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Opinião
13 de Outubro de 2006 às 13:59

A era da impunidade

A invasão do Afeganistão e deposição dos talibãs para pôr fim à Al Qaeda e assustar os terroristas em geral, falhou nos seus objectivos últimos.

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O ataque ao Iraque afastou Saddam Hussein do poder mas lançou o caos no país colocando o petróleo sob maior controlo americano. O Iraque tornou-se um paraíso para os grupos extremistas que vêem no Ocidente "O Inimigo". Os ataques terroristas foram exportados para a Europa e cinicamente pode-se dizer que por vezes servem muitos interesses.

O mais grave na forma como os países desenvolvidos têm abordado as relações internacionais é a displicência e primarismo com que encaram os problemas. A aparente ignorância das ameaças potenciais, o agravamento do fosso entre ricos e pobres. A tendência para a ameaça militar em detrimento dos instrumentos de apoio económico, de interdependência. O constante virar da cara quando se trata de Direitos Humanos, em particular no Terceiro Mundo.

A percepção da ameaça tem duas faces. A face Ocidental – desenvolvidos – sente a ameaça vir do terrorismo e da instabilidade nos países pobres. Os outros sentem que a ameaça vem desse mundo ocidental ou ocidentalizado, por via económica, militar e até religiosa. As contradições avolumam-se sem que se vislumbre uma estratégia global de estabilização.

Os Estados Unidos de George Bush, ao contrário de Bill Clinton, não deixam passar uma oportunidade para demonstrar ou ameaçar demonstrar o seu poderio militar. Agem unilateralmente e só optam pelo multilateralismo quando existe conveniência em deixar a batata quente nas mãos dos outros ou pelo menos podem aproveitar as mãos dos outros para fazer saltitar a batata. Claro que no processo todos acabam por queimar as mãos.

Russos e chineses aproveitam para estender as suas influências a amigos por vezes pouco recomendáveis enquanto a União Europeia, mesmo com Solana, anda literalmente a apanhar bonés.

O programa nuclear iraniano, como o norte-coreano aproveitam deste desnorte do único bloco aliado – a NATO, e das divergências dos Cinco que governam o Conselho de Segurança. Não existe uma nova Ordem Mundial, o maestro pode estar lá mas ninguém sabe bem quem ele é nem o que dirige e na orquestra cada um toca o que lhe apetece, com maior ou menor impacto consoante o instrumento.

Para o Irão a arma nuclear é uma resposta à crescente presença americana junto das suas fronteiras ou um renascimento da Pérsia e uma ameaça hegemónica sobre o Golfo e o Médio Oriente em geral? Para a Índia o nuclear é claramente uma advertência ao seu vizinho paquistanês mas também a sua afirmação como potência asiática namoriscando Moscovo e competindo amavelmente com a China. O Paquistão sentiu necessidade de ser também nuclear para responder ao peso do seu vizinho e tornou-se o primeiro país muçulmano com armas nucleares. Para Israel o nuclear é o dissuasor supremo, todavia inútil pois os seus inimigos sabem que o uso do nuclear, mesmo táctico, tem fortes probabilidades de ter o seu "fall out" em Israel.

Esta semana concretizou-se finalmente a última ameaça nuclear – a norte-coreana. Um dos países mais pobres do Mundo, incapaz de se alimentar, dominado por uma dinastia tão imprevisível como corrupta anuncia um teste, que não está confirmado e que se admite ter sido inferior a uma quilotonelada. A arma nuclear nem é cara nem é difícil de obter se o país dispuser de instalações atómicas. Se dispuser de dinheiro são conhecidos os desaparecimentos de matéria fissível desde a Rússia até à Alemanha e aos próprios EUA. O célebre "Livro Negro Nuclear" patrocinado pela Fundação Ford em finais da década de 70 e elaborado por uma vintena de conhecidos cientistas já referia desaparecimentos de material e o risco de terrorismo nuclear. A URSS ainda existia.

A Agência Internacional de Energia Atómica está progressivamente a passar de organismo fiscalizador do Tratado de Não Proliferação nuclear de 1968 para um organismo de investigação de incumprimento e de fugas de material radioactivo com qualidade militar. A sua capacidade de controlo é irrelevante.

A maioria dos analistas vê a autoproclamação nuclear coreana como uma forma de pressão para se sentar à mesa com os EUA torneando as conversações multilaterais, com os EUA, Rússia, Japão, China e Coreia do Sul, de que ela própria se retirou em Novembro de 1995. O Japão tem porém uma visão diferente. Depois do teste de mísseis de médio/longo alcance de Julho, Tóquio vê-se como um alvo de Pyongyang, o que é legítimo.

No Conselho de Segurança os Cinco permanentes passaram a semana sem conseguirem até quinta-feira um acordo. Todos aceitavam o princípio de sanções mas divergiam na inclusão de referências ao Capitulo VII da Carta da ONU que permite o recurso à força militar. A China tem uma preocupação acrescida. Não pretende que as sanções económicas possam por em causa a sobrevivência de regime de Pyongyang. Isso provocaria uma êxodo para a China e ou a fusão das duas Correias, com 40 mil soldados americanos junto às suas fronteiras, ou a ascensão de um líder norte-coreano ainda mais intratável. Grave para Pequim é a perda de face por causa de um regime de que tem sido aliado, apoiante, fornecedor de alimentos indispensáveis, e que ignora as pressões chinesas. Pyongyang poderá ter ascendido ao clube nuclear ignorando estoicamente os conselhos do seu protector chinês, demonstrando que o seu vizinho não tem capacidade para o controlar apesar de tudo.

A verdade é que seja qual for o acordo a que cheguem no Conselho de Segurança a impunidade se instalou e não é possível partir para acções militares para repor uma ordem que se rompeu quando duas superpotências controlavam as suas clientelas políticas.

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