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Luís Marques Mendes 02 de Julho de 2023 às 21:20

Marques Mendes: Pacificação no setor da saúde "foi efémera"

No seu espaço habitual de opinião na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre o estado da imigração, os juros do BCE e o discurso de Lagarde, as polémicas na habitação e aeroporto , entre outros temas.

O ESTADO DA IMIGRAÇÃO

 

  1. Os graves incidentes em França fazem-nos refletir sobre imigração. E sobre a integração de imigrantes. A verdade é que Portugal precisa de imigrantes. E há coisas positivas a acontecer. Vejamos, por partes:
  • Precisamos de imigrantes para não perder população, compensando com o saldo migratório (entradas e saídas) as perdas que existem por via do saldo natural (nascimentos e óbitos).
  • Precisamos de imigrantes para rejuvenescer a população. O país está a envelhecer. Mas os imigrantes, em regra, são jovens.
  • Precisamos de imigrantes para reforçar a SS. Doutra forma, com mais gente a receber pensões e menos gente a descontar, a rutura é iminente.
  • Precisamos de imigrantes porque temos falta de mão de obra.

 

  1. Ora, os dados existentes mostram que estamos na boa direção:
  • No final de 2022, tínhamos 781 mil imigrantes. Um aumento de 97% em relação a 2016. Ajudam a atenuar o problema da falta de mão de obra.
  • A maioria é jovem. Cerca de 50% têm entre os 25 e os 40 anos. Logo, rejuvenescem a nossa população.
  • Em 2012, as suas contribuições para a SS foram de 1,5 MM Euros. Só para se ter uma ideia da importância deste número, basta dizer que estes descontos dariam para pagar todos os encargos com o subsídio de desemprego, que é, a seguir às pensões, a prestação mais cara da SS.
  • Os imigrantes estão a travar a perda de população. Em 2022, o saldo natural (relação entre nascimentos com óbitos) foi negativo: menos 40 mil pessoas. Mas o saldo migratório (relação entre entradas e saídas do país) compensou o défice do saldo natural: mais 86 mil pessoas.
  • Estamos no caminho certo. Mas temos de ter uma atenção redobrada á integração social dos emigrantes. Para evitar "barris de pólvora".

 

BCE MANTÉM JUROS A SUBIR

 

  1. A presidente do BCE "incendiou" o país com os anúncios de novas subidas de juros. O PR e o PM responderam-lhe à letra, com dureza. Há que dizer, em primeiro lugar, que nada disto surpreende: cada um está a cumprir o seu papel.
  • O BCE está a cumprir a missão que lhe foi confiada pelos Tratados: garantir a estabilidade de preços. Combater a inflação.
  • Os políticos estão a cumprir o seu papel de fazerem pressão política. São estatutos diferentes. Nada de surpreendente.

 

  1. A novidade está no discurso da presidente do BCE. Qualquer decisão tem uma vertente de conteúdo e outra de forma. Aqui, a forma foi lamentável: um discurso incendiário, sem pedagogia e sem sensibilidade social.
  • Discurso incendiário: acusar os salários de serem os "culpados" da inflação e pedir aos governos para cortarem nos apoios aos mais fracos só gera indignação. Mario Draghi nunca faria um discurso destes.
  • Discurso sem pedagogia: o que se esperava do BCE era um discurso pedagógico. A explicar os malefícios de uma inflação alta e prolongada no tempo. Sobretudo para os mais pobres. Ao contrário, o que saiu foi um discurso punitivo. Ao pior estilo da troika, entre 2011 e 2014.
  • Um discurso com esta insensibilidade social só serve para indignar as pessoas e reforçar o populismo.

 

  1. Aqui chegados, só resta um caminho: apoiar os cidadãos mais carenciados: primeiro, porque as pessoas não são números; depois, porque a coesão social é um valor essencial. E a verdade é que os aumentos das prestações no crédito á habitação são arrepiantes: em 18 meses a prestação quase duplicou.

 

ELEIÇÕES EUROPEIAS

 

  1. As eleições europeias já começam a "mexer". A prova está na especulação que já se faz em torno dos cabeças de lista dos principais partidos:
  • No PS, o nome mais provável é o de Marta Temido. A ex-ministra é, neste momento, a figura mais popular do PS. Embora a ministra Ana Catarina Mendes também possa ser hipótese.
  • No PSD, o nome mais provável é o de Rui Moreira. O ex-presidente da CM do Porto é independente, é popular e é bom comunicador.

 

  1. Independentemente dos cabeças de lista, estas eleições não são nada fáceis, nem para o PS, nem para o PSD. Embora por razões diferentes.
  • O PS teme um cartão amarelo. Eleições a meio do ciclo governativo, com um Governo que desagrada a 70% dos eleitores, segundo a última sondagem SIC/Expresso, são um convite a um voto de protesto. Para o evitar, o PS vai tentar mobilizar o seu núcleo duro eleitoral, com um discurso pró-estabilidade: "é preciso votar PS para evitar uma crise política".
  • O problema do PSD é outro e chama-se Chega. Em circunstâncias normais, o PSD ganharia tranquilamente esta eleição. O desgaste do Governo faria transferir votos do PS para o PSD. A questão é que agora há o Chega, e com o Chega, os votos dos descontentes com o Governo dispersam-se mais. O PSD tem de evitar a pulverização com um discurso pró-alternância: "é preciso votar maciçamente no PSD para mostrar um cartão amarelo ao Governo".

 

  1. Há um ponto em comum: para ambos os partidos, o que conta é a "nacionalização" das europeias. O debate europeu fica para mais tarde.

 

BALANÇO DO ANO LECTIVO

 

  1. O Ministro da Educação deu uma entrevista ao Expresso para assinalar o final do ano letivo. João Costa teve de reconhecer que este foi um ano de instabilidade nas escolas. Esta é, de facto, a imagem de marca deste ano letivo.

 

  1. Após dois anos de pandemia, com escolas fechadas e aulas à distância, o que o País mais precisava é que este ano letivo fosse de estabilidade e recuperação. Afinal, em termos de estabilidade e recuperação, foi um ano perdido.
  • Houve um aumento brutal do número de greves na educação. Só neste ano de 2023, houve 466 pré-avisos de greve. Um recorde. Em apenas meio ano, houve mais greves que em qualquer um dos anos anteriores. Uma média de 3,6 greves por dia. Um exagero.
  • Se compararmos a educação com as demais áreas do Estado, através de dados oficiais, chegamos a uma outra conclusão impressionante: a educação é responsável por 85% das greves no Estado.
  • O Ministro diz que a culpa é da competição sindical entre a Fenprof e o Stop. Essa é uma parte da verdade. Mas há outra parte da verdade: a teimosia e intransigência do Governo.

 

  1. Há um braço de ferro na recuperação do tempo de serviço dos professores. O Governo nunca aceitará "dar" aos Sindicatos a totalidade do tempo congelado. Diz que isso teria efeitos graves noutros sectores. Assim, só há uma forma de entendimento: o governo tem de aumentar um pouco mais o número de anos que aceita recuperar, sem ser a totalidade; e os sindicatos têm de encontrar compensações noutras questões, onde não haja efeito multiplicador na função pública. "Chover no molhado" é prolongar indefinidamente o conflito.

 

A SITUAÇÃO DA SAÚDE

 

  1. A entrada de Manuel Pizarro no Governo teve o condão de pacificar o sector. Mas foi uma pacificação efémera. O sector está a "mexer" novamente: o SIM anunciou uma greve de médicos para o fim de julho; o PSD vai apresentar propostas na próxima semana; e o Conselho de Finanças Públicas apresentou esta semana um relatório demolidor sobre o estado da Saúde.

Claro que na maior parte dos problemas o atual Ministro não tem grandes responsabilidades. Chegou ao Governo há menos de um ano. E ainda esta semana avançou com uma medida positiva: a criação de novas USF, tipo B, que podem garantir médicos de família a mais 250 mil utentes e melhores salários aos profissionais de saúde. É uma medida pontual mas positiva.

 

  1. A questão de fundo é outra: o Governo de António Costa não tem um ano de vida. Tem quase oito anos. E como mostra o CFP os principais problemas estão a agravar-se. Isto é difícil de explicar para quem está há oito anos no poder.
  • Utentes sem médico de família: são cerca de 1,5 milhões. Um aumento de 105% desde 2019 e de 30% em 2022. Ao contrário do prometido.
  • Lista de espera para consultas: só num ano, houve um novo aumento de 58 mil utentes em lista de espera.
  • Lista de espera para cirurgias: só em 2022, um novo aumento: mais 25 mil utentes à espera de uma cirurgia.
  • Despesa privada em Saúde (seguros de saúde e outros pagamentos): somos o 2º país da UE em que os cidadãos mais gastam em saúde.
  • Seguros de saúde: já há mais de três milhões. Um aumento de 39% desde 2018. Certamente que nem todos estes Portugueses estão insatisfeitos com o SNS. Pode haver outras razões para fazer um seguro. Mas também há muita gente que resolveu abrir os cordões à bolsa por considerar que o Estado não lhe garantia bons cuidados de saúde.

 

LISBOA: POLÉMICAS NA HABITAÇÃO E AEROPORTO

 

  1. A oposição na CM de Lisboa, com exceção do PCP, reprovou a proposta de Carlos Moedas sobre a Carta Municipal de Habitação. Sendo a habitação o problema número um de Lisboa, esta é uma decisão difícil de compreender.
  • Primeiro, porque nesta matéria se justificava um consenso alargado e não um bloqueio. A oposição tem discordâncias? Então devia ter apresentado as suas propostas alternativas e o Presidente da CM devia ter abertura para as acolher. O que veio a público, porém, é que o PS nem sequer um documento alternativo apresentou.
  • Segundo, porque do que se tratava, nesta fase, era apenas de colocar o documento em discussão pública. Tratava-se, pois, de um documento ainda provisório. Havia tempo para fazer o debate público e, entretanto, negociar o documento final. Assim, perde-se tempo precioso.
  • Carlos Moedas até ganha politicamente com isto. Faz-se de vítima. Lisboa é que perde com estas guerrilhas.

 

  1. Nova polémica acerca do novo aeroporto de Lisboa:
  • Na semana passada foi João Galamba a "reprovar" a solução Santarém. Esta semana, foi o secretário de Estado João Paulo Catarino (SE da Conservação da Natureza) a defender publicamente a solução Santarém.
  • Se a moda pega, temos nos próximos dias os vários governantes a darem palpites sobre localizações. Não seria tempo de o PM por ordem na casa e dar uma ordem de silêncio?
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