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[104] Coca-Cola, McDonald’s, Frize

Pode fazer-se um anúncio de televisão em que emocionamos o espectador com o tema da angústia do desemprego e do amor filial? Eis o anúncio: numa casa da classe média, um filho ouve, sem que os pais vejam, uma conversa entre eles; a mãe foi a uma entrevist

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No momento seguinte, o filho, em grande plano, diz para a câmara todas as qualidades da mãe. No próximo plano, entendemos que ele falava para um responsável do emprego ao qual a mãe se candidatou. O filho foi convincente. O empresário diz-lhe que a mãe dele merece o emprego. Mas o rapaz é corajoso e, já de saída, interroga o empresário: talvez ele não mereça que a mãe vá para a empresa dele. Este é um anúncio da Coca-Cola, uma bebida leve e seguramente dispensável no menu alimentar – e é aqui que a porca torce o rabo. O que é que uma coisa tem a ver com a outra? Esta é uma boa mãe porque apesar de desempregada compra Coca-Cola para o filho? Até onde se pode levar a exploração de temas da sociedade para promover produtos? Este anúncio é revoltante. Acho intolerável explorar-se desta forma o tema do desemprego, porventura a mais terrível das situações em que o indivíduo se pode encontrar na sociedade capitalista de consumo.

O anúncio da Coca-Cola é ainda superlativamente irritante por ser dobrado em português a partir, julgo, do castelhano. Não se trata de um anúncio de cosméticos ou de detergentes, em que se dobram frases supérfluas e alegres de mulheres bonitas, donas de casa ou trabalhadoras. Aqui trata- se de dobrar um discurso de empenhada retórica emocional e social de alguém que nos olha nos olhos. Um anúncio para esquecer. Em recuperação está outra multinacional norte-americana, a McDonald’s. Depois da campanha intermédia «I’m lovin’ it», a cadeia mundial de comida rápida lançou agora um divertido anúncio televisivo ao seu novo produto que diz inspirado na cozinha mediterrânea. O humor é proporcionado pela contínua contradição entre o discurso lido pelo protagonista e as imagens que se vão vendo: ele fala de situações urbanas desagradáveis (nas cidades onde se come McDonald’s), como os engarrafamentos e a dificuldade de arrumar o carro, e as imagens mostram um «engarrafamento» de um ou dois automóveis numa pequena aldeia mediterrânea provocado por um beijo na rua, ou mostram a dificuldade em arrumar um «iatezinho» num pequeno porto mediterrâneo.

Uma campanha televisiva que poderia falhar e acertou em cheio foi a da água Frize. A insistência na presença do cómico Pedro Tochas garante a função da redundância própria da comunicação publicitária. A necessária novidade surge na mudança de cenários e de vestuário do cómico, na apresentação de «slogans» alegadamente feitos por consumidores e ainda no divertido anúncio da prova cega. Utilizando a redundância de outras campanhas - geralmente de detergentes, como uma do Xau que está no ar - este mostra pessoas na rua a compararem Frize Maracujá com outras duas «bebidas», uma que é uma zurrapa, outra que é uma mixórdia.

Os consumidores, escolhem: o Frize ganha! Eis aqui o contrário da petulância do anúncio da Coca-Cola. O Frize brinca consigomesmo, dá-se pouca importância, apresenta-se como quem não quer a coisa num mercado de concorrentes com pedigree secular, como as águas do Luso, das Pedras ou Castelo. Apela ao humor dos espectadores, mas um humor despreocupado, do género está bem, sei que não estou na primeira liga, se não me consumirem agora, não faz mal, mas um dia hão-de lembrar-se de mim. E, através desta campanha «cavalo de Tróia» marcadamente «jovem», a Frize conquistou o segundo lugar de vendas no seu mercado. A comunicação publicitária da marca Frize revela o valor da perseverança e do crescente lugar do humor inteligente na publicidade nacional.

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