Opinião
[236.] Pingo Doce, Intermarché-Ecomarché, Continente, Feira Nova
O fim do ano foi benéfico para a publicidade das grandes cadeias de supermercados: Pingo Doce, Intermarché-Ecomarché, Continente e Feira Nova apresentaram novos anúncios televisivos originais e com qualidade. Nenhum deles mostra nem supermercados nem prod
O Feira Nova optou por uma sucessão de 36 fotos, algumas do género screen saver, outras tipo catálogo de férias zen, outras tiradas de livros (estreia dum filme de 1956). O texto em off vai dizendo o que foi possível fazer a mais em 2007, como ir mais ao restaurante, ao cinema, a concertos de música pop, clássica ou jazz, ou fazer férias de fins-de-semana, à conta das poupanças feitas com as compras a preços baixos no Feira Nova. Com este e com os outros anúncos vê-se que a velha estereotipada dona de casa vai a caminho do túmulo publicitário. Os novos consumidores são hedonistas mas racionais: não usam as poupanças do Feira Nova para gastar em mais comida ou detergentes no Feira Nova mas antes para se divertirem, cultivarem e fazerem férias.
O consumidor implícito no diaporama do Feira Nova contribui para criar um novo paradigma de ‘dona de casa’ e está igualmente implicado no anúncio televisivo do Pingo Doce. Também aqui a voz off é de um homem, o que só por si reconhece uma mudança sociológica da hora de fazer compras: os homens também as fazem, querem cozinhar, há muitos homens vivendo sós.
O divertido anúncio do Pingo Doce parece inspirar-se directamente no Manifesto Anti-Dantas, de Almada Negreiros (1916). Todo o reclame decorre num ecrã negro onde se recriaram as falhas no nitrato de prata típicas dos filmes de celulóide e as legendas brancas, como nos filmes mudos da mesma época do Manifesto. No ecrã vão surgindo frases bombásticas enquanto um homem lê um texto quase coincidente. A primeira frase remete directamente para a insolência do Manifesto Anti-Dantas: ‘Basta Pum, Basta!!!’ O homem da voz off lê com uma voz irritada, à beira da explosão, no que parece ser a segunda inspiração do reclame: o estilo é o do comediante Lewis Black, da equipa do Daily Show com Jon Stewart (SIC Radical). Ele diz que basta de cartões de descontos que atafulham a carteira e basta de ‘descontozinhos e favorzinhos’ em produtos e marcas que ‘não costumo comprar, não quero e não preciso!’ Este consumidor não quer ‘promoções, feirões, dias especiais’. Exige mais do seu supermercado: ‘O que eu quero é chegar, comprar o que me apetece, no dia e na hora que me apetece e saber que pago sempre o mesmo, o preço mais caro do mercado. Será assim tão complicado?’ Também este consumidor, como o do Feira Nova, quer os preços mais baratos para fazer o que lhe apetece, isto é, é um indivíduo autónomo, conhecedor e decidido.
Os homens também estão presentes no anúnco televisivo do grupo Intermarché-Ecomarché, mas numa versão mais popular. Dois jovens, um magro e um gordo, formam uma parelha que anda pela rua (no Algarve?) numa camioneta de caixa aberta exibindo um enorme carrinho de compras. Eles vão levando ao povo a saudosa música rock de Rui Veloso com letra adaptada a ‘preços fininhos’. Tal como os reclames anteriores, a promessa principal é a do produto barato: ‘Em 2008, encha o carrinho com preços fininhos’. A insistência no barato serve também para assinalar a crise económica instalada no país, que a publicidade, como lhe compete, refere sem referir, mencionando apenas e alegremente a forma de a vencer.
O Continente optou por uma campanha mais institucional: o líder apresenta-se sumptuoso numa produção de grande qualidade visual. Recriando o ambiente dos musicais de Hollywood, o reclame usa um estúdio de grandes dimensões para apresentar um bailado em cinco cenários diferentes. A inspiração nos filmes coreografados por Busby Berkeley foi feliz na cena da escadaria, na evocação dos espelhos, nas cenas da cortina negra com luzinhas ou da cortina vermelha e ainda na cena final filmada verticalmente, com os bailarinos formando o C da marca com guarda-chuvas abertos. A cena que mostra jovens casais dançando, cada uma na sua célula/casa e no chão, pareceu-me remeter visualmente para uma cena do melhor filme com Elvis Presley (Jailhouse Rock). Infelizmente, música, letra e interpreteção não estão à altura da qualidade visual do anúncio; mas a força das imagens é suficiente para sugerir a liderança, a confiança que a marca pretende instilar e o optimismo na entrada do novo ano.