Opinião
Marques Mendes: "Estado passa a vida a recorrer a advogados privados. Não tem juristas?"
No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a TAP e a fiscalização do IVA 0% nos supermercados, entre outros temas.
TAP: O GRAU 0 DA POLÍTICA
- Ao longo dos anos, com governos do PS e do PSD, e com administrações ligadas aos dois partidos, houve muita trapalhada e falta de transparência na TAP. Mas é difícil encontrar pior que aquilo que se soube esta semana através da Comissão Parlamentar de Inquérito. Chegámos ao grau zero da política: mentiras, irresponsabilidades e promiscuidades.
- Vejamos os maiores exemplos da lei do vale tudo:
- As mentiras de Pedro Nuno Santos: o ex-Ministro é o maior culpado de tudo. Saiu do Governo dando a entender que não sabia de nada no caso Alexandra Reis. Afinal, sabia de tudo: das negociações, da indemnização e até do seu valor. Andou repetidamente a mentir ao país.
- A irresponsabilidade de Hugo Mendes: o ex-Secretário de Estado comportou-se de forma patética, imatura e leviana. Ao querer mudar um voo da TAP para agradar ao PR; e ao "proibir" a TAP de falar com o Ministério das Finanças. Nunca devia ter sido Secretário de Estado.
- A falha de João Galamba: a ideia de fazer uma reunião do PS com a CEO da TAP para preparar uma audição parlamentar é o cúmulo da promiscuidade política. É como se num Tribunal o Juiz, na véspera do julgamento, decidisse reunir secretamente com uma das partes.
- Os ajustes de contas da CEO da TAP: agora, que foi demitida, acusou o Governo de pressões políticas. Antes, em janeiro, omitiu tudo, para defender o cargo e o seu bónus de 3 milhões de euros. Um comportamento pouco sério.
- A falta de sentido de Estado nas decisões: tudo quanto eram decisões importantes para a TAP, o Governo decidia através do WhatsApp. Com a maior das ligeirezas e leviandades. Isto é aceitável?
- A negligência da TAP: passou um mês desde que surgiu o parecer da IGF. Faz algum sentido que a TAP ainda não tenha informado Alexandra Reis do valor que tem a devolver? Apesar de ser a empresa onde o país "enterrou" 3,2 MM de euros? Está tudo em roda livre.
A POSIÇÃO DE ANTÓNIO COSTA E DO PS
- Se o maior culpado da "bandalheira" da TAP é Pedro Nuno Santos, o grande responsável político é António Costa. Ele é o Chefe do Governo. Dele dependem os Ministros e Secretários de Estado. Foi ele que os escolheu. Por isso, não pode esconder-se atrás de um silêncio comprometedor.
- De facto, passados estes dias e face à gravidade do que se passou, não é aceitável que o PM ainda não tenha dito uma palavra. Ele tinha o dever de fazer duas coisas: pedir desculpa pelas falhas dos seus Ministros ou ex-Ministros; e garantir que situações como esta não voltam a repetir-se.
- Também não é aceitável que o PM passe o tempo a dizer que não sabe de nada. Se não sabe, devia saber. Um PM que não sabe o que se passa no seu Governo é um PM em perda de liderança e autoridade. Já nem os Ministros o informam. Já não tem mão nos seus Ministros. Este défice político não se resolve com mais equipas de comunicação. Resolve-se com liderança. Se não for reposta, ainda acabamos em eleições antecipadas.
- A TAP é um enorme abalo na credibilidade para o Governo. Mas é também uma enorme dor de cabeça para os principais candidatos à liderança do PS:
- Fernando Medina: ficou fragilizado com o caso Alexandra Reis. Ficou sempre a sensação de que houve negligência da sua parte. Devia ter averiguado a questão da indemnização atribuída.
- Pedro Nuno Santos: levou um rombo enorme na sua reputação política e nas suas condições eleitorais. Até pode chegar a líder do PS. Aí fala o aparelho. Mas dificilmente chegará a PM. Junto dos portugueses, a sua credibilidade está fortemente abalada.
- A TAP é uma espécie de cemitério político.
O QUE FARÁ MARCELO?
- O que o PR dirá ou fará nos próximos dias não sei. O que sei é que se vivêssemos em circunstâncias normais, com toda a degradação que está a acontecer e com tudo o que sucedeu esta semana, o Governo já teria sido demitido e o Parlamento estaria a caminho da dissolução. Por menos do que isto, o Presidente Jorge Sampaio demitiu Santana Lopes e dissolveu o Parlamento. O problema é que não vivemos em circunstâncias normais.
- Vivemos uma crise económica séria. Vivemos uma crise social ainda mais grave. E a situação internacional tem a gravidade que tem, com a guerra na Ucrânia. Acrescentar a tudo isto uma crise política pode "ser pior a emenda que o soneto". No final, o povo sofria ainda mais com as consequências da situação.
- Acresce que tivemos eleições há apenas um ano. A oposição precisa de tempo para se afirmar como alternativa. E eleições antecipadas nesta ocasião não garantem uma solução credível e sustentada.
- Uma coisa, porém, é certa: alguma coisa tem que acontecer. Há que mostrar um sério cartão amarelo ao governo. Este estado de degradação não pode continuar. Está a esgotar-se o tempo para o PM pôr ordem na casa. Ou esta degradação para ou a legislatura não chega ao fim. Não é o que desejo. Mas é aquilo que pode tornar-se inevitável, lá para 2024. Na política não há milagres! E a degradação do Estado tem limites.
REFORMADOS PERDEM PODER DE COMPRA
- O Governo decidiu fazer uma atualização extraordinária dos salários na função pública, com retroativos a janeiro. Por causa da inflação. A decisão faz todo o sentido. O que já não faz sentido é que relativamente a pensionistas e reformados não haja uma decisão semelhante. Há aqui dois pesos e duas medidas. Esta discriminação é profundamente injusta.
- Primeiro, porque, comparando as atualizações de pensões feitas em 2022 e 2023 com a inflação acumulada destes dois anos (a verificada em 2022 e a prevista para 2023), as pensões de reforma estão a perder poder de compra: cerca de 3%.
- Depois, porque pensionistas e reformados são os mais vulneráveis dos vulneráveis na sociedade portuguesa. O Governo devia encarar, pois, uma atualização extraordinária, ainda este ano, das suas pensões de reforma. É da mais elementar justiça.
- Em abono desta ideia, há três dados factuais que convém enfatizar:
- Quase 70% dos pensionistas têm reformas abaixo de 439€. E mais de 80% têm reformas abaixo dos 658€.
- Estes valores não podem deixar de nos envergonhar e de ferir a nossa sensibilidade. Sobretudo em tempos de dificuldades e de constante aumento do custo de vida.
- Acresce que os reformados não contribuem para gerar mais inflação. São, apenas e só, vítimas da própria inflação.
A FISCALIZAÇÃO NOS SUPERMERCADOS
- Dentro de uma semana começa a operação do IVA 0 nos supermercados. Espera-se que tudo corra bem e que os preços comecem a baixar. Manda a verdade que se diga, porém, que o processo não começa bem. O Ministério da Agricultura resolveu contratar duas empresas privadas para fazerem fiscalização.
- Esta decisão é completamente surreal. Então o Estado não tem a ASAE e a Autoridade da Concorrência? Então o Ministério da Economia e da Agricultura não têm colaboradores qualificados para estas tarefas?
- Este recurso permanente ao outsourcing é um abuso: custa rios de dinheiro ao Estado, desqualifica a Administração Pública e menoriza os funcionários públicos. É altamente censurável.
- Como é censurável, noutra área, o recurso constante, da parte do Estado, á contratação de advogados externos. Aqui, verdadeiramente, já passámos do abuso para o vício. Governo, empresas públicas e institutos do Estado passam a vida a recorrer a advogados privados. É um completo exagero.
- Pergunta-se: o Estado não tem juristas? Tem assim tanta necessidade de recorrer a advogados externos? Não será tempo de moderar este ímpeto e de trabalhar com a "prata da casa"? Não será boa ideia investir nos recursos humanos próprios?
SEMANA HISTÓRICA LÁ FORA
- A Finlândia é, finalmente, membro da NATO. Um "milagre" que Putin proporcionou. Não fosse a guerra da Ucrânia e a Finlândia continuaria como país neutral. A lição a tirar é esta: há poucos anos, o Presidente francês dizia que a NATO estava em "morte cerebral". O Presidente russo fez história ao ressuscitá-la. Tem agora uma NATO mais forte e mais perto de si. Tudo ao contrário do que desejava.
- Também nos EUA se fez história. Pela primeira vez um ex-Presidente americano foi acusado pela justiça. O que prova, e bem, que ninguém está acima da lei. Trump merece ser julgado pela justiça norte-americana, mas não deveria ser por esta "bagatela" penal sem grande consistência jurídica.
- Trump deveria ser julgado, sim, pela tentativa de fraude eleitoral no estado da Geórgia e como autor moral dos ataques ao Capitólio. Esses, sim, são "crimes" a sério e não "bagatelas" penais.
- Este erro da justiça americana pode pagar-se caro. Para já, o Procurador de Nova Iorque conseguiu que Trump reanimasse a sua campanha, que estava morna e apática. Na política como na justiça, não há gestos grátis. Há sempre gestos que têm efeitos contraproducentes.