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22 de Agosto de 2003 às 10:17

A coragem de ser optimista

Escrevo-lhes sob o primeiro impacto da notícia do assassinato do representante das Nações Unidas no Iraque, Sérgio Vieira de Mello.

Mário Negreiros

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Escrevo-lhes sob o primeiro impacto da notícia do assassinato do representante das Nações Unidas no Iraque, Sérgio Vieira de Mello. São pouquíssimas as informações que tenho no momento em que lhes escrevo (tarde de terça-feira) e quero manter assim este artigo – mais emocional do que analítico, mais emocionado do que actual.

Não conheci pessoalmente Sérgio Vieira de Mello mas desde o assassinato de John Lennon que não sentia, com esta intensidade, uma perda pública como se minha fosse. Vieira de Mello, como Lennon, era uma dessas preciosas figuras que nos fazem manter a esperança de triunfo daquilo que a humanidade tem de melhor. O homem passou por praticamente todos os infernos do nosso tempo - Moçambique, Líbano, Kosovo, Timor, Iraque... –, viu, mais do que qualquer um de nós, todas as boas razões para se perder a esperança e, no entanto, mostrava-se – sempre! – optimista e, mais importante do que isso, tinha o dom de nos transmitir esse optimismo.

Ao contrário de tantos de nós, prescindia de mostrar um ar cansado (como se o cansaço fosse medida de devoção ao trabalho) e saia das negociações mais delicadas como quem tivesse acabado de jogar uma boa e amigável partida de ténis – revigorado.

O assassinato de Sérgio Vieira de Mello, como o de Lennon, foi uma porrada nas nossas esperanças. E há aí uma diferença –para pior! Lennon foi vítima de uma loucura que, por mais que se repita noutros indivíduos, era individual; Vieira de Mello foi vítima de uma loucura colectiva – houve uma conspiração, um grupo de pessoas que se juntou para o matar, que, juntas, terão comemorado o “sucesso da operação” e que, elogiadas pelos chefes, sentir-se-ão encorajadas para perpetrar crimes semelhantes. Loucura, e loucura colectiva!

Morto, Sérgio Vieira de Mello torna-se um mártir. Preferia-o vivo. Ele, seguramente, também. Não, isto não é tão óbvio quanto parece. Todos os dias temos notícias de quem se prefira martirizado do que vivo – no que se inclui pelo menos um dos responsáveis pelo martírio de Vieira de Mello. Não era esse, com certeza, o caso do próprio Vieira de Mello, um homem que, visivelmente, gostava da Vida – da dele e da dos outros. E o martírio mais infeliz é o de quem não tem vocação (?) para mártir.

Rogo a Deus para que perdoe os assassinos de Vieira de Mello, porque eu não os perdoo. Fizeram-nos mal - a mim, pessoalmente, e à Humanidade (que, além de colectivo de pessoas, é um conjunto de valores, e tanto as pessoas quanto os valores foram dolorosamente feridos por esse crime).

Mas é preciso manter a esperança. Agora fica mais difícil, não só porque perdemos um dos seus alimentos mas também – e principalmente – pela maneira como o perdemos. Mas é precisamente quando há menos razões de esperança que a esperança se torna bem mais valioso.

Que seja esse o legado de Sérgio Vieira de Mello - um homem que tinha a coragem de ser optimista nas situações mais desesperadas e que, justamente por ter essa coragem, tinha também a força para contribuir, concretamente, com o seu trabalho, para que as coisas andassem melhor. Vida longa à memória de Sérgio Vieira de Mello!

Por Mário Negreiros, mnegreiros@clix.pt

Artigo publicado no Jornal de Negócios

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