Opinião
[427]. A habituação e a qualidade da mensagem publicitária
Desconheço se o conceito de compra da nossa habituação às marcas e produtos faz parte das estratégias conscientes dos publicitários
Desconheço se o conceito de compra da nossa habituação às marcas e produtos faz parte das estratégias conscientes dos publicitários, mas considero-a uma das formas mais eficazes de eles alcançarem os seus objectivos: através da inculcação das imagens dos seus clientes no nosso cérebro e no nosso sistema emocional.
Lembrei-me do tema porque um leitor, a respeito do artigo da semana passada sobre o "Livro da Marca" e a campanha da EDP, escreveu que, embora não apreciando a nova imagem da empresa, já se ia habituando; por isso, já a achava menos mal.
É esse o processo da habituação. Julgo poder transpor para a publicidade, numa aplicação minimalista, um conceito muito importante da sociologia a propósito das nossas práticas sociais. Émile Durkheim, na mudança para o século XX, foi buscar ao vocabulário escolástico o termo latino "habitus" para designar o conjunto das aprendizagens adquirida pela criança no decurso da sua educação. Outro sociólogo, Norbert Elias, usou o mesmo termo para evocar o tipo de personalidade originado no processo civilizacional do Ocidente. Mas foi um terceiro sociólogo, Pierre Bourdieu, quem refez o conceito para lhe atribuir um papel central na formação e consolidação das práticas sociais.
Para Bourdieu, o "habitus" é o conjunto de disposições que inculcamos e interiorizamos a ponto de tendermos a reproduzi-las, adaptando-as às condições em que agimos no quotidiano. A inculcação - o modo como se faz com que qualquer coisa entre no espírito de alguém de forma duradoura - é também vista em sociologia como o próprio processo de constituição desses "habitus" ou atitudes sociais adquiridas. Já encontramos aqui uma pista para entender a publicidade na sua faceta social. Através dos "habitus", interiorizamos ao longo da vida ideias e práticas que nos são exteriores: interiorizamos a exterioridade. É também o que nos sucede com a publicidade.
Falta referir uma terceira dimensão do "habitus": aquilo que é inculcado e passa a ser parte do espírito transforma-se depois em percepções, pensamentos e acções próprias de uma determinada cultura. Pomos em prática o que não era nosso, mas que fomos absorvendo do exterior. Ora, isso também é uma intenção primordial da publicidade: depois de inculcada a imagem ou a mensagem, convém que a transformemos em impulso de compra.
Na publicidade, o processo de habituação obtém-se pela repetição da mensagem. Só vendo, ouvindo e lendo muitas vezes os anúncios ficamos predispostos a aceitar slogans, logótipos, narrativas, produtos, serviços e marcas que antes desconhecíamos ou de que não gostávamos, como sucedeu ao leitor cuja mensagem suscitou este artigo.
A repetição inculca. Todos sabemos isso há muito, mas convém lembrar o "óbvio" de vez em quanto, porque as verdades mais importantes escondem-se muitas vezes por trás das coisas "óbvias" a que não ligamos nenhuma - por serem óbvias!
No caso dos "habitus" inculcados nas pessoas por meio de uma actividade comercial sistemática, persistente e concebida profissionalmente - a publicidade - convém recordar aqui outra verdade "óbvia": como a repetição é essencial para alcançar o objectivo, as campanhas devem ser, se possível (isto é, se houver orçamento), absolutamente esmagadoras, presentes diversas vezes ao dia em todos os media de comunicação social e nas ruas. Isso significa que só as grandes empresas, como a EDP, conseguem inculcar as suas mensagens e imagens com razoável eficácia, através de grandes campanhas.
E desta reflexão resulta uma terceira realidade "óbvia": é que a repetição esmagadora consegue a inculcação em muita gente, quer a campanha seja boa, quer seja má. O que também significa que publicitários com grandes orçamentos têm sucesso com muito mais facilidade do que publicitários trabalhando com pequenos orçamentos, mesmo que as campanhas destes sejam de melhor qualidade.
ect@netcabo.pt
Lembrei-me do tema porque um leitor, a respeito do artigo da semana passada sobre o "Livro da Marca" e a campanha da EDP, escreveu que, embora não apreciando a nova imagem da empresa, já se ia habituando; por isso, já a achava menos mal.
Para Bourdieu, o "habitus" é o conjunto de disposições que inculcamos e interiorizamos a ponto de tendermos a reproduzi-las, adaptando-as às condições em que agimos no quotidiano. A inculcação - o modo como se faz com que qualquer coisa entre no espírito de alguém de forma duradoura - é também vista em sociologia como o próprio processo de constituição desses "habitus" ou atitudes sociais adquiridas. Já encontramos aqui uma pista para entender a publicidade na sua faceta social. Através dos "habitus", interiorizamos ao longo da vida ideias e práticas que nos são exteriores: interiorizamos a exterioridade. É também o que nos sucede com a publicidade.
Falta referir uma terceira dimensão do "habitus": aquilo que é inculcado e passa a ser parte do espírito transforma-se depois em percepções, pensamentos e acções próprias de uma determinada cultura. Pomos em prática o que não era nosso, mas que fomos absorvendo do exterior. Ora, isso também é uma intenção primordial da publicidade: depois de inculcada a imagem ou a mensagem, convém que a transformemos em impulso de compra.
Na publicidade, o processo de habituação obtém-se pela repetição da mensagem. Só vendo, ouvindo e lendo muitas vezes os anúncios ficamos predispostos a aceitar slogans, logótipos, narrativas, produtos, serviços e marcas que antes desconhecíamos ou de que não gostávamos, como sucedeu ao leitor cuja mensagem suscitou este artigo.
A repetição inculca. Todos sabemos isso há muito, mas convém lembrar o "óbvio" de vez em quanto, porque as verdades mais importantes escondem-se muitas vezes por trás das coisas "óbvias" a que não ligamos nenhuma - por serem óbvias!
No caso dos "habitus" inculcados nas pessoas por meio de uma actividade comercial sistemática, persistente e concebida profissionalmente - a publicidade - convém recordar aqui outra verdade "óbvia": como a repetição é essencial para alcançar o objectivo, as campanhas devem ser, se possível (isto é, se houver orçamento), absolutamente esmagadoras, presentes diversas vezes ao dia em todos os media de comunicação social e nas ruas. Isso significa que só as grandes empresas, como a EDP, conseguem inculcar as suas mensagens e imagens com razoável eficácia, através de grandes campanhas.
E desta reflexão resulta uma terceira realidade "óbvia": é que a repetição esmagadora consegue a inculcação em muita gente, quer a campanha seja boa, quer seja má. O que também significa que publicitários com grandes orçamentos têm sucesso com muito mais facilidade do que publicitários trabalhando com pequenos orçamentos, mesmo que as campanhas destes sejam de melhor qualidade.
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