Opinião
[170.] TV Cabo
O anúncio televisivo da actual campanha da TV Cabo é muito conseguido: a concretização visual corresponde exactamente à mensagem que se pretende mostrar.
O que mostra o anúncio? Uma rapariga duma família está a ver o "seu" canal na sala, chegam duas crianças, certamente irmãos, chateando-a com as suas infantilidades. A rapariga pega no LCD e sobe as escadas para o quarto – mas por trás do LCD da sala estava outro... Chega o irmão mais velho, manda os miúdos embora e muda dos desenhos animados para o Sport TV. Vem o pai... depois a mãe... No final, um plano geral de toda a casa mostra os membros da família vendo o que querem em seis cantos do lar.
O desdobrável da TV Cabo em papel distribuído com a imprensa consegue mostrar a mesma narrativa. O leitor abre os batente duma porta de casa e lá dentro vê cinco rectângulos mostrando uma sala e quatro quartos onde todos os familiares vêem televisão em ecrãs de LCD de grande dimensão: duas meninas vêem desenhos animados, uma rapariga dança em cima da cama com um canal de música, o rapaz vê um jogo da bola, a mãe na sala vê o Zorro e o maroto está no quarto, especado, olhando para uma mulher no ecrã quase nua, com uma mão no telecomando e outra mão no bolso das calças... "Todos os canais espalhados pela casa", diz o desdobrável.
Qual a mensagem? A variedade da programação do operador permite satisfazer vários tipos de públicos: infantil, juvenil, adulto, feminino, masculino, etc.
Todavia, a mensagem e a sua representação em imagens não seriam adequadas se não tivessem em conta a realidade das casas portuguesas: a grande maioria já tem dois televisores ou mais. A percentagem de lares com mais de um televisor é impressionante, o que revela como a televisão se tornou parte da nossa paisagem íntima. A crescente afirmação do indivíduo passa pela possibilidade de concretizar escolhas, e escolher é a alegria de quem consome e faz consumir. Toda a gente quer ver o seu ou os seus canais ou DVD quando quer e não quando os outros lá de casa deixam. Ter a possibilidade de escolha através da oferta múltipla do cabo significa a afirmação da individualidade.
O anúncio mostra bem essa afirmação na manifestação de vontade de cada membro da família: o que chega quer ver outra coisa, o que já estava pega no seu LCD, isto é, pega no seu canal, na escolha do momento e vai para outro espaço da casa.
A possibilidade de exercer esta vontade, esta afirmação, não significa um enfraquecimento da família, pelo contrário, seria difícil imaginar as famílias do tempo actual todas juntas no sofá a verem o mesmo programa, como vemos nas fotografias dos anos ‘50 e ‘60: se só houvesse um televisor e dois ou três canais, os "outros" membros da família, isto é, os que não tivessem o controle da escolha, sairiam de casa em vez de exercerem a sua escolha no quarto.
Sairiam de casa, quer dizer, afastar-se-iam do centro familiar. Com a escolha múltipla, a família não chega a zangar-se, mantém os laços – cada um no seu quarto dentro do espaço familiar. A TV por cabo salva as famílias... é por isso que, no anúncio, quando parte com o seu LCD debaixo do braço, cada um dos membros da família ultrapassa a zanga momentânea. E é por isso que o plano final da narrativa, mostrando a casa toda, mostra como a unidade se faz pela diversidade das vontades, criando uma liberdade relativa de cada um dos seus membros.
Conclusão: a evolução multicanal da televisão e das tecnologias adjacentes corresponde à crescente vontade de individualização e ao mesmo tempo reforça-a. Este anúncio é, assim, não só eficaz na transposição visual da mensagem como no conteúdo social subjacente: um bom exercício prático de sociologia dos media!