima em ser menosprezado, quando não simplesmente ignorado. Recordarei alguns dados básicos que deveriam ser suficientes para abafar os constantes ruídos sobre o pretenso «domínio» - para não referir «invasão» - dos capitais estrangeiros sobre o nosso aparelho produtivo.

O gráfico abaixo expõe os dados comparativos(1) e devidamente harmonizados mais recentes (ano de 2002) sobre peso do capital estrangeiro na indústria transformadora de um conjunto representativo de países da OCDE.

O peso das empresas controladas por capital estrangeiro na indústria transformadora portuguesa representa entre metade e um quarto do que se regista nos países considerados e face aos quais a comparação é relevante (Holanda, República Checa, Bélgica e Suécia).

Depois de uma melhoria ocorrida entre 1985 e 1995, resultante do choque que constituiu a entrada na União Europeia, a situação portuguesa degradou-se drasticamente nos últimos dez anos.

Os dados harmonizados disponíveis mostram o que se segue. A parte das empresas estrangeiras no emprego industrial português passou, entre 1993 e 1996, de 5% a 8% e depois estagnou, entre 1996 e 2002,  nos 8%. Na Suécia o salto foi de 14% em 1993 para 18% em 1996, passando depois em 2002 para 32%. Na Noruega o peso das empresas estrangeiras era  de 7% em 1993, de 14% em 1996 e de 22% em 2002. No caso da Finlândia os valores de 1993, 1996 e 2002 são, respectivamente: 5%, 11% e 17%.

Embora muitos só tenham acordado em 2000/2001, quando descobriram o deficit das contas públicas, os acontecimentos reais que lhe estão na origem - e que verdadeiramente contam - precipitaram-se desde 1995, quando o impulso de abertura à União Europeu esmoreceu e não foi substituído por novos movimentos exteriores.

Estes dados não relevam de qualquer fatalismo, antes são a consequência de um proteccionismo pernicioso, o qual abarca, igualmente, o comércio internacional de bens e serviços. Estudos recentes(2) mostram que as restrições não tarifárias às importações em Portugal são enormes e das mais elevadas da OCDE; entre 22 países desta organização Portugal é o terceiro país mais proteccionista, só suplantado pelo México e pela Grécia. A título de exemplo, as nossas restrições não tarifárias às importações são 5 vezes as suecas, 4 vezes as holandesas e dinamarquesas, 2 vezes as irlandesas, as austríacas ou as espanholas.

A abertura das empresas portuguesas ao capital estrangeiro é uma necessidade que se não for entendida e facilitada impedirá a recuperação económica do país.

A OPA da SONAE sobre a PT pode ser portadora de uma excelente oportunidade para inverter estas tendências, iniciando um franco processo de abertura ao exterior e, a partir daqui, evoluir para o arranque para o verdadeiro choque tecnológico.

As empresas de telecomunicações vivem um período de viragem. As empresas do sector tradicional das tecnologias de informação estão a orientar-se para a área da Internet e para o sector das telecomunicações. A articulação íntima destas últimas, nas quais a PT se inclui, em grupos de primeira grandeza mundial, actuando na área das tecnologias da informação e com posições fortes na Internet, vai constituir uma necessidade a que não se poderão furtar, mais cedo ou mais tarde.

O recente carinho - que alguns consideraram, erradamente, exagerado - dispensado pelo governo português à alta direcção da Microsoft na sua recente aproximação e visita a Portugal pode revelar um correcto entendimento do que está em causa no sector das telecomunicações. Discretas aproximações recentes entre aquela multinacional e a própria PT poderão vir a revelar-se no futuro bem significativas.

A escassez de informação pública relevante acerca do processo da OPA sobre a PT não é necessariamente um mau sinal.

(1)Consideram-se países cujos dados disponíveis são comparáveis, a saber cujas definições de «empresa controlada por capital estrangeiro» considera apenas as empresas cujo capital estrangeiro é superior a 50% e exclui o controle indirecto.
(2)Giuseppe Nicoletti and Stefano Scarpetta, Regulation and Economic Performance: Product Market Reforms and Productivity in the OECD, Economic Department Working Papers no. 460, OECD, 2005.

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