Opinião
[346.] ILGA Portugal
A actual campanha da ILGA Portugal abre nova frente na batalha das lésbicas e homossexuais: a aceitação pelos filhos da orientação sexual diferente dos pais. O anúncio televisivo centra-se na aceitação pelo filho jovem de...
A actual campanha da ILGA Portugal abre nova frente na batalha das lésbicas e homossexuais: a aceitação pelos filhos da orientação sexual diferente dos pais.
O anúncio televisivo centra-se na aceitação pelo filho jovem de que o pai é gay. O narrador do anúncio em off é o filho, enquanto viaja com o pai de carro e rememora o passado com ele. Os elementos referidos fazem deste um pai atencioso, extremoso, sempre presente. Daí que o filme, começando com a hipótese de um afastamento (o rapaz vai no carro pensativo e sem dialogar ou mesmo olhar para o pai) acabe com ambos abraçados na praia. A conclusão do texto é dirigida ao espectador: "Por um pai ser gay será menos pai por isso? (…) Antes de julgar o que está certo ou errado, pense."
O anúncio exterior, para mupis, mostra uma fotografia de uma mulher abraçando o filho no campo, num momento feliz de partilha com a criança. O texto está colocado bem por cima da foto: "Se a tua mãe fosse lésbica, mudava alguma coisa?" O observador é convidado a estabelecer a relação entre o texto (em que se trata da maternidade lésbica) e a imagem (onde se vê uma mulher e uma criança).
Os dois anúncios têm pontos comuns. Primeiro, faz-se a construção retórica da mensagem nos dois anúncios através de perguntas no momento crucial em que se aborda a sexualidade parental. Para que serve a pergunta? Para evitar ou relativizar afirmações mais fortes; e para colocar o ónus da resposta no observador do reclame.
Em segundo lugar, os anúncios procuram estabelecer uma racionalidade na aceitação da homossexualidade dos pais. Enquanto no mupi se sugere ao observador que raciocine sobre a relação entre a homossexualidade parental e a ligação mãe-filho, no spot televisivo esse convite é abertamente formulado, quando se diz que o espectador deve pensar "antes de julgar".
Em terceiro lugar, todavia, a racionalidade é submergida pela emotividade. No mupi as cores da foto fornecem o mesmo ar de memória da infância que constrói a narrativa do spot televisivo. As fotografias do passado têm sempre uma atracção nostálgica para os interessados, que, de alguma forma, transborda para outros observadores. No mupi, a fotografia exerce a função de emocionar a relação mãe-filho pelo que ela foi no passado (ou até ao momento). Além disso, as imagens transferem para pessoas concretas a situação abordada, que deixa de ser abstracta. No caso da TV, a emoção é facilitada pela força das imagens em movimento e pela voz humana e música que as complementam.
Há, entretanto, uma diferença de peso entre os dois anúncios. A narrativa do spot coloca a questão da homossexualidade do pai numa idade crescida do filho e não interpela o observador a respeito do seu próprio caso, colocando a pergunta genericamente ("por um pai ser gay será menos pai por isso?"); já o anúncio do mupi interpela o observador colocando-o na posição hipotética de ter uma mãe lésbica.
Mas faz mais: apesar do tom de "passado" da fotografia, o anúncio é dirigido a crianças. Na imagem, vê-se um miúdo; e, ao contrário do spot, que trata o observador por você ("pense"), o mupi trata o leitor por tu ("se a tua mãe…"). Desta forma, o mupi interpela directamente crianças. Este aspecto do anúncio é negativo e, a bem dizer, uma provocação às próprias crianças, antes de o ser a adultos. Não cabe a uma campanha publicitária tratar de um assunto como este, confrontando crianças com questões que devem ser tratadas noutras circunstâncias e não quando atravessam a rua ou vão no autocarro. Trata-se de uma irresponsabilidade dos publicitários e da ILGA Portugal (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero), um acto perfeitamente escusado numa campanha de causas fora disso correcta e perfeitamente integrada num espaço público aberto como deve ser o nosso.
ect@netcabo.pt
O anúncio televisivo centra-se na aceitação pelo filho jovem de que o pai é gay. O narrador do anúncio em off é o filho, enquanto viaja com o pai de carro e rememora o passado com ele. Os elementos referidos fazem deste um pai atencioso, extremoso, sempre presente. Daí que o filme, começando com a hipótese de um afastamento (o rapaz vai no carro pensativo e sem dialogar ou mesmo olhar para o pai) acabe com ambos abraçados na praia. A conclusão do texto é dirigida ao espectador: "Por um pai ser gay será menos pai por isso? (…) Antes de julgar o que está certo ou errado, pense."
Os dois anúncios têm pontos comuns. Primeiro, faz-se a construção retórica da mensagem nos dois anúncios através de perguntas no momento crucial em que se aborda a sexualidade parental. Para que serve a pergunta? Para evitar ou relativizar afirmações mais fortes; e para colocar o ónus da resposta no observador do reclame.
Em segundo lugar, os anúncios procuram estabelecer uma racionalidade na aceitação da homossexualidade dos pais. Enquanto no mupi se sugere ao observador que raciocine sobre a relação entre a homossexualidade parental e a ligação mãe-filho, no spot televisivo esse convite é abertamente formulado, quando se diz que o espectador deve pensar "antes de julgar".
Em terceiro lugar, todavia, a racionalidade é submergida pela emotividade. No mupi as cores da foto fornecem o mesmo ar de memória da infância que constrói a narrativa do spot televisivo. As fotografias do passado têm sempre uma atracção nostálgica para os interessados, que, de alguma forma, transborda para outros observadores. No mupi, a fotografia exerce a função de emocionar a relação mãe-filho pelo que ela foi no passado (ou até ao momento). Além disso, as imagens transferem para pessoas concretas a situação abordada, que deixa de ser abstracta. No caso da TV, a emoção é facilitada pela força das imagens em movimento e pela voz humana e música que as complementam.
Há, entretanto, uma diferença de peso entre os dois anúncios. A narrativa do spot coloca a questão da homossexualidade do pai numa idade crescida do filho e não interpela o observador a respeito do seu próprio caso, colocando a pergunta genericamente ("por um pai ser gay será menos pai por isso?"); já o anúncio do mupi interpela o observador colocando-o na posição hipotética de ter uma mãe lésbica.
Mas faz mais: apesar do tom de "passado" da fotografia, o anúncio é dirigido a crianças. Na imagem, vê-se um miúdo; e, ao contrário do spot, que trata o observador por você ("pense"), o mupi trata o leitor por tu ("se a tua mãe…"). Desta forma, o mupi interpela directamente crianças. Este aspecto do anúncio é negativo e, a bem dizer, uma provocação às próprias crianças, antes de o ser a adultos. Não cabe a uma campanha publicitária tratar de um assunto como este, confrontando crianças com questões que devem ser tratadas noutras circunstâncias e não quando atravessam a rua ou vão no autocarro. Trata-se de uma irresponsabilidade dos publicitários e da ILGA Portugal (Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero), um acto perfeitamente escusado numa campanha de causas fora disso correcta e perfeitamente integrada num espaço público aberto como deve ser o nosso.
ect@netcabo.pt
Mais artigos do Autor
[784.] Fim
26.12.2018
[783.] Anúncio de perfumes no Natal
19.12.2018
[782.] Dolce & Gabbana: desastre na China
12.12.2018
[780.] Raposeira, Beirão d'Honra, EDP
04.12.2018