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08 de Agosto de 2011 às 11:51

A crise portuguesa: alguns estrangulamentos e possíveis caminhos

A crise económica e social, que se prevê seja prolongada e agravada pelo aumento de impostos sobre os bens e serviços e pela redução de subsídios e outros apoios sociais

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Enquadramento
A crise económica e social, que se prevê seja prolongada e agravada pelo aumento de impostos sobre os bens e serviços e pela redução de subsídios e outros apoios sociais, a que acresce o aumento previsto do desemprego, pode provocar convulsões sociais em virtude do agravamento das dificuldades económicas e financeiras das famílias. Tal situação pode inclusive gerar fenómenos de insatisfação e de instabilidade social e constitui um risco potencial de aumento de actos de ilícito criminal.

Neste quadro económico e social que o País enfrenta, importa realizar um conjunto de reflexões sobre a crise que afecta Portugal, expressas em três áreas: Cultura e Mentalidade, Sociedade e Economia.

Cultura e mentalidade
Em primeiro lugar, a bandeira representada pela língua portuguesa é um valioso activo. A nossa língua é falada por mais de 200 milhões de pessoas em todo o mundo, da Índia ao Japão, da África ao Brasil. Encontramos, em alguns países onde a presença portuguesa se fez sentir ao longo dos séculos, escolas de língua portuguesa, cujo contributo é essencial para manter a língua viva. São, aliás, alguns destes países que, ao falar a nossa língua, ajudam à sua sobrevivência e à sua divulgação, sendo de realçar aqui o trabalho do Instituto Camões. Urge por isso continuar os esforços para a divulgação da nossa língua como um dos grandes trunfos da portugalidade sendo certo que esse é um investimento, para além de cultural, também económico.

Portugal cuida mal da sua imagem. Não sabemos valorizar nem os nossos heróis actuais, nem os do passado. Aristides de Sousa Mendes, Embaixador de Portugal em Lyon, durante a Segunda Guerra Mundial, salvou 30 mil judeus e poucos portugueses o conhecem. Consta que Aristides de Sousa Mendes salvou mais judeus da morte do que o célebre humanista Sueco Raoul Gustav Wallenberg, o qual chegou, em 1981, a ser condecorado a título póstumo nos Estados Unidos da América, sendo nomeado seu cidadão honorário.

Foi ainda considerado cidadão honorário de Israel, Canadá e Hungria. Há um prémio anual com o seu nome atribuído pelos EUA a pessoas que se destacam por trabalho humanitário e existem ainda inúmeras ruas e monumentos com o seu nome. E do nosso Aristides de Sousa Mendes o que sabemos e o que fizemos para promover e divulgar a sua vida e a sua acção? É por isso necessário mudar mentalidades e dar o exemplo de cidadania e patriotismo. Portugal tem de saber divulgar melhor, quer interna quer externamente, os seus valores, a sua história, a sua cultura e os seus heróis e os seus contributos para a liberdade, democracia, progresso e inovação.

Necessitamos acima de tudo de uma mudança de mentalidades. E o papel dos grupos da sociedade civil é ajudar a essa mudança. Os portugueses têm uma mentalidade fatalista, pouco ambiciosa e nada auto-confiante. Foi este tipo de mentalidade pouco ambiciosa que propiciou o salazarismo, o qual foi, por isso mesmo, causa e ao mesmo tempo consequência do mesmo.

Sociedade
Um dos factores que tem afectado o emprego e o nível de desemprego é a reduzida mobilidade da mão-de-obra nacional. Se a política de aquisição de habitação própria contribuíu para esta situação, a verdade é que Portugal, mau grado a litoralização, tem demonstrado nas últimas décadas e nalguns estratos socioprofissionais, alguma rigidez no que respeita à mobilidade. Trata-se de um factor de natureza cultural e social, em primeiro lugar porque antes se obtinha um emprego para toda a vida na zona de residência e em segundo porque os factores de natureza económica (baixos salários) não o facilitavam.

Hoje, porém, as novas gerações, mercê da globalização e de programas de apoio interuniversitário de mobilidade de estudantes e docentes do ensino superior entre estados-membros da União Europeia, tal como o Erasmus, já revelam maior sentido da mobilidade, a qual deve ser incentivada.

Os portugueses têm alguma dificuldade em identificar elites pelo que chegamos à conclusão de que estas são inexistentes. Relativamente, por exemplo, às elites empresariais, alguns empresários de referência têm-se destacado pela adopção de modos de funcionamento e liderança muito autocráticos, muitas vezes discutíveis.

Parte da sua riqueza tem assentado num ou em vários destes factores: pagamento de baixos salários, fuga aos impostos, falta ou atraso nos pagamentos a credores, contribuindo para o surgimento de uma atitude imoral de incumprimento no que respeita à assunção das suas responsabilidades sociais, desvirtuando assim as regras do mercado e contribuindo para o insucesso de outros.

Importa assim que as elites se assumam enquanto referências de cidadania e que as elites empresariais assumam a sua responsabilidade social.

Economia
Para reforçar a sua posição económica internacional, Portugal deveria apostar no Eixo Lusófono, funcionando como plataforma geoestratégica para os países de Língua Portuguesa, designadamente para os PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa) e o Brasil. Tal não foi conseguido através da nossa presença em Macau, o que nos teria permitido desenvolver e reforçar um eventual Eixo Oriental e essa plataforma geoestratégica para a China quando esta se dirigiu aos países da lusofonia. É já tarde relativamente ao Brasil, devido à pujança económica e projecção externa que aquele país revela, talvez não o fosse no entanto para os restantes países de língua portuguesa. Portugal deve assim apostar na criação de uma plataforma de negócios internacionais que poderá servir de plataforma económica para o investimento nos países lusófonos. Até porque continuam a persistir aspectos de natureza política e administrativa que talvez valesse a pena repensar para actuar ao nível da facilitação e da orientação jurídica e administrativa a todos aqueles - investidores - que quisessem entrar nestes países.

Hoje discute-se cada vez mais a questão da necessidade de comprar o que é nacional. De facto, com o novo programa de assistência financeira da União Europeia (UE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI), é imperativo cortar nas despesas para reduzir quer o deficit, equilibrando as contas públicas, quer a dívida externa. Porém, tal não será suficiente se não optarmos por um mix de corte nas despesas vs aumento da produtividade, porque o país precisa de criar riqueza e mais emprego. E para que tal seja alcançado é necessário que as empresas produzam mais e melhor. Mas tal só será alcançável com um aumento da procura. Vários indicadores e opiniões referem que o crescimento económico estará de alguma forma dependente do aumento das exportações, no entanto, a esmagadora maioria das empresas nacionais não é exportadora. Apenas cerca de 8% do total de empresas vendem para o exterior - pouco mais do que 25 mil. O elemento exportação não será suficiente.

Tão importante como as exportações é a substituição de uma parte significativa das importações. Criando um sentimento favorável a comprar o que é nacional - dentro de uma lógica naturalmente racional - estaremos a ajudar as nossas empresas a aumentar a sua produtividade e a criar mais emprego. Não se pretende com isto pôr em causa os princípios da união económica, aduaneira e monetária, subjacentes à União Europeia onde estamos inseridos, nem sequer de estabelecer barreiras à entrada dos produtos europeus, o que seria um erro clamoroso e um retrocesso. Trata-se, isso sim, de alterar alguns comportamentos de consumo em favor da economia nacional e da criação de emprego.

Entre os sectores onde Portugal apresenta claras vantagens comparativas e até competitivas em termos internacionais surgem o turismo, a agricultura, a silvicultura e as pescas. Mais do que pretender apostar em várias direcções sem uma estratégia concertada para estes sectores, importa perceber que Portugal tem, por exemplo ao nível da agricultura, um grande potencial para investir na produção de girassol (para produção e exportação de óleos) e de olival (temos já a maior área de plantação de olival da Península Ibérica) para a produção de azeite de elevada qualidade. O sector do vinho é outro onde o País tem de apostar e promover de forma integrada. Temos o clima e o terreno propício à produção destes bens. Já ao nível da silvicultura temos grandes capacidades na floresta se for implementada uma estratégia correcta de gestão florestal com resultados ao nível do aumento da produção da pasta de papel e condições para reforçar a nossa posição de liderança no sector da cortiça, cujas aplicações em novos produtos são crescentes. Nas actividades do mar existe um enorme potencial para a aquacultura, piscicultura, ou produção e reparação naval para dar alguns exemplos.


Direcção do FRES - Fórum de Reflexão Económica e Social


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