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Opinião
23 de Setembro de 2011 às 11:00

A Madeira, um retrato português

Estamos em Agosto de 2002, e na soberba areia do Porto Santo, uma das mais belas praias da Europa, também já cheira a betão.

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Há promessas de desenvolvimento, de aproximação "à Madeira": a animação, o turismo e o golfe, só que desta feita numa ilha sem gota de água, onde a dessalinização é um custo obrigatório para garantir um bem essencial como a água (hoje, nas dunas, jazem esqueletos de hotéis falidos antes da cerimónia de abertura - como o megalómano Columbus Resort, por cuja teia de investidores, banca, licenciamentos e afins, passa o muito Continental Banco Português de Negócios).

Prometem-se mundos e fundos, no pior espírito paternalista recolonizador, mas o sobredimensionado atentado à paisagem de seu nome Hotel Vila Baleira, já em plena laboração, deixa perceber que não se aprendeu nada com o Algarve. É época de banhos, e como tal o "Lobo Marinho" - o barco de ligação à Ilha da Madeira, cujos horários de funcionamento permitem a um madeirense passar o dia de lazer em Porto Santo, mas obrigam um portosantense a pernoitar no Funchal caso precise, por exemplo, de um médico especialista - traz, epidemicamente, milhares de automóveis à ilha.

A boçalidade exibe-se um pouco por toda a parte, e é essa minoria, incivilizada e alarve, que contamina a noção de progresso, limita as possibilidades de uma outra visão da prosperidade, que domina o poder mesquinho, centrada apenas no que é acessório; uma classe político-empresarial e hordas de sombrios funcionários de qualquer coisa público-empresarial arrastam-se, doentes de provincianismo fanático - uma necessidade absoluta, para todos os que tentam - desventurados - fazer de conta que não são súbditos e serventuários. Percebe-se que estamos em Portugal, pelo contraste que esta gentalha - repito, em minoria absoluta - faz com a simplicidade, tolerância e capacidade de superação dos demais indígenas.

Há, no lado negro da cultura lusa, uma noção supersticiosa auto-infligida, que paira no ar como um fedor que se aprendeu a tolerar por resignação, como uma doença crónica. Essa noção beata é a de que a pobreza - material ou espiritual - possa trazer "felicidade", e é evidente que só pode ter sido propagandeada por quem nunca foi pobre. Este estigma ou condição é uma herança torpe do fascismo e do crónico fomento da baixa auto-estima, ignorância e desresponsabilização cívica que a democracia partidária, a que parecemos estar condenados, não soube - ou não quis - suplantar.

Os únicos beneficiários venais deste provincianismo crónico do lúgubre palco público, têm sido os seus principais protagonistas, cada vez mais distantes de "representar" quem quer que seja senão os seus cúmplices: as elites do país político, promiscuído com o país empresarial, apadrinhado pelo país mediático que, por nunca terem sido realmente elites senão na perspectiva estrita do seu superior poder de compra, alimentam essa ridícula anedota de vira-vira chamada a "alternância democrática".

Não há, na vida pública e política da Madeira, qualquer diferença substantiva para a congénere do território a que chamamos "o continente", senão que a sua ainda maior insularidade e ausência de escrutínio público, tenham consentido levar ainda mais além equívocos como a indústria do turismo como pretensa estruturação de uma economia próspera e equilibrada. Não há, neste particular, grande diferença, sequer, para uma qualquer autarquia "das nossas", grandes cidades incluídas.

Vamos pagar todos, e não vale a pena estar com cosmética política ou estertores de xenofobia fantasista, pois tanto "desenvolvimento" na Madeira não lhe chegou para conseguir gerar riqueza pública que se veja, o que é, aliás, mais uma prova de que é mesmo de Portugal que estamos a falar.

Tudo isto muito nos saiu, e continuará a sair, muito mais caro do que qualificar território, empresas e pessoas, do que afinar a dimensão do desenvolvimento pela escala das populações; sucede que assim é infinitamente mais popular e incomparavelmente mais fácil - e é essa a questão, é esse o logro, é este o custo.
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