Opinião
Marques Mendes: "gestão política que o Governo faz dos fogos continua um desastre"
As notas da semana de Marques Mendes no seu habitual comentário na SIC. Marques Mendes fala sobre a greve dos camionistas, as listas do PS e PSD às eleições legislativas, a relação Marcelo/Costa e a gestão dos fogos, entre outros assuntos
GREVE DOS CAMIONISTAS
- Esta greve é um exercício de oportunismo. O sindicato só faz greve porque estamos em cima de eleições. É uma esperteza saloia. Os factos são claros:
- Depois da greve da Páscoa, o Sindicato conseguiu duas vitórias: aumentos salariais para 2020; e projectados aumentos salariais para 2021 e 2022 de acordo com a evolução do salario mínimo nacional;
- E comprometeu-se, preto no branco, a prosseguir negociações até 31 de Dezembro de 2019. Está tudo no protocolo assumido em 17 de Maio. Mudar de comportamento a meio do processo revela oportunismo e má fé negocial.
- Por isso, ao contrário da anterior, é uma greve altamente impopular.
- E ao país, que sucederá? Desta vez, ao contrário do que sucedeu na Páscoa, o Governo tem tudo planeado. Não está desprevenido. Vamos ter serviços mínimos bastante ambiciosos, incluindo os movimentos de cargas e descargas; e vamos ter uma forte mobilização das Forças Armadas e das Forças de Segurança, incluindo para "substituírem" os camionistas grevistas.
- Politicamente falando, esta greve é um desafio ao Governo. Neste quadro, é uma arma de dois gumes: o Governo tanto pode sair reforçado como penalizado.
- Se o Governo for firme, exercer a autoridade, for respeitado nas suas decisões e colocar ordem na casa, ainda acabará a sair por cima. Nestes momentos, os portugueses apreciam autoridade. Como se viu na crise dos professores.
- Se o Governo for tímido, laxista e de meias tintas, então sim, pode sair bastante penalizado e ter consequências eleitorais.
AS LISTAS DO PS E DO PSD
- Foram aprovadas as listas de candidatos do PS às legislativas de Outubro:
- Aspectos positivos – Primeiro, uma aprovação pacífica. Segundo, alguma renovação. Finalmente, várias mulheres como cabeças de lista.
- Aspectos negativos – Um excesso de governantes como candidatos. É normal, quando um partido está no Governo. Mas não é positivo. E, depois, um aspecto muito negativo – a ausência de Francisco Assis. Quando alguém com a qualidade política e intelectual de Assis não está nem no PE, nem na AR, nem no Governo, algo vai mal no reino da democracia.
- As listas do PSD serão aprovadas para a semana. Para já:
- Aspectos positivos – As escolhas de vários cabeças de lista. Já elogiei os cabeças de lista de Lisboa, Porto e Leiria. Mas posso também elogiar as escolhas de Braga (Coelho Lima), de Santarém (Isaura Morais), de Faro (Cristóvão Norte) e de Aveiro (Ana Miguel Santos).
- Aspectos negativos – A exclusão de várias pessoas que têm mérito para serem deputados mas que pensam diferente do líder. Não é a primeira vez que isto sucede. Mas é um erro. Não se deve confundir lealdade ao partido com subserviência ao líder. Aspecto ainda mais negativo: o ambiente de ruído, balburdia e confusão que está instalado.
- Primeiro, porque ninguém gosta de votar num partido em balbúrdia permanente. Depois, porque as pessoas perguntam: se o líder não consegue governar o seu partido, como há-de governar o país?
- Finalmente, uma crítica a todos os partidos, em especial ao PS e PSD. Todos deviam estar agora a exigir aos seus candidatos que se comprometessem por escrito a suspender funções se alguma vez forem investigados por crimes de corrupção ou outros de igual gravidade.
- Afinal, falam muito de ética, transparência e combate à corrupção. Porém, nos momentos da verdade, falham clamorosamente.
A RELAÇÃO MARCELO/COSTA
A recente sondagem JN/TSF tem dois dados aparentemente contraditórios: por um lado, os portugueses reforçam a votação no PS a ponto de lhe darem uma maioria (43%); por outro lado, querem que o Presidente seja mais exigente com o Governo (65%). Por que é que isto sucede?
- Primeiro, julgo que não há qualquer contradição. Estes dados mostram que os portugueses apreciam o que eu chamo de Bloco Central Institucional – Costa em S. Bento e Marcelo em Belém. Como já no passado apreciaram Cavaco em S. Bento e Soares em Belém.
- Segundo, estes dados revelam que os portugueses acham que não há oposição. E, para preencher esse vazio, querem um Presidente mais interventivo e mais fiscalizador da acção do Governo. Ou seja: querem um sistema de pesos e contrapesos a funcionar com eficácia.
- Terceiro, este pode ser um novo desafio para Marcelo Rebelo de Sousa. Se o PS tiver maioria absoluta ou ficar muito próximo de a alcançar, o PR vao ter, certamente, de repensar o seu posicionamento. Vai ter de fazer o reequilíbrio político do regime. Não é ser líder da oposição. Essa nunca será a função do PR. Mas é ser um agente de recentragem política. Tal como já fez Mário Soares nos anos 90, no tempo das duas maiorias absolutas de Cavaco Silva.
ELEIÇÕES NA MADEIRA
- Estamos a menos de dois meses das eleições na Madeira. Neste quadro, o DN da Madeira publicou esta semana uma sondagem (Eurosondagem) que dá o PSD a ganhar as eleições com uma pequena vantagem de 1,5%. O curioso é que numa outra sondagem também publicada no DN da Madeira em Janeiro, o PS estava nessa altura em primeiro lugar, também com uma vantagem ligeira.
- Tecnicamente este resultado é um empate técnico. Mas revela uma inversão de tendência. A meu ver por três razões:
- Primeiro: esta tendência corresponde à votação que ocorreu nas eleições europeias. Para surpresa geral, o PSD teve na Madeira uma vitória muito expressiva. Ganhou em todos os concelhos. Ao contrário da clamorosa derrota no continente.
- Segundo: porque na Madeira o PSD aparece unido e não dividido. Antes, tinha duas facções: Miguel Albuquerque, de um lado; Alberto João Jardim, do outro lado. Entretanto, ambos "fizeram as pazes" e o PSD está unido e coeso. Tudo ao contrário do que se passa no continente.
- Finalmente: porque a Região tem bons resultados económicos e sociais. É como o Governo da República. A economia está a crescer há 71 meses consecutivos; o turismo, o investimento e as exportações estão em alta; o desemprego está em baixa (reduziu-se de 19% para 7%); há 6 anos que há excedentes orçamentais e não défice; a dívida pública caiu brutalmente e os apoios sociais cresceram (nos passes sociais e no apoio às creches e jardins de infância).
- Com estes dados é difícil perder eleições. O problema é a seguir às eleições: o PSD e o CDS conseguem fazer maioria para governar? Ou o PS consegue fazer na Madeira uma geringonça governativa?
A GESTÃO DOS FOGOS
- A gestão operacional dos fogos – Depois dos grandes fogos de Mação/Vila de Rei, eu diria o mesmo que dizem vários especialistas:
- Primeiro: em relação a 2017, parece que pouco mudou – a floresta está mais limpa, é verdade; mas há ainda muito e melhor a fazer a nível operacional – na deteção dos fogos, nos alertas e no combate.
- Segundo: mudaram-se muitas leis. Mas as mudanças ainda não chegaram às práticas e aos resultados. Não podemos estar permanentemente a deitar as culpas para cima do ordenamento do território.
- A gestão política que o Governo faz dos fogos – Continua um desastre.
- Foi um desastre nos fogos de 2017 (descoordenação e incompetência). Foi um desastre no grande fogo de Monchique em 2018 (insensibilidade).
- E foi um desastre agora. Arrogância e mais arrogância. Arrogância do PM a "sacudir a água do capote"; arrogância do MAI a criticar injustificadamente o autarca de Mação, que se tinha limitado a desabafar com a falta de meios; arrogância do MAI, novamente, a criticar a comunicação social por causa das golas inflamáveis que a Protecção Civil comprou. Este Ministro comportou-se como um incendiário!
- Há uma conclusão importante: quanto mais o PS sobe nas sondagens mais a Governo se torna arrogante e autoritário. É assim com o MAI nos fogos; foi assim com o MDN perante a entrevista do Almirante Silva Ribeiro; foi assim com o PM na fúria com a PGR por causa do ex-Ministro da Defesa.
- Assim, o PS não chega mesmo à maioria absoluta!! Quem quer uma maioria pratica a moderação e o diálogo, nunca a arrogância e a insensibilidade.
ESPANHA E REINO UNIDO – QUE FUTURO?
- Espanha – As semelhanças com Portugal
- O Podemos quer desesperadamente ir para o Governo. Tal como o BE cá dentro. O problema é que os socialistas não querem. Lá como cá.
- O PSOE quer uma maioria absoluta para governar sozinho. Por isso, não quer fazer coligações. Em consequência, tudo vai fazer para arrastar o processo, fazer-se vítima e tentar a maioria em novas eleições em Novembro. Lá como cá. Não perdem a maioria mas não querem outra coisa.
- Reino Unido – O populismo no poder
- Boris Johnson é mais um populista no poder. Mas, atenção, não é Trump ou Bolsonaro. É inteligente e culto. Tem mais qualidade política e intelectual. Não é proteccionista.
- O seu grande desafio é o Brexit. Tudo vai fazer para dar a volta à UE. Mas é praticamente impossível conseguir a reversão da posição europeia.
- No entretanto, não surpreende se dentro de poucos meses provocar eleições legislativas antecipadas. Ele precisa de aproveitar o estado de graça da chegada ao poder para se legitimar e reforçar politicamente.
- E já está em campanha eleitoral com promessas sem fim – redução de impostos, mais 20 mil polícias, uma ponte entre a Escócia e a Irlanda do Norte.
- Conclusão: é carismático e entrou em força. Não o menosprezem.