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08 de Maio de 2017 às 20:09

Ainda o "caso" Dias Loureiro e uma pitada de teatro isabelino

A respeito do despacho de arquivamento num processo envolvendo Dias Loureiro, e no qual o Ministério Público disse que havia sérias suspeitas, mas, ainda assim, não existia prova suficiente para acusar, levantou-se na pátria, no último abril, um coro de protestos.

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Devo dizer que esse coro me surpreendeu, principalmente por três razões. Primeira: não é costume haver canto coral contra o "mata", o costume é alguém gritar "mata" e logo aparecer um coro a gritar "esfola" (e até há quem grite "esfola mesmo antes de matar", especialmente se a cor do colarinho for clara e/ou se parecer bem gritar "esfola, esfola"). Mas há momentos surpreendentes da vida coletiva e ainda há coisas que me causam espanto. Segunda razão: não vi em ocasiões passadas, similares ou piores (ou melhores, depende do ponto de vista), o mesmo coro a carpir desgostos pátrios com este tipo de coisas e com este género de decisões, que dão com uma mão o que tiram com a outra. Mas deve ter sido distração minha ou é falta de memória, ou então foi do coro, que estaria, porventura, ocupado com outras peças musicais. A música, aliás, é uma arte cheia de "nuances". Terceira razão, e talvez a principal: também não é "caso" para rasgarmos as vestes. Vejamos melhor, inaugurando um novo parágrafo.

 

É verdade que pode ser grave arquivar por falta de provas e, ao mesmo tempo, dizer com todas as letras que há suspeitas sérias, sobretudo se elas provierem da convicção, e não de outra coisa menos plástica e gelatinosa. Pode ser grave e até talvez devesse ter consequências (digo talvez porque, tal como a esmagadora maioria dos opinantes sobre o "caso", eu não esmiucei o processo), mas suspeito que não tenha, porque estas coisas não costumam ter muitas consequências, além de algumas lágrimas, grande parte de crocodilo. Mas também não é o fim do mundo, nem do Estado de Direito no qual acreditamos viver. Até pode ser visto benignamente, como o bom funcionamento do princípio "in dubio pro reo", ou pode ser defendido como "assim mesmo é que é, há que apontar o dedo a esta corja, e ainda é pouco" - como, aliás, foi defendido pelos do costume, tendo à cabeça os que se julgam montados num pónei branco de luz celeste e/ou os que costumam viver em intimidade com atores do judiciário e mamar da teta do privilégio de ter certas informações em primeiríssima mão. Ouça-se o coro surpreendente, vá lá, mas não é também preciso rasgar roupa ou protestar em estridências. Continuemos a explicar, noutro parágrafo.

 

"Casos" para tais rasgos ou estridências, isso sim, seriam outros hipotéticos e que consigo - embora a custo - imaginar. O fim do mundo, e daquele amantíssimo Estado de Direito, seriam outras coisas, bem mais graves, mas que felizmente não acontecem entre nós. Regozijemo-nos, pois, vendo o copo meio cheio, pois tais coisas de maior gravidade não ocorrem. Por exemplo: não haver provas para acusar, mas apenas a convicção de suspeitas sérias, mas ainda assim avançar-se para uma acusação. Isso sim, seria muito mau, mas felizmente não acontece por cá. Ou, outro exemplo: avançar, sempre para diante, sob um coro afinado de "mata e esfola", até uma condenação assente apenas em convicções plásticas e gelatinosas. Isso então seria o fim dos tempos. Mas não acontece por cá. Acalmemo-nos, pois. Trata-se, como na peça de Shakespeare, de muito barulho por nada. Tudo está bem quando acaba bem, como acabou para Hero, Beatriz, Cláudio e Benedito, na acolhedora Messina.

 

Advogado

 

Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico
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