Opinião
[178.] Yorn, Jumbo
Eis um novo conceito: "reality PUB". Em vez de ficções, os anúncios integram realidades vividas na realidade. Por exemplo, um anúncio da Yorn apresenta uma multidão um pouco idiota chegando a um centro comercial,...
Por exemplo, um anúncio da Yorn apresenta uma multidão um pouco idiota chegando a um centro comercial, ocupando o seu espaço central e fazendo ginástica-dança (tipo "flash mob", formada por desconhecidos através de SMS, e que em Portugal só resulta mesmo se for na publicidade!). As câmaras aproveitam para filmar transeuntes (se assim se pode chamar aos que passam num centro comercial como quem passa na rua) observando a cena entre o surpreendido e o divertido. Os observadores dentro do anúncio, tal como os espectadores do anúncio, fazem a "realidade" fora da narrativa inventada para os actores-ginastas.
O conceito da "reality PUB" é, porém, mais evidente nos anúncios dos hipermercados Jumbo com José Carlos Malato pois formam uma série de "reality shopping" destinada a durar longos meses. O recurso ao apresentador de TV é significativo. Não se trata de um actor, mas de um figura televisiva ligada a programas da "TV de realidade" na RTP1, como sejam "talk shows" e concursos. A publicidade, afinal, não se distingue muito desse tipo de televisão, pois é um produto cultural, com o seu lado de construção, montagem, selecção e organização de narrativas e entretenimento, ao serviço da realidade exterior a esse mesmo produto cultural: os produtos e marcas existem, compram-se, etc. Assim, a presença de Malato nos anúncios não contradiz a sua persona televisiva, antes a prolonga num campo contíguo.
Essa coexistência pacífica de géneros prossegue no tipo de anúncios escolhidos: Malato conversa com consumidores ou visita uma família, reproduzindo a relação que tem com entrevistados em "talk shows" ou concorrentes de concursos. Os anúncios têm uma estética de "reality" televisiva, com uma iluminação apressada e sem maquilhagens, como se fosse entrevistas de rua num "talk show" ou magazine. Tal como em muita publicidade, os intervenientes dizem frases sem relação com a marca anunciada. Por exemplo, a família de pai, mãe, filhos e porquinho da Índia apresenta-se para a câmara, como faria num "talk show" ou concurso familiar.
A campanha copia a ideologia da programação popular da TV: os programas são em boa parte feitos com ou até por protagonistas iguais aos espectadores, que contam experiências, anedotas e mostram habilidades de que são capazes. Na campanha do Jumbo sucede o mesmo, com Malato falando com o "povo" ou com pessoas do "povo" propriamente ditas fazendo pedidos de preços baixos num "precionário" que reproduz o "confessionário" do Big Brother, expoente da televisão "reality".
A ideologia desta "reality PUB" exprime-se no slogan da campanha: "E isto é verdade, não é só publicidade." Trata-se duma versão da frase que tenho repetido aqui: a publicidade não nem é totalmente verdadeira nem totalmente falsa. "Publicidade", neste slogan está em vez de falsidade, invenção, criatividade. E isso é assim precisamente pela razão já indicada: um anúncio é uma produção do mundo cultural construída sobre realidades do mundo material. São dois mundos diferente que aqui se encontram em unidades de 30 segundos. A frase pressupõe que se "isto" fosse só publicidade não era verdade. Mas, sendo "reality PUB", é mais do que publicidade, também é verdade. Este "também" (ou o "só" do slogan) torna-se fundamental porque junta as duas dimensões – falso/verdadeiro, cultural/material – numa terceira dimensão.
Ora, essa terceira dimensão é a própria publicidade, nem verdadeira nem falsa, mas outra coisa: cultura comercial, ideias em volta de produtos e serviços materiais. E, sendo assim, este anúncio, como todos os outros, não é nem verdadeiro nem falso, nem é só criatividade nem é só verdade: é apenas publicidade!