Outros sites Medialivre
Notícias em Destaque
Opinião

[422.] Monte Velho, Altano, Heineken

Os anúncios dos vinhos Monte Velho protagonizam uma garrafa em fundo claro e vazio, a que se somam duas frases.

  • 3
  • ...
Os anúncios dos vinhos Monte Velho protagonizam uma garrafa em fundo claro e vazio, a que se somam duas frases. Sobre a garrafa, uma frase baseada na ideia de que bastam duas palavras para se proferir uma afirmação importante: "Como saudar o sol em apenas duas palavras". Visualmente, a resposta está logo de seguida, no rótulo: Monte Velho. Ao sairmos de cena do palco da garrafa, no canto inferior esquerdo, encontramos a segunda frase, o slogan "Boa Escolha."

As duas palavras são, afinal, quatro, a escolher ao par pelo observador: "Monte Velho" ou "Boa Escolha". Faz parte da "lógica" publicitária este excesso de comunicação mesmo quando se baseia a comunicação na frugalidade da comunicação.

Outro vinho, outro anúncio bem construído. O tinto Altano, "naturalmente Douro", mostra a sua viticultura biológica de forma exuberante. A garrafa está no meio de um lugar silvestre: um coelho selvagem espreita de um lado, uma coruja de outro, um ouriço caixeiro esconde-se nas ervas e uma joaninha sobe pelo rótulo acima. Três ou quatro ramos de videira compõem a imagem, fechando a natureza sobre si mesma.

A joaninha, vermelha, inesperada na ligação a uma garrafa de tinto, foi essencial para chamar a atenção e sugerir de imediato um contacto saudável com a natureza, antes ainda de se ler o texto sobre o "renascimento natural" da produção biológica.

Estes vinhos, como tantos outros, não precisam de escrever a palavra qualidade, por não ser necessário. Apelam a uma característica, caso do Altano, ou servem apenas para recordar a marca, caso do Monte Velho. Ambos usam apenas duas palavras nos slogans.

Já a cerveja global Heineken precisa de escrever a palavra qualidade, e escreve-a duas vezes: na carica e na frase de acesso: "We write quality in caps". Nesta frase, "caps" tem dois significados: caricas e maiúsculas. A tradução da frase no anúncio apenas refere este segundo sentido, assim se perdendo a duplicidade da frase. Às vezes pergunto-me por que se submetem os publicitários e os representantes nacionais das marcas a esta ditadura da língua inglesa nos reclames de imprensa se ela acaba por prejudicar a sua própria mensagem, aquilo mesmo que querem fazer, comunicar a marca. O imperialismo cultural global pode trazer vantagens para as marcas e suas vendas, mas não é obrigatório que isso aconteça sempre. O slogan da Heineken nem aparece traduzido. "Open your world" apela para esse carácter global, mundial, da marca, que é necessário para dar originalidade a um produto que não se diferencia extraordinariamente (a cerveja) e que tem uma esmagadora concorrência de marcas nacionais.

Perante o inglês no anúncio, que encontrei numa das revistas portuguesas mais lidas pelos portugueses em português, a "Única", do "Expresso", e perante o slogan globalizador, pareceu-me que, afinal, a Heineken o que tem para oferecer de original exprime-se na carica, com a palavra "quality". Uma "quality" da marca e do vasilhame, um pouco para além do produto líquido. O anúncio nem sequer mostra a garrafa e a cerveja que ela contém. Só mostra, em tamanho gigante, a carica.



ect@netcabo.pt

Ver comentários
Mais artigos do Autor
Ver mais
Outras Notícias
Publicidade
C•Studio