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[171.] Roberto Cavalli, BMW, Alfa

Algum guru da publicidade anunciou há uns meses que voltava à superfície o homem-macho, depois do andrógino e do metrossexual. Esta "autoridade" que o indivíduo se atribuiu para dar início a uma "tendência" social assemelha-se à dos políticos que "mandam

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Na sociedade do espectáculo e do consumo, já achamos "natural" que um publicitário se arrogue a autoridade de decidir caminhos de milhões de pessoas no mundo inteiro. Não posso dizer até onde vai a arrogância, pois ela tanto poderá resultar da intenção de criar essa tendência psico-social como poderá ter resultado de estudos de opinião e grupos de foco amplos em diversos países. Mesmo assim, fica como um sinal dos tempos que um responsável de uma empresa comercial nos assegure como se vão comportar os homens no futuro próximo. Haverá sinais do homem-macho na publicidade?

Roberto Cavalli anuncia a água de cheiro Black com a frase de apelo "man in black". O anúncio mostra uma serpente enrolada (feminina) em volta do frasco, mas o próprio frasco tem gravada uma serpente erecta (masculina): eis a simbologia milenar da serpente, que "é fêmea e macho, gémea em si mesma", o que convém para vender perfumes a homens e mulheres... Mas este anúncio valoriza o lado masculino.

A serpente associa-se ao reclame e ao produto por outros caminhos. Por exemplo, a cor púrpura do anúncio e do frasco remete para um tempo em que, na Grécia antiga, a mesma palavra era usada por Homero para essa cor e para serpente. Além disso, a serpente é o grande deus das trevas, seja porque se relaciona com a parte do entendimento do homem que ele menos controla seja na sua afinidade simbólica com a sombra: está muito difundido o medo de as mulheres serem engravidadas pela sombra (pela serpente), ou de serem fecundadas durante o sono (a noite) através da boca por uma serpente. Não admira que este anúncio fale de "black" e de "man in black" e que mostre na sombra escura do anúncio um macho de barba a despontar e de camisa negra tingida de púrpura.

Sexo e hedonismo não estão longe desta simbologia completíssima: Dioniso, o deus da liberdade total, da festa e do êxtase nasceu de Perséfone e de Zeus, que para a fecundar se transformou em serpente. Não admira que a serpente-sombra, ou a "serpente-black" nesta versão comercial, já tenha servido para explicar o mito de Don Juan: a sombra é o símbolo da força procriadora do homem. Portanto: o lado mais masculino do homem está nas trevas, mas precisa de companhia, daí as duas serpentes. O mesmo diz o belo anúncio de BMW Financial Services, mostrando o mundo exterior através das grelhas dum carro da marca: dentro, é sombra, é "black", é o homem pronto a explodir em masculinidade. Parece estranho que o anúncio ponha o homem-macho a defender-se da agressividade financeira do mundo lá fora, pois a interpretação que resulta da imagem não parece ser essa. O reclame começa por dizer ao homem indefeso "aqui dentro tem protecção extra" mas no final devolve-lhe a masculinidade do condutor de olhos ferozes como as grelhas do carro na imagem: "Concentre-se no que realmente importa – a estrada à sua frente e o puro prazer de conduzir."

Esta mesma dualidade formada por protecção (feminina) e força (masculina) repete-se num anúncio mostrando um Alfa GT num ginásio de boxe. "Está pronto para enfrentar o dia?", pergunta. Sim está pronto porque é macho como um boxeur, mas ao mesmo tempo precisa que o carro o proteja quando enfrenta o dia, isto é, o mundo exterior. Os homens pressupostos por estes anúncios têm virilidade, mas precisam de protecção da mãe serpente, financeira, ou automóvel. Se calhar ainda estamos na passagem do metrossexual para o homem-macho. A publicidade lá saberá...

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