Opinião
Marques Mendes: decretar o Estado de Emergência faz sentido
As habituais notas da semana de Marques Mendes no seu comentário na SIC. O comentador fala sobre a pandemia, o divórcio do Bloco de Esquerda no Orçamento e a geringonça nos Açores, entre outros temas.
PANDEMIA – AS DECISÕES DO GOVERNO
- Primeiro, os números da pandemia. A situação continua a agravar-se:
- Número de infetados: continuamos num crescimento exponencial;
- Número de internados: já estamos bem pior que na primeira fase;
- Número de óbitos: ultrapassámos esta semana o recorde da primeira fase;
- A nossa situação na Europa: estamos a meio da tabela.
- As decisões do Governo: vão na direcção certa, correspondem a orientações que há uma semana aqui defendi, embora sejam tardias e talvez insuficientes.
- Primeiro: percebe-se que o PM tentou recriar um ambiente de consenso. Desde logo, envolvendo na decisão os partidos e os parceiros sociais. Ainda bem. O país precisa de unidade nacional. Não se combate uma pandemia sem diálogo, sem pedagogia, sem consenso e sem coesão social.
- Segundo: o Governo acordou, finalmente, para a gravidade da situação. Para a urgência de ACHATAR esta onda. Já o podia ter feito. A Alemanha, que não tem uma situação tão grave como a nossa, tomou medidas fortes mais cedo do que nós. O Hospital de Santo António já está no limite. Mas, enfim, antes tarde do que nunca.
- Terceiro: a grande decisão é o estabelecimento de critérios gerais e objectivos em relação aos concelhos de risco. Muito bem. O caminho é o dos confinamentos parciais e diferenciados, não o confinamento nacional e generalizado.
- Quarto: mesmo assim, acho que estas decisões sabem a pouco. Parecem insuficientes. Tem excepções a mais, fiscalização a menos e a responsabilidade cívica dos cidadãos tem dias.
- Quinto: falta a decisão do PR sobre Estado de Emergência. Eu antecipo a minha opinião: decretar o Estado de Emergência faz sentido. Primeiro, para dar segurança jurídica a muitas destas decisões. Segundo, para decretar o recolher obrigatório, sobretudo para evitar um cancro que tem proliferado – as festas nocturnas de jovens que são grande fonte de contágio. Finalmente, é necessário para dar tempo aos partidos para fazerem o que já deviam ter feito – uma alteração cirúrgica à lei para criar o Estado de Crise Sanitária, como Vital Moreira e outros constitucionalistas têm sustentado.
- O Governo não anunciou medidas económicas compensatórias para os sectores mais atingidos. É o caso da restauração e alojamento. Mas faz sentido que o faça em próxima oportunidade.
PANDEMIA – E OS DOENTES NÃO COVID?
- Esta semana, o INE divulgou um número surpreendente: no período da pandemia, entre 2 de Março e 18 de Outubro de 2020, houve mais 7.936 óbitos que na média do mesmo período dos últimos cinco anos (de 2015 a 2020). Como no mesmo período morreram 2.198 de Covid 19, temos aqui o seguinte dilema: por que é que morreram os outros 5.738 cidadãos? Será que morreram por falta de assistência médica? Será que morreram porque na primeira fase da pandemia quase só se tratavam doentes Covid e os demais foram discriminados? Ninguém sabe. Mas a dúvida é angustiante e a investigação é necessária.
- É por isto que temos de ACHATAR a onda, evitar a ruptura dos hospitais e impedir a discriminação dos doentes não Covid, como na primeira pandemia.
- Segundo as declarações do PM ontem, já só há 70 camas de UCI disponíveis para doentes Covid. Ora, este número pode esgotar-se em 2, 3 semanas. Então, para não prejudicar doentes não Covid, não seria prudente começar a instalar já hospitais de campanha?
- O Hospital de Santo António está quase nos limites. Outros para lá caminham. Para não prejudicar os doentes não Covid, não seria importante recorrer aos hospitais privados e sociais? Em tempo de pandemia, não pode haver preconceito!
- Centros de Saúde – Os médicos de família, além de andarem exaustos, passam horas e horas ao telefone em tarefas burocráticas a falarem com doentes Covid. Claro que assim há doentes que ficam a descoberto. Que não são tratados. É o próprio Presidente da Associação de Medicina Geral e Familiar que o diz. Não havia alternativa mais eficaz?
OE – O DIVÓRCIO DO BE
- O debate do OE foi dominado, sobretudo, pelo "duelo" entre o Governo e o BE. Como era previsível. Ficam para já duas sensações – a primeira, que o Bloco votou contra por oportunismo – para não ficar associado à crise económica e social que está instalada; a segunda, que o BE não está nada confortável com o voto contra que decidiu assumir. Está até muito preocupado.
- Mas atenção: agora perde o BE, no futuro pode perder o Governo.
- Primeiro: isto significa que já vai ser impossível cumprir toda a legislatura. Antes já era difícil, agora tornou-se impossível.
- Segundo: o desgaste do Governo vai passar a ser maior. O BE passa a ser oposição. E, a fazer oposição, o Bloco é mesmo eficaz.
- Terceiro: este acordo com o PCP é para este orçamento. Não é para os próximos. Vai ser muito difícil o PCP voltar a aprovar o OE daqui a um ano.
- Em conclusão: há uma forte probabilidade de podermos ter uma crise política daqui a um ano, com o chumbo do OE para 2022. Por um lado, o Governo já está em escala descendente – aquilo a que eu chamo o princípio do fim do seu ciclo político; por outro lado, o seu desgaste vai acentuar-se, quer pelo cansaço do poder, quer pela crise pandémica, económica e social. Basta olhar para as sondagens. Como ainda hoje se vê na sondagem do JN/TSF – o PS em queda. Só não vê quem não quer ver!
ELEIÇÕES NOS EUA
- Além da sua capital importância, estas são eleições muito estranhas: primeiro, pela pandemia – tornou o desfecho deste sufrágio imprevisível; depois, pela importância do voto antecipado e por correspondência – nunca foi tão grande; finalmente, porque o mais provável, ao contrário do habitual, é não se conhecer o presidente eleito na madrugada eleitoral.
- Vive-se agora o trauma de 2016 – o falhanço das sondagens. Este trauma pode existir, sem dúvida: sondagens são sondagens e há um certo "voto envergonhado" em Trump. Mas não é provável que o erro se repita.
- Primeiro, porque as empresas de sondagens corrigiram já vários dos erros de há quatro anos;
- Depois, porque esta eleição é substancialmente diferente da anterior. É mais um referendo que uma eleição.
- Mesmo assim, é preciso ter em atenção: esta eleição decide-se Estado a Estado, através de Colégio Eleitoral. E a esse respeito há que ter em atenção:
- Há cerca de 11 Estados duvidosos, dos quais 5 são absolutamente decisivos (Florida, Pensilvânia, Ohio, Carolina do Norte, Wisconsin).
- Por isso, ambos os candidatos gastam os "últimos cartuchos" nestes 5 estados. Percebe-se que Trump está a tentar recuperar nos últimos dias. Utilizando a sua arma mais forte – os comícios presenciais. Mas fica a sensação de que já será tarde de mais. O número indecisos é baixo e milhões de americanos já votaram.
- O que muda se Biden ganhar? Várias coisas, desde o estilo à política. A mudança mais significativa é o relacionamento dos EUA com a Europa. Com Trump esta relação esfriou. Biden, ao contrário, aposta numa relação e mais próxima com os seus parceiros e aliados. É o que chama a "Liga Democrática" ou a "Frente Democrática" (EUA/UE) para enfrentar as novas ameaças. É todo um novo Roteiro para as Relações Transatlânticas. Por isso, Biden é considerado o "Candidato Europeu".
GERINGONÇA NOS AÇORES
- Grande surpresa nos Açores – Vasco Cordeiro, do PS, teve uma vitória com forte sabor a derrota. Perdeu a maioria absoluta e levou um forte cartão amarelo. José Manuel Bolieiro, do PSD, teve uma derrota com claro sabor a vitória. Não foi o mais votado mas pode conseguir formar uma coligação de governo.
- E agora? Haverá uma de três hipóteses, entre o surreal e o irónico:
- Uma geringonça à esquerda – Vasco Cordeiro está numa posição semelhante à de Passos Coelho em 2015. Teve mais votos mas não consegue governar. E, se o conseguir, será com uma geringonça surreal – o BE, o PAN e o IL. Muito improvável.
- Uma geringonça à direita –José Manuel Bolieiro, ironicamente, está como António Costa em 2015. Não ganhou, mas pode fazer uma geringonça à direita. Uma coligação formal com CDS e PPM, apoiada pelo CHEGA, IL e até PAN.
- Se nenhuma destas hipóteses for viável, teremos novas eleições. O que é um problema sério para os Açorianos.
- Analiticamente falando, PS e PSD têm dois problemas:
- O PS está desesperado. Corre o risco de sair do poder depois de 24 anos seguidos de governação. Mas não pode queixar-se. Foi António Costa que abriu esse precedente em 2015, correndo com Passos Coelho.
- O PSD tem o problema do CHEGA e da IL. O problema do Chega não é um problema regional. Mas os seus reflexos no plano nacional, podem ser um problema. A questão do deputado da IL é diferente. Sabe-se que a IL não apoiará o PS. Mas apoiará a solução proposta pelo PSD?
Uma coisa é certa: estamos mais perto de uma geringonça á direita que á esquerda. O que, a suceder, goste-se ou não se goste, seria histórico.
MORTE VIOLENTA NO AEROPORTO
- Com a pandemia quase passou despercebido um relatório desta semana da Inspecção Geral da Administração Interna que relata uma situação gravíssima. Quase de vergonha nacional. Parece de Terceiro Mundo.
- Em Março deste ano morreu nas instalações do SEF, no Aeroporto de Lisboa, um cidadão ucraniano, por agressões brutais de inspectores do SEF, que depois encobriram a morte, simulando que foi uma morte natural.
- Se não tivesse sido a atenção do médico legista que percebeu que a morte foi violenta e não natural, tudo poderia passar despercebido – seguranças, inspectores e enfermeiros estavam todos orquestrados entre si para encobrirem o homicídio de que foram autores e cúmplices.
- O que dizer desta monstruosidade?
- Primeiro: que é um comportamento inqualificável. Um serviço do Estado, em vez de defender os cidadãos, mata-os. Pior é impossível.
- Segundo: que há um silêncio ensurdecedor da Direcção do SEF. Já devia ter falado, já devia ter censurado, já devia ter pedido desculpas, já devia ter dito o que foi feito para evitar situações futuras semelhantes.
- Terceiro: que se espera que os tribunais sejam firmes a punir os responsáveis deste crime hediondo.
- Quarto: que o Estado, mesmo antes do fim do processo, devia desde já, preventivamente, indemnizar viúva e filhos menores do cidadão ucraniano morto. Era o mínimo de humanidade e carácter que o Estado podia ter!