Opinião
[239] BANIF
O BANIF tinha um símbolo sólido mas antiquado. No lançamento da nova imagem, usou dois símbolos ao mesmo tempo, mas como se fosse só um: na publicidade, um centauro selvagem; no logótipo do banco, um centauro específico, o sagitário, centauro humanizado.
O novo logótipo mostra o símbolo de sagitário. Trata-se da representação no zodíaco de uma constelação, assemelhando-a a um centauro com arco e flecha. Já na campanha de lançamento da nova imagem, aparece um centauro sem arco e flecha. O anúncio televisivo mostra um jovem musculado que quase rebenta de virilidade, de vontade. Ei-lo correndo como um louco: transforma-se num centauro, homem do tronco para cima e cavalo no corpo e patas.
O centauro vem da mitologia grega. É um ser monstruoso vivendo como selvagem na floresta, comendo carne crua, embriagando-se ao primeiro copo, propenso a raptar e violar mulheres. Simboliza a força brutal, insensata e cega, a besta ou o animal que há no homem. Alguns centauros, todavia, representam o lado oposto. Quíron, um centauro bom, combateu contra os centauros maus. Representa a razão contra o instinto. Mas é excepção que confirma a regra. Na arte, os centauros mostram geralmente o lado brutal, selvagem, carnal. Numa cena dos frisos do Parténon, um centauro selvagem será dominado por um lápita. Um chefe deste povo da Tessália convidou os centauros para a sua boda. Eles não aguentaram o vinho, houve um massacre e parte a parte, com a vitória dos homens.
E o sagitário? Com a flecha apontando ao alto, como este dum Livro de Horas italiano de 1475, é um o centauro simbolizando a transformação do homem animal em homem espiritual. Os sagitários apontam a flecha, representando o conhecimento, para as estrelas. Este centauro resume os bons e os maus, está a meio caminho, entre o animal e o homem, entre a matéria e o espírito. Encontramos aqui a relação mais provável com a simbologia escolhida para o BANIF: o sagitariano tem em si um Eu que procura os seus limites e aspira a ultrapassá-los, sob a pressão de uma espécie de instinto de força e grandeza.
O texto dos anúncios perspectiva essa capacidade de ultrapassar dificuldades, ao reproduzir supostas opiniões sobre o banco, desde a maior descrença há 20 anos até à crença na sua capacidade de crescimento. As palavras ‘força’ e ‘acreditar’ centram a campanha. O slogan é ‘a força de acreditar’. A pergunta do primeiro e misterioso anúncio com o novo logótipo era ‘acredita?’. E num anúncio do centauro a frase junta de novo a crença no banco à força: ‘Acreditamos no esforço.’
O centauro selvagem dos anúncios que acredita na transformação pretende representar o próprio BANIF, como mostram o logótipo e os ‘20 anos de comentários’ nos reclames de imprensa. O banco ‘acreditou’ e com o seu ‘esforço’ transformou-se de pequeno em médio. E pede ao observador que também ele acredite que a transformação foi possível. A própria campanha, pela sua dimensão, ajudará a inculcar a crença. Mas a confusão simbólica é um pouco perturbadora e poderá dificultar a missão da publicidade. O centauro animalesco e brutal presente nalguns anúncios está num estádio diferente do centauro bom a caminho das estrelas do logótipo e doutros anúncios.
A mitologia é maravilhosa, usá-la apela ao nosso subconsciente, ao fundo cultural que nos habita. Mas a confusão não ajuda. E é decepcionante neste caso que se chegasse à mitologia não por um processo ‘natural’, isto é, que habita nos criadores de anúncios ou outros produtos culturais, mas porque os criadores dos anúncios foram aos livros à procura dos mitos e símbolos que lhes convêm para certo cliente ou certa campanha. Este caminho inverso de chegar ao conhecimento é, ironicamente, o caminho oposto do que faz o sagitário meio selvagem apontando a flecha do saber em direcção ao céu e à luz das estrelas.