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Rui Patrício - Advogado 07 de Abril de 2021 às 10:20

Diversidade, e um brinco no nariz (I)

o que conta é a aptidão de alguém para certo lugar ou papel, sendo indiferente o seu género, a sua religião, a sua orientação sexual, a cor da sua pele, a sua origem social ou familiar, a sua filiação política, clubística ou outra (ou a ausência dela) – entre muitos outros exemplos possíveis.

(Nota prévia: o brinco no nariz só na segunda parte deste texto, daqui a um mês, porventura. Essa parte da narrativa será, em qualquer caso, inspirada em factos reais.) Diversidade é um assunto importante. Costuma aparecer associada a inclusão, mas são coisas diferentes, e colocá-las no mesmo patamar ou em ligação íntima, com um afetuoso & pelo meio, pode ser redutor e perigoso. Cada uma tem muito que se lhe diga, tem virtudes, desafios, problemas e defeitos próprios; cada uma dá pano para mangas, começando logo pelo significado, pois o uso desses dois significantes (separados ou unidos pelo umbilical &) está tão banalizado que muitas vezes parece caber neles este mundo e o outro. Fiquemos por ora pela diversidade. É um assunto importante, em si mesmo, sem dúvida, e também porque está de forma crescente “na agenda”. A tal ponto, aliás, que tem uma certa dimensão de moda, e, também por isso, anda de par com algum exagero, com adesões entusiasmadas às vezes sem a devida ponderação quanto a todas as implicações e, até, com um certo efeito de “crachá na lapela” (que é muito próprio do que parece bem e/ou “mainstream”). Julgo que é preciso ter algum cuidado, e ir por partes. Aqui ficam algumas notas/opiniões, necessariamente sintéticas e, por isso, porventura demasiado simples e curtas para algo que é complexo e merece atenção e discussão.

Diversidade significa, em primeiro lugar (e principalmente, a meu ver), não prejudicar, não travar e não obstaculizar que pessoas com estes ou aqueles traços, características ou aspetos de vida estejam num determinado lugar ou papel numa organização, estrutura ou realidade (institucional, empresarial, et cetera). E digo propositadamente aspetos, e não “modos de vida”, porque aspetos de vida são, apenas e só, partes da vida de cada um, enquanto “modo de vida” tende para a rotulagem e até para um certo “essencialismo”. Ora, daquele ponto de vista, a diversidade é uma coisa fundamental, sendo sinónimo, afinal, de não discriminação. Ou seja, o que conta é a aptidão de alguém para certo lugar ou papel, sendo indiferente o seu género, a sua religião, a sua orientação sexual, a cor da sua pele, a sua origem social ou familiar, a sua filiação política, clubística ou outra (ou a ausência dela) – entre muitos outros exemplos possíveis. A máxima indiferença conduz à máxima possibilidade de igualdade, seja de oportunidades, seja de tratamento. Por outro lado, diversidade também significa que, sendo todas as pessoas diferentes entre si (embora iguais em direitos e deveres), o não apego a este ou aquele aspeto não diretamente relevante para o objetivo da escolha ou do recrutamento, favorece que haja “perfis” diferentes, diversos pontos de vista, múltiplas formas de estar, ver, atuar, et cetera. E tudo isso multiplica e enriquece. Até aqui tudo muito bem, e nestes pontos não tenho grandes dúvidas, antes até pelo contrário.

E também não tenho dúvida acerca da necessidade de debatermos estes temas, de educarmos para estes temas, de os aprofundarmos e problematizarmos. E, também muito, de olharmos para questões que se prendem diretamente com eles, embora possa não parecer, como seja o “unconscious or implicit bias”, pois sem desatar esse nó tudo o mais fica pelo meio ou menos, já que os processos de cognição e de decisão têm tanto de consciente e explícito quanto de inconsciente e implícito, pelo que neste campo o trabalho também é muito importante, e normalmente mais difícil. Até aqui também tudo bem. Onde começam as minhas dúvidas (várias, sérias, complexas), e onde amiúde tendo a torcer o nariz, é quando passamos do travão para o acelerador. Ou seja, quando passamos da criação de um ambiente sem restrições e sem negações, a vários níveis, para um ambiente de promoção ativa da diversidade, de afirmação e “construção”, através da imposição ou pelo menos da relevância de a escolha ser orientada por este ou aquele aspeto ou característica. (Disso me ocuparei na segunda parte deste texto, e lá iremos, também, ao brinco no nariz.)

 

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