Opinião
Marques Mendes: No PS, fala-se em segredo de Medina para o lugar de Centeno
No seu habitual comentário na SIC, Luís Marques Mendes falou sobre os possíveis sucessores de Mário Centeno, o debate do programa do Governo, o futuro da ADSE e a inquirição a Sócrates, entre outros temas.
O FUTURO DA ADSE
- Esta semana, a propósito da ADSE, o Tribunal de Contas arrasa o Governo. Um enorme puxão de orelhas ao MF e à MS. Diz que, apesar de a ADSE ser viável, a ausência de decisões por parte do Governo pode levar o sub-sistema à falência em poucos anos.
- O que se passa, verdadeiramente?
- Hoje a ADSE não é do Estado. O Governo não põe um único euro na ADSE. Ela tem um milhão e 200 mil beneficiários. E são os descontos dos seus beneficiários que sustentam a ADSE.
- Só que há um pecado capital. O Estado não põe um euro na ADSE mas, na prática, é o Estado que manda, e ainda por cima manda mal. Três exemplos:
- O Estado não paga as suas dívidas à ADSE (184 milhões em 2018);
- O Estado isenta do pagamento de descontos os beneficiários de mais baixos rendimentos, mas não paga essas isenções, como devia (são 30 milhões por ano a menos nas receitas da ADSE);
- O MF e a MS têm pendente desde 2015 propostas para alargar o número de beneficiários de ADSE e não decidem. Meteram o assunto na gaveta. Comprometem a sustentabilidade da ADSE.
- Segundo o TC, por causa desta situação, a ADSE entrará em défice já em 2020 (défice de 17 milhões); os excedentes acumulados até 2019 (535 milhões) esgotar-se-ão em 2026; e a ADSE ficará sem dinheiro para suportar as despesas dos seus beneficiários.
- Isto é gravíssimo. A inação do Governo pode matar um dos melhores sub-sistemas de saúde que temos.
- Só resta uma solução: agir, agir depressa e cumprir as recomendações do TC. Esta auditoria é um trabalho sério e deve ser respeitado.
O DEBATE DO PROGRAMA DE GOVERNO
Num debate fraco, como estiveram os vários protagonistas?
- António Costa – Não esteve particularmente feliz.
- Não respondeu ou respondeu de forma displicente a Rio. Fez uma conversa de café quando as questões de Rui Rio eram pertinentes e legítimas.
- Não agiu bem em relação ao PCP e BE. O tom de ameaça que utilizou é mais um sinal de medo e preocupação em relação ao futuro.
- E, no geral, o Governo mostrou um auto-convencimento inaceitável. Fala como se tivesse a maioria absoluta. Quer cobrar tudo dos outros, sem dar nada em troca. Este auto-convencimento só pode dar asneira.
- PCP e BE – Estão numa encruzilhada. Ainda não decidiram se são oposição ou se serão aliados informais do Governo. Mesmo assim há diferenças: o BE está mais perturbado e a sua relação com o Governo vai ser sempre muito difícil; já o PCP está mais tranquilo e vai ter uma relação mais construtiva com o Governo, ajudando mesmo, pela abstenção, a viabilizar orçamentos.
- PSD – Rui Rio esteve em bom nível. Teve mérito e sentido de oportunidade. O momento mais difícil será quando, já depois das directas, com Rio, Montenegro ou Pinto Luz na liderança, o PSD tiver de decidir duas coisas: primeiro, se tem abertura para acordos com o PS; segundo, se estará disponível para viabilizar orçamentos. O primeiro orçamento vai ser aprovado à esquerda. Mas quanto ao segundo e ao terceiro o Governo vai ter a tentação de se virar para o PSD e Costa "reza" para que Rio esteja lá.
- CDS – O CDS esteve apagado. Apesar da boa prestação de Cecília Meireles. Uma coisa é certa: o Chega e o IL vão ser um problema sério para o CDS.
- Novos partidos – Nesta estreia os novos partidos não impressionaram. Precisam de tempo. Mesmo assim, percebe-se que o Livre tem um problema – dificuldade em passar a mensagem. A deputada Joacine Moreira tem muito mérito na eleição e merece admiração pela sua carreira. Mas o Parlamento é o palco da oratória. Sem poder de comunicação a mensagem não passa.
A SAÍDA DE CENTENO
- Mário Centeno está em rota de colisão com o PM. Foi despromovido, não falou no debate e está de saída. Ou sai já em 2020 ou em 2021. Isso já não será novidade. A grande novidade pode ser quem o vai substituir.
- Há basicamente duas hipóteses – uma solução interna e uma solução externa:
- Solução interna (e mais provável) – Se o caminho for uma solução interna, a escolha será Mourinho Félix. É uma escolha natural. É o número dois nas Finanças. É o substituto de Centeno. É o representante do Governo no Eurogrupo.
- Solução externa (e menos provável) – uma surpresa de que se fala em segredo num círculo restrito dos bastidores do PS) – Essa surpresa seria Fernando Medina – o Presidente da Câmara de Lisboa. Medina deixaria a autarquia e passava a integrar o Governo num cargo importantíssimo.
- Porquê Fernando Medina?
- Por causa da sucessão no PS. Este é o último Governo de Costa que, no final da legislatura, quer rumar a Bruxelas para um cargo europeu.
- Ora, Fernando Medina sempre foi o delfim de António Costa. É quem o PM mais gostava de ver como seu sucessor. Só que ser Presidente de Câmara pode ser curto. Sem esquecer que as próximas autárquicas têm riscos para o PS. Assim trazer Medina para o Governo seria fazer "dois em um" – reforçava o estatuto de Medina e evitava os riscos de uma eleição.
- Mas a ideia tem três problemas: primeiro, a sucessão de Medina na Câmara (o número 2 não é do PS); segundo, com uma eventual derrota do PS nas autárquicas, os socialistas passavam a responsabilizar Costa e Medina (é um risco); terceiro, ficava óbvio que o PM se estava a intrometer no processo da sua sucessão. E isso dá sempre asneira. Veja-se o que sucedeu quando Barroso escolheu Santana Lopes para lhe suceder.
A INQUIRIÇÃO DE SÓCRATES
- No caso Sócrates há dois lados distintos, embora complementares: o lado judicial e o lado político. O lado judicial da questão é o mais falado. Mas, sobre isso, temos de aguardar as decisões judiciais.
- Agora, no lado político, há duas questões importantes:
- Primeira questão: Sócrates tem uma relação difícil com a verdade. Nesse plano é alma gémea de Ricardo Salgado. Ainda esta semana o voltou a provar quando disse que não queria que Vara para a CGD e até ficou incomodado com essa nomeação. Isto é Sócrates no seu pior. Só ele é que acredita.
- Segunda questão: Sócrates repetia à exaustão esta semana que quer repor a verdade. Então devia começar por explicar aos portugueses estas questões:
- Primeiro: por que é que, quando saiu do Governo e foi estudar para Paris, explicou que pediu um empréstimo à CGD e escondeu que também vivia do dinheiro emprestado de um amigo?
- Segundo: por que é que vivia à grande e à francesa em Paris quando não tinha rendimentos próprios e vivia de dinheiro emprestado?
- Terceiro: por que é que recebia do amigo Carlos Santos Silva dinheiro vivo, em envelopes e não através de transferência bancária, como é normal?
- Quarto: por que é que, apesar de a dada altura ter um ordenado mensal de 12.500€, considerava que isso não chegava para estudar em Paris? Isto é compatível com alguém que se diz homem de esquerda?
- Enquanto não der explicações, Sócrates é suspeito. Não apenas criminalmente suspeito. É, também, politicamente suspeito. Suspeito de ser pouco verdadeiro e muito dissimulado.
ELEIÇÕES EM ESPANHA
- Daqui a uma semana temos eleições em Espanha – é a quarta eleição em apenas quatro anos. E, pelo que se conhece das sondagens, a Espanha caminha a passos largos para uma nova ingovernabilidade.
- Desde logo, são eleições claramente influenciadas pelos acontecimentos na Catalunha. E esta influência está a resultar num claro reforço da direita e da extrema direita. Vejamos:
- O PSOE arrastou o país para eleições na busca de uma maioria absoluta. Objectivo falhado. Vai ficar longe da maioria e até pode baixar de votação.
- O PP é um dos grandes beneficiários da convulsão em Espanha. Péssimo resultado em Abril. Agora vai subir bastante. Pode chegar aos 100 deputados.
- O Ciudadanos, depois de Abril, não queria acordos com o PSOE para liderar a direita. Afinal, vai ter uma queda brutal e vai passar para o 5º lugar.
- O Podemos, seguindo a tendência de queda da esquerda, vai provavelmente baixar o resultado anterior.
- Finalmente, o VOX – a surpresa das surpresas. Está a subir exponencialmente e pode passar a 3º partido, com mais de 40 deputados. Beneficia do efeito Catalunha e da polémica da exumação de Franco.
- Em conclusão: a esquerda perde força, a direita e a extrema direita crescem e o bloqueio político persiste. Más notícias para Espanha e para Portugal.