Opinião
Marques Mendes: "O PCP acaba a dar uma grande ajuda à reeleição de Carlos Moedas"
A decisão do PCP de não se coligar com o PS nas eleições autárquicas em Lisboa, os avisos do Banco de Portugal sobre o regresso dos défices já no próximo ano e o acordo entre a UE e o Mercosul são alguns dos temas abordados por Luís Marques Mendes no habitual espaço de comentário na SIC.
SEGURANÇA, SAÚDE, IDE E JUROS
- É uma semana com algumas boas notícias para o país:
- Segurança: foi capturado mais um dos fugitivos de Vale dos Judeus. O terceiro. A Polícia Judiciária merece um elogio. Graças à sua ação e à ação da cooperação internacional, o objetivo foi alcançado.
- Saúde: há poucas semanas critiquei o Ministério da Saúde no caso do INEM. Hoje só o posso elogiar: finalmente houve acordo entre o Ministério e os técnicos do INEM para resolver os problemas remuneratórios que se arrastavam há anos.
- Investimento estrangeiro: a Lufthansa anunciou que vai fazer em Santa Maria da Feira um grande investimento: a construção de uma fábrica de peças para recuperação de aviões. Ficará pronta em 2027 e criará 700 postos de trabalho. Uma excelente notícia. E um sinal de que a Lufthansa está mesmo interessada na privatização da TAP.
- A somar a estas notícias cá dentro, há uma outra boa notícia lá fora: o BCE voltou a baixar as taxas de juro. Em setembro de 2023, os juros estavam em 4%. Um ano depois, baixaram para 3%. É uma redução de 1 pp em praticamente 12 meses. Uma boa notícia, em dose dupla:
- Primeiro, é bom para as famílias que têm crédito à habitação. O custo do empréstimo baixa.
- Segundo, é bom para as empresas. Como o crescimento económico da Zona Euro está anémico, a redução dos juros pode ajudar à reanimação da atividade económica.
ACORDO UE/MERCOSUL
- Há 25 anos que a UE e o Mercosul negoceiam um acordo de comércio livre. Durante um quarto de século houve de tudo: avanços, recuos, vetos, expectativas e frustrações. Esta semana, o acordo foi anunciado. Mas ainda falta ser ratificado por várias entidades.
- Se o acordo avançar mesmo, é uma grande oportunidade. Para a UE e para Portugal:
- Para a UE. Trata-se de a UE poder exportar muito mais do que hoje faz para uma Comunidade de 4 países: Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Uma comunidade de 270 milhões de pessoas; a 6ª maior economia fora da UE; para onde já exportam mais de 30 mil PME europeias. A possibilidade de serem gradualmente abolidas taxas alfandegárias no Mercosul faz potenciar as exportações da UE para a região e, desse modo, compensar as dificuldades que Trump vai colocar às entradas de produtos da UE nos EUA.
- Para Portugal. É igualmente uma excelente oportunidade de o país multiplicar as suas exportações. Sobretudo agora que há riscos sérios de redução de vendas nos mercados francês e alemão. E a verdade é que, já hoje, 3 mil empresas portuguesas exportam para a Mercosul. Reforçando-se as vendas no futuro, há sobretudo três setores com potenciais ganhos enormes: o setor dos vinhos, do azeite e dos queijos.
- Se for por diante, este acordo é histórico. A grande dúvida é se vai mesmo por diante. É que há 5 países com objeções fortes: França, Países Baixos, Áustria, Irlanda e Polónia. Aqui está o primeiro grande desafio a António Costa. O desafio de fazer pontes para que este acordo não chumbe no Conselho Europeu.
MÃO DE OBRA IMIGRANTE
- O ministro Leitão Amaro propôs às Confederações Empresariais um pacto para uma "Via Verde" com vista à contratação de mão de obra imigrante. Agora que, com o PRR quase em velocidade de cruzeiro, há falta de mão de obra para um grande volume de investimentos.
A ideia basicamente é a seguinte: o Estado aceita conceder vistos mais rápidos à contratação pelas empresas de mão de obra estrangeira; e as empresas contratantes comprometem-se a garantir aos imigrantes: emprego, formação, habitação e ensino do português.
- Esta é, sem dúvida, uma boa ideia: trata-se de conciliar celeridade com integração; iniciativa das empresas com desburocratização da parte do Estado. Quais são as dúvidas?
- O Estado, através dos Consulados, vai mesmo ser rápido a decidir novos vistos? A resposta do Governo é que sim. Até porque nos últimos meses foram contratados 50 novos peritos de vistos para a rede consular.
- O apoio nas escolas vai ser reforçado? O Governo assegura que sim. Nos últimos meses foram contratados 272 novos mediadores culturais para, nas escolas, ajudarem à integração dos filhos dos imigrantes. Já são 155 mil estudantes estrangeiros em Portugal.
- A AIMA vai conseguir dar parecer aos pedidos de vistos em 3 dias? O Governo garante que sim. Até porque a Agência está a funcionar agora em velocidade de cruzeiro. Dos 400 mil imigrantes não regularizados, já há resultados significativos: mais de metade já estão resolvidos. Ou seja: 140 mil imigrantes já estão legalizados e 108 mil foram recusados, sendo que a maioria até já saiu do país.
OCDE: FALHAS NA EDUCAÇÃO
- Foi a grande surpresa negativa da semana: um relatório da OCDE que mostra que Portugal está mal classificado, na população entre os 16 e os 65 anos, em matéria de leitura, matemática e resolução de problemas.
- Em matemática, Portugal é o 2º pior país dos 31 analisados. Cerca de 40% das pessoas têm dificuldade em lidar com números.
- Em literacia, somos o segundo pior. Cerca de 42% dos portugueses têm dificuldade em ler e escrever.
- E na resolução de problemas somos o 5º pior. Quase 42% dos portugueses têm dificuldade em resolver problemas simples.
- A surpresa destes resultados radica no seguinte: apesar do atraso sistémico que Portugal tem em matéria de educação, esperava-se que o investimento dos últimos 15/20 anos tivesse contribuído para melhorar a situação. Mas não contribuiu. Ou não contribuiu de forma suficiente. Assim, é preciso ter em conta:
- Primeiro, estes resultados têm duas más consequências: ao nível da cidadania; e ao nível do mercado de trabalho.
- Segundo, uma das falhas do nosso sistema de ensino estará no abandono escolar precoce. Não será a única, mas é das mais importantes. Durante anos, o abandono escolar atingiu proporções altas. Só recentemente baixou de modo substancial.
- Terceiro, é preciso fazer um investimento sério na educação de adultos. É bom que o Ministério da Educação esteja a preparar medidas nesse sentido.
DEBATE NA AR e PCP
- Do debate quinzenal na AR há uma conclusão a tirar: não correu especialmente bem a ninguém.
- O Governo esteve bastante à defesa. Sem iniciativa, sem um anúncio e sem uma proposta. Vê-se que está numa fase de transição. Já não tem a agenda que tinha inicialmente, porque se esgotou. E ainda não tem uma agenda nova, porque ainda não a preparou. Talvez em janeiro.
- O PS está na fase em que perguntar pode ser contraproducente. As perguntas viram-se contra si próprio. Foi o que sucedeu. O PS perguntou ao governo por resultados ao fim de oito meses. O governo respondeu com a falta de resultados nos últimos oito anos. O PS precisa de tempo para fazer uma oposição credível.
- O Chega, esse, parece viver na fase da impunidade O caso que Hugo Soares denunciou no hemiciclo, é de bradar aos céus. Uma deputada do Chega veio dizer num parecer oficial, preto no branco, a respeito da escolha de um dirigente do Estado: que ele era competente, que tinha um currículo excelente e que tinha sido muito capaz na audição parlamentar. A seguir, o Chega desautorizou a deputada, rasgou o parecer e anunciou voto contra. Cúmulo da desfaçatez!
- O congresso do PCP não teve história. Foi um Congresso para cumprir calendário. O que pode fazer história são as autárquicas do próximo ano. Primeiro, porque ao não fazer coligação com o PS em Lisboa, o PCP acaba a dar uma grande ajuda à reeleição de Carlos Moedas. Depois, porque o PCP corre o risco de perder várias autarquias para o PS, a sul. À cabeça, Évora. A vida continua difícil para o PCP.
BdP: REGRESSO AO DÉFICE?
- O Banco de Portugal (BdP) veio fazer de "mau da fita", contrariando as previsões do Governo e estimando que Portugal em 2025 vai voltar a ter um défice. Ligeiro, mas um défice e já não um excedente. O primeiro-ministro contrariou o BdP, disse que ele andava em contramão e garantiu novo excedente em 2025.
O que dizer sobre tudo isto?
- Primeiro, que esta posição do BdP é estranha. O BdP é mesmo a única entidade a estimar um défice em 2025. Nem o Conselho de Finanças Públicas, nem a Comissão Europeia, nem o FMI, nem a OCDE, nem a UTAO, estimam qualquer défice. Nesta questão, o BdP está completamente isolado.
- Segundo, que a estranheza é ainda maior quanto à redução da divida. Apesar de estimar um défice e não um excedente, e mesmo com um crescimento do PIB similar ao do governo, o Banco de Portugal prevê uma redução da divida mais acentuada do que o governo prevê. Isto não é contraditório?
- Segundo, mesmo assim, a "previsão" do BdP é boa para o Governo. Coloca-o sob pressão para fazer uma execução orçamental rigorosa. Agora, mais do que nunca, depois do "aviso" do BdP, o Governo tudo vai fazer para cumprir a promessa de um excedente. A intenção do BdP até pode ter sido a de criticar o Governo. Mas o resultado final acaba em vantagem para o ministro das Finanças. Dá-lhe mais força e autoridade junto dos outros ministros para fazer uma rigorosa gestão orçamental.