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29 de Janeiro de 2023 às 21:17

"Com o PS em queda, é cada vez mais difícil encontrar gente com qualidade" para o Governo

No seu espaço de opinião habitual na SIC, o comentador Marques Mendes fala sobre a polémica do altar, a sondagem que coloca PSD à frente do PS, a convenção do Chega, os fundos comunitários, entre outros temas.

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A POLÉMICA DO ALTAR

  1. Esta é a polémica da semana. Uma polémica com várias dimensões:
  • Primeiro, a dimensão política. Esta foi a polémica que deu imenso jeito ao Governo. Permitiu desviar as atenções das trapalhadas governativas das últimas semanas. Foi uma semana de descanso para António Costa.
  • Segundo, a tradição portuguesa. É muito habitual em Portugal, perante grandes obras ou acontecimentos, criticar-se fortemente no início e apoiar-se ferverosamente no final. Foi assim com o CCB, a Expo 98 ou a Ponte Vasco da Gama. No início era tudo megalómano. No final, toda a gente adorou. Vai ser o mesmo com as JMJ. Vai tudo acabar bem.
  • Terceiro, o vício nacional da descoordenação. Devia haver um Comando único de execução deste projecto. Não há. O Governo tem o A CM de Lisboa tem outro. Claro que CM e Governo são de partidos diferentes. Mas nos anos 90 o PM Cavaco Silva e o Presidente da CM Jorge Sampaio também eram de partidos distintos e colaboraram bem. Faz muita impressão que, perante um problema, as várias partes não falem entre si, demorem a sentar-se à mesa ou andem na praça pública a passar culpas umas ás outras.

 

  1. A melhor decisão foi a última de Carlos Moedas: mandar fazer a revisão do projeto do altar, para o tornar mais modesto. O que está previsto é exagero.
  • Não estamos em tempo de exageros. Nem as pessoas gostam, nem o Papa Francisco aprecia. Contenção e sobriedade são necessárias.
  • As pessoas estão hoje muito sensíveis aos gastos públicos. Há 20 anos ninguém se incomodou muito com o exagero de 10 estádios para o Euro 2004. Hoje não é assim. O país mudou muito.
  • Ao que apurei, Carlos Moedas está a estudar três hipóteses de solução para o problema: primeiro, a hipótese de transferir para o Trancão a cerimónia que está prevista para o Parque Eduardo VII, evitando-se o altar que aí está previsto, orçado em cerca de 2 milhões de euros; em alternativa, reduzir substancialmente o custo deste palco; e fazer ao mesmo tempo uma redução do custo do altar no Trancão.

SONDAGEM: PSD À FRENTE DO PS

  1. Uma sondagem da Pitagórica gerou o facto político da semana: pela primeira vez desde 2017, o PSD aparece à frente do PS numa sondagem. Para já é apenas uma sondagem, reflete o péssimo momento do Governo e até pode ser contrariada por outras sondagens no futuro.
  1. Em qualquer caso, há dois pontos a destacar: um no PS, outro no PSD.
  2. O primeiro respeita ao PS. O país está muito zangado com António Costa. O trambolhão é monumental. Num ano o PS perde 1/3 dos eleitores: há um ano teve 41%; um ano depois, tem 27% de intenções de voto. Não é impossível recuperar. Na política não há impossíveis. Mas não vai ser fácil.
  • O Governo é frouxo e o primeiro-ministro precisava, para dar a volta, de o refrescar. Fazer uma grande remodelação e trazer sangue novo. Só que, com o PS em queda, é cada vez mais difícil encontrar "gente" com qualidade e prestígio que aceite. Basta ver a dificuldade que o Governo está a ter para nomear um SE da Agricultura.
  1. O segundo ponto tem a ver com o PSD. O Partido está obviamente satisfeito. Mas não pode embandeirar em arco. Não capitaliza muito com a queda do PS. Mesmo assim, estar à frente do PS, ao fim de tantos anos, dá ao PSD estatuto e responsabilidade. Pode gerar um efeito mobilizador. Foi assim quando o PS de Guterres, nos anos 90, passou à frente do PSD de Cavaco Silva nas sondagens.
  • O PSD precisa de aproveitar esta "viragem" para apresentar causas ao país. Não tem de ser ainda um programa de governo. António Guterres, já aqui o disse, quando era líder da oposição, também só o apresentou no ano das eleições. Mas, no entretanto, é preciso ter causas e iniciativas. Não chega reagir. É preciso agir.

 

CONVENÇÃO DO CHEGA

  1. A Convenção do Chega deste fim de semana foi marcada por um clima de euforia, em grande medida resultante do resultado das sondagens. É normal que assim seja. O mesmo sucedeu com a IL na semana passada.
  1. O que já não é muito normal é a ajuda que PS e PSD estão objetivamente a dar ao crescimento do Chega. Ventura tem obviamente os seus méritos. Mas cresce sobretudo á custa de dois erros, um do PS, outro do PSD.
  • Primeiro, o erro do PS. Como tenho dito repetidamente, os casos e casinhos e a falta de ética no Governo só beneficiam os partidos radicais. São a praga do Executivo. E são a praia do Chega.
  • Depois, o erro do PSD. A ideia ambígua de que, se ganhar eleições, o PSD pode fazer um acordo com o Chega, só beneficia o partido de André Ventura. Há direita, dá um sinal de que votar num partido ou noutro é irrelevante, retirando assim voto útil no PSD. Ao centro, impede o PSD de conquistar eleitores moderados. O PSD tem vantagem em fazer o que fez a IL: "cortar" com o Chega.

 

ELEIÇÕES ANTECIPADAS?

 

  1. A vida política está muito acelerada. O tema está em todo o lado: o Governo chega a 2026 ou vamos ter eleições antecipadas? Analiticamente, eu diria:
  • Até às eleições europeias de junho de 2024 não me parece provável haver antecipação de eleições.
  • Ao contrário, já me parece haver uma forte probabilidade de eleições antecipadas no segundo semestre de 2024. Desde que se conjugam três fatores; uma derrota pesada do PS nas europeias; um continuado desgaste do Governo; a ideia de que o País quer uma alternativa.
  • Assim, teríamos eleições europeias em junho de 2024, legislativas antecipadas entre outubro e dezembro do mesmo ano, autárquicas em setembro de 2025 e presidenciais em janeiro de 2026. Tudo isto é cenário analítico, mas cenário com probabilidade de ocorrer.
  1. A minha opinião, porém, é que é sempre um erro não se cumprirem as legislaturas. Isto aplica-se a governos do PS ou do PSD.
  • Primeiro, a democracia tem regras. Uma das mais importante é que os mandatos devem ser cumpridos. Para que, no final, as pessoas julguem com responsabilidade e os governos não tenham alibis ou desculpas.
  • Segundo, a estabilidade não é um valor absoluto. Mas é um valor essencial. Não tanto para os políticos, mas mais para os Portugueses.
  • Terceiro, uma maioria absoluta só deve ser dissolvida em circunstâncias absolutamente excecionais: implosão da maioria, demissão do PM ou a sua substituição por outro não legitimado nas urnas.
  • Finalmente, a coerência. Cavaco Silva em 1994 e Durão Barroso em 2004 perderam eleições europeias. E não foram "dissolvidos". Apesar do desgaste dos respetivos governos. O desgaste dos governos deve estimular as oposições, não legitimar eleições.

 

FUNDOS: BEM OU MAL APLICADOS?

  1. Nós, portugueses, passamos o tempo a reclamar mais fundos financeiros. Mas nem sempre avaliamos os resultados dos fundos que temos. Afinal, onde estamos a gastar o dinheiro europeu?

A questão é pertinente, por exemplo, face ao Portugal 2020. Este Programa iniciou-se em 2014; termina no final deste ano; já gastámos 23 mil milhões de euros; e temos ainda para investir cerca de 4 mil milhões de euros.

  1. Alguns dados recentemente publicados são importantes:
  • Até ao final de 2022, houve quase 44 mil empresas apoiadas. 6.500 no seu processo de internacionalização. Parece uma estratégia correta.
  • No plano das pessoas, houve mais de 300 mil jovens apoiados em vias profissionalizantes. Um caminho positivo.
  • No plano dos equipamentos, este Programa financiou cerca de mil equipamentos socais e de saúde. Um investimento social louvável.
  • Nas infraestruturas básicas regista-se o financiamento para cerca de 3,400km de redes de saneamento básico. Uma prioridade elementar.
  1. A par destes e outros dados positivos, há também questões intrigantes:
  • Os Fundos Europeus estão a financiar bolsas de Ação Social. No fundo, a UE está a substituir-se ao OE em matéria de ação social escolar. Ora, esta não deve ser a filosofia da solidariedade europeia. Os Fundos Europeus são para somar aos apoios nacionais. Não para os substituir.
  • Em matéria de formação, a perplexidade é ainda maior: 2,5 milhões de pessoas em ações de formação. Um número impressionante. Importa perguntar: é tudo formação ou também há muito desperdício? Alguém está a avaliar? Estamos a ter efetivos ganhos de causa em termos de empregabilidade? Alguém devia esclarecer.

 

NOVA FASE DA GUERRA DA UCRÂNIA

 

  1. Esta é uma semana histórica. Inicia-se uma terceira fase da guerra, com a entrada dos tanques Leopard 2. A 1ª fase, no início, foi a do apoio político à Ucrânia e da aprovação de sanções à Rússia; a 2ª fase foi a da entrega de material militar de cariz defensivo; nesta 3ª fase, o Ocidente sobe o patamar e disponibiliza também equipamento militar de natureza ofensivo.
  1. Várias questões se colocam:
  • A primeira, sobre a bondade da decisão. Esta decisão faz todo o sentido. Por um lado, por uma razão de solidariedade. A Ucrânia está a lutar por si e por nós. Pela sua independência e pelos ideais europeus. Por outro lado, por uma questão de segurança europeia: se a Ucrânia perder a guerra, novas invasões podem surgir no futuro.
  • A segunda questão respeita às hesitações da Alemanha. A Alemanha, apesar do apoio à Ucrânia, sempre tem tido dúvidas existenciais em relação à Rússia. Ora quer derrotá-la. Ora recua nesse desejo. Ora tem uma visão geopolítica clara e coerente; ora pensa na economia e nas vantagens de fazer negócios com a Rússia.
  • A terceira questão é a da importância dos EUA face à Europa. Biden foi decisivo para fazer com que a Alemanha tomasse esta decisão. O que mostra que os EUA continuam a ter uma forte "tutela" sobre a Europa. E que a liderança da Alemanha na UE deixa ainda muito a desejar.
  1. Alguns, mais céticos, legitimamente questionam: mas este passo não pode ser contraproducente, legitimando a Rússia para escalar a guerra e usar armas nucleares? Claro que o risco de escalada existe. Mas convém ter sempre em atenção: quando o Ocidente é fraco, Putin avança. Foi assim que anexou a Crimeia. Quando o Ocidente é firme e coeso, ele perde. Tem sido assim desde o início desta guerra. Putin só percebe a linguagem da força e da coesão.
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