Opinião
[230.] Rexona, Vichy
A publicidade por vezes deixa de lado os universos simbólicos e baseia-se em factos científicos ou em testes estatísticos. É o que ocorre numa publicidade da Rexona onde se revela um “estudo comprovado” da Nielsen com 162 mulheres. Dele resultou que 99% d
O que não fica bem é a frase que ocupou grande espaço na primeira de quatro páginas do anúncio da Rexona que embrulhava o gratuito Metro. Dizia: “1% das mulheres experimentou e não ficou satisfeita.” A frase está sofrível porque o produto não foi experimentado por 1% das mulheres. A informação correcta seria: “1% das mulheres que experimentou não ficou satisfeito.” ( “satisfeito” e não no feminino porque o sujeito se identifica como um por cento e não “uma por centena”...). A incorrecção pretendeu impactar publicitariamente a informação.
No interior da “edição especial” Rexona diz-se que o teste foi feito com “um universo de 162 mulheres”. Está errado. Não se trata de “um universo”, mas, ao contrário, de uma amostra, isto é um conjunto de pessoas a que se atribui alguma representatividade de um universo muito maior. O anúncio não diz, e deveria dizer, a que universo corresponde a amostra: às mulheres americanas? Chinesas? Às portuguesas com mais de 95 anos? E já agora, essa amostra foi representativa do universo? O anúncio diz que o teste foi realizado entre 21 e 27 de Junho. De que ano? 1973? 1996? 2005? Não sabemos.
A frase gigante no interior do desdobrável diz que 99% “adoraram Rexona.” Mas, em letras mais pequenas (como nos contratos), acrescenta que essas mulheres “experimentaram e ficaram satisfeitas.” Ora “ficar satisfeita” não é a mesma coisa que “adorar”. O texto é grosseiro. As páginas 2 e 4 do destacável publicitário são quase iguais. Apenas mudam de posição as fotos de 10 mulheres sorridentes. São todas jovens, apenas uma aparenta ter mais de 30 anos. Parecem americanas, europeias do Norte, mas não portuguesas. Serão? Ou será que, afinal, o teste foi feito na Dinamarca? E só com mulheres jovens como as que se apresentam no desdobrável, não uma mas duas vezes?
O slogan da Rexona aparece três vezes no destacável: “Nunca falha”. Mas esta publicidade falhou no rigor que o recurso a um teste estatístico prometia. Já na semana passada, me referi a um anúncio da Vichy com uma descuidada apresentação de um qualquer estudo do produto anti-rugas Reti-Fill. O texto diz que a sua “eficácia” foi “controlada por dermatologistas”, mas tal frase, tão afirmativa e definitiva, não responde a várias perguntas: o que é eficácia, como se mede? O que significa ser “controlada” por dermatologistas? E que dermatologistas e quantos? A Vichy, que é patrocinadora do Congresso Mundial de Dermatologia de 2007, como se refere no mesmo assunto, não explica.
O anúncio diz ainda: “Após 1 mês: pele alisada +50%” e “Após 2 meses: rugas profundas -30%”. Uma nota de pé de página parece explicar, embora não seja claro, o que é isso de rugas profundas, dizendo apenas: “sulcos nasogenianos. Teste clínico em 41 indivíduos.” Novas dúvidas resultam: o resultado refere-se só aos sulcos nasogenianos (rugas entre o nariz e o queixo)? E é o resultado ao fim de um ou dois meses? As percentagens referem-se à diminuição das rugas medidas nos indivíduos do teste ou referem-se ao número de indivíduos em que se notou a tal “eficácia”? E os 41 indivíduos (pressupõe-se que todos homens, mas tal não é indicado), foram testados quando? E onde, em que país(es)? O clima é semelhante? A pele dos homens testados é comparável à dos portugueses? Quando decorreu o teste? Foi nesse teste que houve um controle por dermatologistas? Que controle?
É lamentável que as sondagens publicadas nas notícias dos jornais tenham que trazer obrigatoriamente a ficha técnica e os “estudos comprovados” que a publicidade divulga possam delirar a partir de dados que não são comprovados para os leitores e em torno de uma linguagem descuidada.