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17 de Abril de 2006 às 13:59

A construção da Europa do Futuro

E se parte da opinião pública europeia está convencida de que a UE ainda não está a fazer tudo o que pode pelo crescimento económico e pelo emprego, então essa é uma importante razão para que a construção europeia seja hoje, mais do nunca, necessária.

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No Conselho Europeu da Primavera, que se realizou em Março último, os dirigentes dos Estados-membros da União Europeia (UE) reafirmaram um duplo compromisso: em primeiro lugar, redinamizar o emprego e, em segundo, definir os contornos da futura política energética da UE.

Restrinjo a presente apreciação ao primeiro compromisso.

No que respeita ao relançamento do emprego, os chefes de Estado definiram então três acções prioritárias: investir mais no conhecimento e na inovação; explorar o potencial das pequenas e médias empresas e, favorecer o acesso de grupos considerados laboralmente «mais frágeis» ao mercado de trabalho (como jovens, trabalhadores idosos e imigrantes). Por seu turno, José Sócrates na sua intervenção na cimeira defendeu a construção de uma «nova geração de políticas sociais» que corresponda a um salto «de modernidade».

A verdade é que, mesmo num período em que existem sinais de recuperação económica na UE – devido ao aumento das exportações, ao aumento da procura interna e à retoma do investimento privado – há incertezas que continuam a pairar sobre a construção europeia. Depois dos «não» francês e holandês, os europeus procuram respostas a questões como, entre outras, a de saber por que razão é a UE ineficaz em termos económicos ou, por que razão a «Estratégia de Lisboa» parece cada vez mais longínqua.

De facto, e desde meados dos anos 1990, que a UE é uma das zonas do mundo onde o crescimento económico tem sido mais lento (ultrapassado pelos EUA e pelo crescimento dos «países emergentes»). Além disso, pior ainda têm sido os níveis de criação de emprego. Embora tradicionalmente se possa dizer que sem crescimento económico não há emprego, o que parece acontecer actualmente é que nem mesmo o crescimento económico desencadeia emprego. Veja-se o caso francês: mesmo em períodos de crescimento a economia não tem criado emprego e a recente diminuição da taxa de desemprego, parece dever-se, sobretudo, à criação de emprego a termo no sector público.    

Na UE, os dados do Eurostat indicam que – em Janeiro e Fevereiro de 2006 – no conjunto dos 25 países o desemprego se manteve nos 8,5%. Além do mais, estes dados mostram que – não obstante as adversidades a que estão sujeitas as principais economias europeias, como a alemã, a francesa ou a italiana – alguns países europeus têm conseguido controlar e até diminuir o desemprego. A Irlanda (4,3%), a Dinamarca, a Holanda (ambas com 4,4%) e a Áustria (5,1%) registam as taxas de desemprego mais baixas da UE e, por exemplo, a Espanha – que em Janeiro de 2005 registava uma taxa de desemprego de 10,1% – consegue, em Janeiro de 2006, uma admirável redução da taxa de desemprego para 8,4%.

Certo é que, nas (ainda) principais economias europeias, o aumento do desemprego parece residir, em grande medida, no movimento contínuo de supressão de emprego gerado pelas deslocalizações, em particular no sector industrial. E este fenómeno – a par da diminuição do poder de compra – tem gerado um crescente mal-estar social. O resultado está à vista: em França, depois de enfrentar dez semanas de manifestações contra a sua política laboral, Dominique de Villepin viu-se forçado a retirar o polémico Contrato de Primeiro Emprego. Na Alemanha, onde por tradição tem dominado uma lógica de direito colectivo ao emprego, os sindicatos, com dificuldades em negociar as ofertas de revalorização salarial, chegam mesmo a falar na realização de greves. Em Itália, a frágil vitória da coligação de centro-esquerda liderada por Romano Prodi não deixa tranquilizar a sociedade e a economia: em 2005 o crescimento foi praticamente nulo e a competitividade (com a indústria automóvel em dificuldades), assim como o investimento, tem diminuído muito.

Procurando precisamente antecipar situações que podem vir a revelar ainda mais gravosas, na cimeira de Hampton Court (Outubro de 2005) foi introduzida uma «novidade»: a possibilidade de se criar um Fundo Europeu de Adaptação à Globalização que ajudará socialmente os trabalhadores desempregados, vítimas de choques económicos. Entendida como uma resposta ao desafio da globalização e uma demonstração da capacidade europeia para competir num mundo em rápida mudança, a proposta de criação deste Fundo representa para uns um sinal positivo de que existe um «compromisso estratégico» para a construção do modelo social europeu, mas para outros, constitui um mau presságio?

E se parte da opinião pública europeia está convencida de que a UE ainda não está a fazer tudo o que pode pelo crescimento económico e pelo emprego, então essa é uma importante razão para que a construção europeia seja hoje, mais do nunca, necessária. Mas é também preciso entender que, no mundo actual, a concepção da construção europeia, tal como foi gizada por Jean Monnet, deixou de ser possível e que ela exige uma «construção» diferente, sem que isso signifique a desistência de um projecto que se quer comum e imbuído de carácter social.

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