Opinião
A encruzilhada francesa
Pela primeira vez, poucos dias depois da abertura oficial da campanha eleitoral em França, não existe um vencedor definido. Sarkozy, ex-ministro de Jacques Chirac, recebeu o ápio do Presidente, mas a suspeição caiu sobre esse apoio. Ségolène Royal já não
Ségolène Royal já não tem de ultrapassar as dúvidas sobre a estatura de estadista, tem de enfrentar um surpreendente misóginismo e François Bayrou continua sem fazer passar a sua mensagem.
No dia de abertura da campanha, e a duas semanas da primeira volta das presidenciais, 42 por cento dos eleitores estava indeciso quanto ao seu voto, incluindo as mulheres de quem se esperaria um apoio à candidata socialista.
O défice de Ségolène Royal tem feito correr tinta nas mais diversas análises publicadas na Imprensa francesa e em Ensaios de sociólogos e politólogos. Estará Ségolène Royal a ser vítima do misoginismo e de um inesperado domínio masculino da cena política? A resposta para já parece ser um rotundo "sim".
A candidata socialista que tem apresentado um discurso articulado começa a ver-se obrigada a, mesmo que pontualmente, fazer reajustes nas suas propostas, não para as melhorar ou responder a pressões masculinas mas para evitar as criticas, frequentemente infundamentadas. Isso pode transformar-se num princípio do fim se continuar e se for levado ao exagero. Contudo, Ségolène está a ter de responder a uma verdadeira conspiração de assassínio político, e o paternalismo proteccionista de alguns destacados dirigentes socialistas não tem ajudado.
Escritoras e jornalistas têm vindo a público denunciar a campanha machista contra a candidata, não por ela ser socialista e ter ideias inovadoras mas apenas por ser mulher, e não poupam as críticas às mulheres que tiverem, no século passado, de esperar até aos 24 anos para poderem votar, tiveram de esperar pelo final da guerra para entrarem da Academia de França e não podiam abrir uma conta bancária sem autorização do pai ou do marido. Contudo, elas foram essenciais ao "maquis" e o seu papel da "resistence" foi notável.
No meio desta tempestade cortante, embora disfarçada cinicamente, as ideias políticas dos candidatos não conseguem estar na primeira linha mais de alguns dias.
Sarkozy lidera as sondagens mas ensombrado por notícias do "Canard Enchaîné" de que trocara o apoio de Chirac por uma protecção que coloque o ainda Presidente ao abrigo dos Tribunais que com ele querem acertar algumas contas. O "Canard Enchaîné" não é apenas um pequeno jornal mas uma publicação de pequenos escândalos a maior parte das vezes verdadeiros. Poucas foram as vezes que os queixosos conseguiram uma condenação do jornal e ainda mais as vezes que os acusados optaram por deixar cair o assunto do esquecimento.
Nas duas semanas que se seguem, a questão de fundo parece ser apenas quem irá com Sarkozy à segunda volta. Ségolène continua sob o fogo da esquerda e Bayrou tem um apoio reservado do seu partido ao pretender esbater a clivagem entre esquerda e direita e colocar-se ao centro para beneficiar de alguma antipatia face ao carácter buliçoso de Sarkozy, um homem que, diz-se, só trabalho sob tensão (o que a França menos necessita neste momento). Contudo, a crer nas sondagens, cada vez mais criticadas Sarkozy tem a passagem garantida os outros dois candidatos andam quase lado a lado, com ligeiras vantagens para Ségolène.
A decisão está definitivamente nas mãos das mulheres e na sua verdadeira libertação da influência dos ápis e dos maridos, escrevem os sociólogos franceses.
Benoîte Groult, escritora, criticava esta semana no " Le Monde " que "uma parte do nosso carácter nacional não evoluiu: a misoginia. Ela continua fresca e feliz, espontânea e satisfeita. (?) Pensava que a misoginia estava desgastada. Um erro que é necessário não cometer se quisermos compreender o que se passa nesta campanha (...) Foi suficiente que (Ségolène Royal) se tornasse candidata de PS (...) que todos os ‘Clichés’ voltassem a florir".
Se Ségolène passar à segunda volta, que atitude irá tomar uma esquerda de pequenos e divididos partidos? Bayrou pertence centrar a França para afastar a turba de Le Pen e não lhe são conhecidas simpatias por Sarkozy, contudo os seus apoiantes dividir-se-ão.
Uma outra possibilidade lamentável não é de excluir: a vitória de Sarkozy na primeira volta graças a uma atitude machista de uns e submissa das mulheres. Ségolène pode perder mas se isso suceder à primeira volta as derrotadas serão as mulheres francesas primeiro, o PS depois e só finalmente a candidata.