Opinião
[336.] Tudor, Dodge, Krups, BP, Interforma
A quantidade de imagens publicitárias incluindo outras imagens no seu seio sinaliza o poder da linguagem visual e a nossa habituação à comunicação pela imagem.
A quantidade de imagens publicitárias incluindo outras imagens no seu seio sinaliza o poder da linguagem visual e a nossa habituação à comunicação pela imagem. As imagens dentro de imagens dão uma visão espacial particularmente adaptada à economia da publicidade: muitas vezes permitem duplicar a quantidade de informação da mensagem num espaço caro e que precisa de captar logo a atenção do observador.
Um anúncio das baterias Tudor inclui na mancha negra em fundo, ao lado da metade dum automóvel desportivo, outro anúncio, falso, de jornal, dizendo: “Carro desportivo, confidente e puro. Casa junto ao mar, procura bateria adequada, para ligação de longo prazo.” (Não se percebe bem o “confidente”). Dada informação contida no texto inferior, o reclame dentro do reclame seria desnecessário se o anunciante não pretendesse criar um espaço de humor, para o que canibalizou uma forma de expressão de todos conhecida: os classificados pessoais na imprensa. Sem autorização para mostrar um carro de marca e não querendo evidenciar a bateria, que não tem qualquer distinção, optou por chamar a nossa atenção pelo pequeno classificado.
Um anúncio do combustível BP Ultimate representa visualmente a sua qualidade mostrando lado a lado duas fotos coladas num pedaço de madeira funcionando como fundo do reclame: são idênticas excepto no cabelo da rapariga fotografada (sem movimento na imagem relativa ao “combustível convencional” e todo no ar na outra).
A Interforma optou por uma imagem dentro da imagem muito vista: quase todo o espaço nas duas páginas de revista mostram uma outra revista (o catálogo da marca), aberta exactamente sobre outra imagem da mesma mobília. Assim, chama a atenção e ao mesmo tempo sugere que o catálogo corresponde exactamente à exposição em loja e aos conjuntos à venda. O observador é levado a crer que a imagem de trás, sobre a qual se abre a revista, é “real”, não exactamente uma imagem, mas o próprio espaço de exposição. Este é o poder de representação, de imitação que a fotografia possui.
Estes recursos à imagem na imagem assentam bem na nossa pós-modernidade, quando a representação visual se tornou dominante sobre a própria realidade, mas não são novos. Noutros tempos, os artistas já recorreram à mesma duplicidade para surpreender, enganar os olhos (“trompe l’oeil”) e para de facto transmitir duas mensagens numa só. Numa recente viagem a Milão, não me esqueci dos leitores e, à socapa dos ensonados guardas dos museus, fotografei dois exemplos multicentenários de “picture in picture”, como se diz hoje. Um deles é um auto-retrato de Palma il Giovane (1548-1648), exposto na Pinacoteca Brera. O pintor representou-se pintando um quadro da Ressurreição de Cristo, assim simbolizando a sua própria “second life” através da obra.
A outra pintura, de Bernardino Licinio, cerca de 1525, hoje no Castelo Sforzesco, mostra uma mulher pegando num quadro representando um familiar defunto. Através de um artifício simples e de uma ingenuidade que ainda hoje encontramos na publicidade, o quadro dentro do quadro ligou o morto e a viva para sempre.
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