Opinião
[165.] Super Bock
A publicidade exterior da Super Bock é a mais divertida que se faz em Portugal. É imaginativa e persistente: desde há uma dúzia de anos que os outdoors da cervejeira jogam com palavras e imagens associadas à garrafa e à bebida,
É imaginativa e persistente: desde há uma dúzia de anos que os outdoors da cervejeira jogam com palavras e imagens associadas à garrafa e à bebida, jogando também com as estações do ano, certos eventos ou ainda com as cidades do Porto e de Lisboa (por exemplo, a sílaba Lis seguida da imagem da garrafa da marca; Lx como abreviatura de Lisboa e de «extra large»). Outros anunciantes têm tentado seguir o caminho, mas com menos graça; as suas campanhas perderam-se na memória e morreram em breve. A Sagres procurou imitar a concorrente, mas cansou-se depressa.
Este Verão, a Super Bock apresentou quatro outdoors de sugestão abertamente erótica. Num deles, dois copos de cerveja com espuma vistos na vertical sugeriam um soutien; a legenda explorava o fantástico nome da marca Wonderbra: «Wonderbeer». Noutro, um pingo de cerveja caía sugestivamente por um copo de copa redonda sugerindo um mamilo numa mama. Num terceiro, dois copos de copa mais larga que o pé, sugeriam, pela sua disposição estratégica lado a lado, as pernas e um traseiro. Estes dois anúncios eram explicados pela ideia brilhante expressa na expressão «Miss Playbock».
Esta campanha motivou alguma oposição pública feminina, num artigo no Público e em blogues. Foi vista como publicidade machista: de facto, quando simbolizada por garrafas e copos a mulher, mais do que comparada, é transformada em objectos. O protesto é aceitável, mas não suficientemente válido para exageros. É aceitável porque as pessoas que escreveram sobre isso estavam de facto chocadas ou no mínimo irritadas com os anúncios. Mas não merece demasiada atenção porque não toma em conta que parte do público feminino dos anúncios pode rever-se e até identificar-se com eles, gostando do humor ou mesmo da valorização do aspecto físico do sexo feminino; que actualmente uma parte significativa da publicidade também representa o homem como objecto e outra parte ainda representa-o não como machista mas como um ser andrógino, ou efeminado ou homossexual; e que o humor dos reclames serve de antídoto para os significados ideológicos.
O quarto outdoor desta série «Sabor a Verão» mostra uma garrafa da cerveja sem rótulo, com a marca da cola dando-lhe um tom mais claro em relação ao «bronze» do resto da garrafa. A palavra explicativa é «Topless». Este anúncio também foi criticado pelo seu inerente «machismo». Essa análise só pode resultar da palavra topless, usada quase em exclusivo para as mulheres, e também por este anúncio fazer parte duma série que faz comparações visuais com o corpo feminino. Todavia, ao contrário dos outros reclames, este não transforma a garrafa e copos em formas femininas. Pelo contrário, a forma da garrafa sugere bastante mais o órgão sexualdo homem: a «masculinidade» da garrafa obrigou os criativos a usar copos para os três anúncios «femininos» desta série de 2006. Isso já sucedia já num anúncio desta marca de 2005, em que uma nova garrafa de meio litro de cerveja, colocada em posição de pénis, era explicada com a frase «Se tens uma XL apita.» Era o homem transformado em objecto!
O «machismo» deste quarto anúncio está apenas na cabeça daqueles ou daquelas que o mencionam. De facto, o topless, feito de livre vontade por mulheres, dificilmente se pode associar a um erotismo «machista». A graça do anúncio está na comparação dos dois tons de pele com os dois tons da superfície da garrafa e não na associação ao corpo masculino ou feminino; mas é uma graça forçada. De qualquer forma, este caso é interessante precisamente quanto ao poder de imaginação não só dos publicitários como de todos os que vêem os outdoors, sejam machistas, feministas ou nem tanto: a nossa cabeça é um armazém de símbolos que activamos à medida das nossas necessidades e das sugestões exteriores da arte e da sociedade. Conseguimos olhar para um copo e ver uma mama, conseguimos olhar para dois copos e ver um rabo -- mas já se torna mais difícil olhar para uma garrafa-símbolo-fálico sem rótulo e ver uma mulher de peito à mostra! A não ser que o criativo publicitário e a feminista mais escandalizada sejam como o menino Joãozinho...