Opinião
Reeleição de Macron evita "um tsunami político"
As notas de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre as eleições francesas, o discurso de Zelinsky na Assembleia da República e a ausência do PCP, bem como do "caso Leão/ISCTE" e da corrida à liderança do PSD, entre outros temas.
ELEIÇÕES FRANCESAS
1. Para a França a vitória de Macron é boa. É a vitória da moderação sobre o populismo. Para o próprio, uma excelente notícia. Uma reeleição não é fácil. Os dois últimos Presidentes, Sarkozy e Hollande, não conseguiram a reeleição. No plano externo, é um alívio para a Europa. Evitou-se um tsunami político.
· Se Marine Le Pen vencesse, seria uma calamidade: era a vitória de Putin; era a derrota da NATO; era o fim da UE tal como a conhecemos hoje.
· O pânico na Europa era grande. A prova maior está no artigo que António Costa, Pedro Sanchez e Olaf Scholz publicaram esta semana a apelarem ao voto em Macron. A esta hora, as capitais europeias devem estar a festejar com champanhe francês!
2. A vitória de Macron é maior do que muitos vaticinavam. Há duas razões que a explicam:
· A primeira é que o sistema eleitoral de 2ª volta é fatal para a extrema-direita. Os eleitores, na 25ª hora, fazem um cordão sanitário contra a extrema-direita.
· A segunda razão é que, na hora da verdade, a esquerda votou Macron. A esquerda não gosta de Macron mas não é estúpida. Tem a noção das prioridades.
3. Quanto ao futuro, Macron tem três desafios pela frente:
· Na Europa, sai fortemente reforçado. Já não havendo Merkel, Macron é a grande figura de referência na liderança da UE.
· Em França, tem agora um novo desafio político: as eleições legislativas de junho. Precisa de aproveitar a embalagem desta vitória para voltar a vencer. É a questão da governabilidade.
· E o desafio da coesão social. Macron ganhou, mas a França está profundamente dividida. Se Macron não for diferente no futuro corre o risco de agravar a ideia de dois Países, de costas um para o outro.
ZELENSKY NO PARLAMENTO
1. O essencial foi a intervenção do Presidente Zelensky. Como era de esperar, não teve novidade. Mas Zelensky mereceu bem a prolongada ovação que teve.
· Este homem é um herói. Um herói inesperado e improvável. Mas um verdadeiro herói. Ele exibe coragem, emoção e liderança. Com esta mais-valia: este homem não está só a defender a Ucrânia. Está também a defender a Europa. Se a Ucrânia perder a guerra, é também a Europa que perde.
· Este homem está a defender os valores ocidentais e os valores do 25 de Abril. Amanhã vamos celebrar em segurança os valores da liberdade, da democracia, da paz, dos direitos humanos, da autodeterminação dos povos. Zelensky está a defendê-los com sangue e lágrimas na Ucrânia.
2. O destaque pela negativa é a ausência do PCP. É mais um tiro no pé. O que o PCP está a fazer é o seu suicídio na praça pública. O maior capital político que o PCP tem é a autoridade moral e política que resulta do combate que fez pela liberdade antes do 25 de Abril. O PCP está a dar cabo deste capital. É que, se antes combateu a ditadura de Salazar, agora dá cobertura à ditadura de Putin. Muitos dos seus eleitores não percebem esta contradição, este fanatismo e esta insensibilidade. Desta forma, o PCP perde autoridade e perde votos.
GUTERRES COM PUTIN
1. A guerra começou há precisamente dois meses. O balanço é desastroso: uma catástrofe para a Ucrânia e um pesadelo para Putin. A Ucrânia está destruída e desolada. Putin está a perder em toda a linha. Politicamente está mais isolado do que nunca. Militarmente não tomou Kiev nem nenhuma cidade principal. E ainda ajudou a reforçar os seus inimigos: a NATO, a UE e os EUA.
2. As próximas duas semanas são capitais. Vejamos os destaques principais:
· 1º grande destaque: Guterres vai reunir-se com Putin na 3ª feira. É uma iniciativa positiva, mas tardia. Fica a sensação de que é uma resposta a várias críticas que surgiram por causa da inação da ONU. Mas mais vale tarde do que nunca. E oxalá tenha sucesso. A busca da paz vale todos os esforços.
· 2º destaque: o plano militar russo. Pela primeira vez, um alto responsável militar falou do Plano Russo: conquistar o leste (Donbass) e todo o Sul da Ucrânia (até á Transnístria). O objetivo é claro: deixar a Ucrânia sem saída para o mar (fatal para a sua economia e para o escoamento das suas exportações). Mas tem um problema novo: é mais um país a ser invadido. Perante isto, os países da NATO respondem com mais armamento pesado (sobretudo o RU e a França). No entretanto, há fortes divisões na Alemanha: entre governo e oposição. E dentro da própria coligação.
· 3º destaque: Putin quer vitória a 9 de Maio. É o grande feriado russo, evocativo da capitulação nazi. Putin precisa de exibir uma vitória. Mariupol? Donbass? Crimeia? A Rússia não tem até agora qualquer vitória. E tem dificuldades internas. A Governadora do Banco Central Russo confirmou no Parlamento: recessão de 9%; inflação de 22%. As sanções produzem mesmo efeitos.
DUAS POLÉMICAS: MÁSCARA E ISCTE
1. Fim da obrigatoriedade da máscara nas escolas. Pais e professores aplaudiram. Alguns especialistas exprimem receios. Eu diria: é uma boa decisão. Só peca por tardia. Esta decisão já podia e devia ter sido tomada há várias semanas. Por um lado, o risco dentro das escolas é baixo: estamos a falar de jovens vacinados; professores vacinados; pais vacinados. Por outro lado, o uso sistemático da máscara não é bom em termos de aprendizagens. Finalmente, vários países na UE já tinham tomado a mesma decisão.
2. Polémica desnecessária em torno do ISCTE. O ex-Ministro do Ensino Superior lançou uma "bomba" sobre a cabeça do ex-Ministro das Finanças. Segundo o jornal Público, o Manuel Heitor apresentou ao MF vários projetos para serem financiados. Mas só o do ISCTE foi aprovado. Ficaram de fora projetos dos Politécnicos de Santarém, Castelo Branco e Tomar. Isto é uma "bomba" porquê?
a) Porque João Leão é professor do ISCTE. Para evitar conflito de interesses, nem ele nem qualquer dos seus SE deviam intervir nesta matéria. Deviam ter pedido escusa e remeter o assunto para o PM.
b) Porque, depois de sair do Governo, Leão passou de Professor do ISCTE a Vice-Reitor da instituição. Só reforça a suspeita de favorecimento.
c) Porque sendo tudo legal, tudo é pouco ético e pouco transparente. Não dará origem a uma investigação judicial ou a um inquérito parlamentar. Mas deixa uma nódoa na imagem do Governo.
FUTURO DO PSD
1. Jorge Moreira da Silva apresentou a sua candidatura à liderança do PSD. Há que dizer: primeiro, é um excelente quadro político; segundo, tomou uma decisão corajosa e que merece elogio – abandonar o cargo que tem na UCDE para se candidatar a líder do PSD; terceiro, fez uma boa declaração de candidatura, com qualidade, bem fundamentada e bem estruturada.
2. Agora que os candidatos estão apresentados, é bom que todos percebam o essencial: o PSD deixou de ser um partido atrativo. Não é atrativo junto dos jovens (que fogem para a IL); nem junto dos idosos (que votam sobretudo PS). Para voltar a ser um partido atrativo é preciso satisfazer algumas condições:
· É preciso que o PSD seja claro e assertivo na estratégia: quer a liderar o espaço não socialista, quer a cortar com o Chega.
· É preciso ter causas e ideias diferentes do PS (sem isso o PSD não volta a ganhar eleições);
· É preciso captar novos quadros, nas empresas, nas universidades, na cultura (há anos que o PSD está desertificado);
· É preciso que o PSD saiba voltar a ser o partido da ambição reformista e do elevador social. O partido que gera esperança em todos os que querem subir na vida.
O 25 DE ABRIL
1. Amanhã celebra-se o 25 de Abril. Apesar das falhas, eu faço um balanço muito positivo de 48 anos de democracia: no plano político, no plano económico, no plano europeu e, sobretudo, no plano social. Basta pensar na importância do SNS e da escola pública para a diminuição das desigualdades sociais.
2. Mas há, pelo menos, um aspeto em que o 25 de Abril está por realizar: é no campo da desigualdade entre homens e mulheres. Esta desigualdade continua a ser chocante, beneficiando os homens e prejudicando as mulheres. Vejamos dois exemplos concretos e terrivelmente injustos:
· Desigualdades nas pensões de reforma: em média, as mulheres recebem menos 280 euros que os homens nas pensões de reforma. É a pesada herança do passado que ainda não conseguimos erradicar.
· Desigualdades salariais: em todos os escalões etários, as mulheres ganham menos que os homens. Mas, a partir dos 50 anos, esta desigualdade é ainda mais flagrante.
3. Falando de discriminação contra as mulheres, aqui fica uma critica ao PS e PSD. Os dois partidos escolherem os seus cinco representantes no Conselho de Estado. Nenhum dos cinco é uma mulher. Isto é inaceitável. O PR, em cinco Conselheiros de Estado que designou, tem duas mulheres. A AR, ao contrário, nunca indicou uma mulher para o Conselho de Estado. Não é por falta de mulheres de qualidade. É por falta de vontade política. Um mau exemplo.