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19 de Novembro de 2017 às 21:16

Marques Mendes: "Este ministro das Finanças é um pândego"

As notas da semana de Luís Marques Mendes, que servem de base ao comentário na SIC. Esta semana fala da economia, do Governo de António Costa, do acordo com os professores e de Angola.

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LUTA DOS PROFESSORES

 

Ainda não se conhecem os contornos concretos do compromisso assinado entre os sindicatos e o Governo. Mas já é possível extrair algumas conclusões.

A primeira conclusão é que esta foi uma semana em que o Governo "andou literalmente aos bonés". Parecia um catavento. O primeiro-ministro dizia que não era possível contar o tempo de serviço passado. A secretária de Estado da Educação admitia, a seguir, o contrário. O PM, logo depois, reiterava que só em abstracto. O Ministério das Finanças sentenciava – efeitos retroactivos nunca, nem pensar. Numa palavra: o Governo andou aos ziguezagues. Parecia uma orquestra desafinada.

 
A segunda conclusão é que estamos no intervalo do jogo. Ainda é cedo para alguma das partes cantar vitória. Está muita coisa em aberto e a 2.ª parte vai ser decisiva. Mas uma coisa é certa: Já não há um empate. O Governo já cedeu numa parte muito importante. E os sindicatos já marcaram um golo.

Até agora, o PM e o MF nunca aceitaram o princípio de contar com o tempo passado. Os 9 anos de descongelamento. E agora aceitaram. Como se vai concretizar, não se sabe! Quantos anos em concreto? Não se sabe? Durante quantos anos se vai concretizar, não se sabe! Mas o princípio está adquirido e aí PM e MF ficaram já vencidos.


Terceira, e mais importante impõe-se uma explicação do ministro das Finanças, no Parlamento. Até agora, Mário Centeno dizia que não havia dinheiro para qualquer efeito retroactivo. Agora, aparentemente, vai haver algum efeito retroactivo. É de 4, 5, 7 ou 9 anos? No se sabe. Mas algum vai haver! O que mudou? Foi a pressão na rua ou foram os números do ministro? O país tem o direito a saber.

ACABOU A AUSTERIDADE?

 
O descongelamento das carreiras na função pública, depois das reposições de salários e de pensões, leva muita gente legitimamente a perguntar: mas acabou mesmo a austeridade? E a minha resposta é: acabou para alguns, os funcionários públicos e os que vivem dependentes do Estado; mas não acabou para todos os trabalhadores do sector privado.

Um exemplo: a maioria dos trabalhadores está no sector privado e apanhou com um brutal aumento de impostos. Qual foi a recuperação que teve até hoje? Nenhuma. Será que as taxas do IRS e do IVA já foram repostas ao nível das de 2011? Nem pensar. E alguma vez essa reposição fiscal vai acontecer? Provavelmente nunca. E, se alguma vez suceder, terá algum efeito retroactivo? Nunca, jamais, em tempo algum.

 
Esta é que uma injustiça gritante. É a ideia de que há dois países dentro do mesmo país. O país ligado ao Estado e o país independente do Estado.

O país ligado ao Estado não teve despedimentos. O país do sector privado perdeu empregos aos milhares.

O país ligado ao Estado não teve que emigrar à procura de emprego. O país do sector privado teve que emigrar para conseguir ter um emprego.

O país ligado ao Estado já teve reposições salariais. O país do sector privado não teve qualquer reposição fiscal. Continua a pagar impostos elevadíssimos. E, agora, com os recibos verdes, ainda vai pagar mais.

 
Dizer isto não é colocar funcionários públicos contra trabalhadores privados. É, antes, chamar a atenção para a necessidade de haver equilíbrio na gestão destas duas realidades. E na verdade não tem havido!

 

MAIS DÉFICE

 
Esta não foi, de facto, uma boa semana para o ministro das Finanças. Não foi só a questão dos professores. Há uma outra questão em que o ministro das Finanças caiu em contradição – é a questão da dívida pública.

No início da semana, Centeno disse publicamente que é urgente começar a reduzir a dívida porque, mais dia, menos dia, a taxa de juro vai subir e isso nos vai penalizar. Afirmações certeiras.

Mas acabou a semana a agravar o défice para 2018. De 1% para 1,1%. Ou seja, agravando o défice, aumenta a dívida. É mais dinheiro que o país tem de pedir emprestado. E são mais juros que Portugal tem de pagar.

Então em que é que devemos acreditar? No ministro do início da semana ou no ministro do final da semana? No que ele diz ou no que ele faz? Porque "a bota não bate com a perdigota". É caso para dizer que este ministro é um "pândego".

 
Esta não é uma questão de somenos. É uma questão vital. Vejamos:

a) Portugal já tem uma dívida elevadíssima. É a terceira maior da União Europeia (130% do PIB).

b) Portugal paga uma factura brutal de juros. Somos o país da UE que mais juros paga (3,9% do PIB).

c) Os juros da nossa dívida são hoje um grande Ministério. Custam mais que o orçamento da Educação e pouco mais que o da Saúde.

 
Se, em tempo de "vacas gordas"m não fazemos um esforço para reduzir fortemente a dívida, quando é que a vamos baixar? E não se diga que o agravamento do défice é por uma boa causa (o apoio à reconstrução devido aos incêndios). Certamente que sim. Mas governar é fazer escolhas. E, para aumentar uma despesa, devia haver a coragem de reduzir outra noutro sector.

 

O NOVO CICLO DE COSTA

 
Com a aprovação deste Orçamento, António Costa vai entrar numa nova fase. E nesta nova fase António Costa vai ter uma vida muito mais difícil da que teve até hoje. Como já se começou a ver com a negociação deste OE. Foi o OE mais difícil de entre os três da geringonça.

Por que é que a vida do PM vai ser mais difícil no futuro? Quatro razões:


a) Primeira: António Costa está em crise de autoridade. Já não tem a autoridade que tinha. Quem o viu e quem o vê. Antes, sempre ao ataque e a liderar. Agora, quase sempre à defesa e à deriva.

Apesar de ter ganho as eleições, apesar de não ter oposição, apesar de ter a economia em alta, está hoje mais fraco do que estava antes.

Porquê? Pela crise dos incêndios, pela crise de Tancos, pela remodelação frouxa que fez, porque não lidera nem toma a iniciativa. O Costismo está a ficar muito parecido com o Guterrismo.


b) Segunda: o PCP mudou de estratégia e, com a nova estratégia, a geringonça já não é o que era. O PCP será no futuro mais duro que no passado.

O PCP já decidiu. Não fará parte de uma próxima geringonça. Vai sair depois de 2019. Ainda esta semana o líder parlamentar o sinalizou.

Só que até lá quer fazer duas coisas: demarcar-se do Governo para não perder votos; aproveitar este e o próximo OE para satisfazer todas as suas reivindicações. Não vai fazer a vida fácil ao PS.


c) Terceira: a partir de 2018, António Costa terá no PSD um novo líder. E com ele uma oposição diferente. Ninguém saberá muito bem como será. Mas será sempre diferente da que foi feita até hoje.


d) Finalmente: o ciclo político não coincide com o ciclo económico. A economia está em alta. Mas vai desacelerar em 2018 e mais ainda em 2019. Ou seja, no ano de eleições, a economia vai crescer menos do que hoje. É governar em contraciclo.

ECONOMIA A DESACELERAR?

 
Aparentemente começou a desaceleração da economia.

    • Crescimento no 1º trimestre – 2,8%
    • Crescimento no 2º trimestre – 3%
    • Crescimento no 3º trimestre – 2,5%

É certo que no final do ano vamos crescer 2,6% (o maior resultado do século) e superior à média europeia – 2,2%. Ou seja, vamos convergir com a Europa.

 
O problema é em 2018 e 2019. Vamos crescer menos do que em 2017 e voltaremos e divergir da UE.

 
Isto tem um problema económico e um problema político.

a) Problema económico – Estamos a fazer pouco internamente para tirar partido da onda europeia. É chapa ganha, chapa gasta. Só se fala em distribuir. Não em produzir.

b) Problema político – Estar a crescer menos que a Europa, em tempo de eleições, quando a tendência é de "vacas gordas", vai ser um problema para o PS e António Costa. A oposição aproveitará. A não ser que ande distraída.

 

 
AS MUDANÇAS EM ANGOLA

 
O que significam estas mudanças? Três coisas:

a) Primeira: que João Lourenço é um grande político. Só um grande político percebe que o poder é para ser exercido e para ser ocupado. Só um grande político percebe que o poder não se exerce sem afrontar os poderes fácticos instalados. Só um grande político percebe que estas mudanças ou se fazem no início de mandato ou nunca mais se fazem. Nunca há uma segunda oportunidade para causar uma primeira boa impressão.

b) Segunda: que João Lourenço está a marcar território, a acumular poder e a sinalizar quem manda. O que ele está a dizer é o seguinte:

  • Que não há nem dois poderes nem poderes paralelos. Apesar de José Eduardo dos Santos ser ainda o presidente do MPLA, quem manda é ele, o Presidente da República, e mais ninguém.
  • Que não está ali, naquelas funções, para ser um simulacro de líder ou o continuador do líder anterior. Chama-se a isto "matar o pai".

c)  Terceira: está a dar um sinal de que há um novo ciclo em construção. No plano do discurso, e por isso tem falado do combate à corrupção e da disparidade entre ricos e pobres. No plano das políticas, e por isso já prometeu mais concorrência em sectores estratégicos. No plano das pessoas, e por isso disparou directamente contra o porta-aviões. No plano da credibilidade. Angola recupera assim muita da credibilidade internacional que havia perdido.

 
Estamos perante uma revolução feita a partir de dentro.

a) Mas é cosmética ou é a sério? Julgo que só pode ser a sério. Doutra forma, tudo isto não passaria de uma aventura. E quem faz o que faz não está para entrar em aventuras. Tudo seria um suicídio.

b) Mas vai ter força dentro do partido ou não? Essa pode ser a grande incógnita. Mas uma coisa é certa: se não tivesse actuado como actuou, nunca João Lourenço teria força e autoridade dentro do partido.

 

Notas Finais

Agência Europeia de Medicamentos 
Amanhã é tomada a decisão em Bruxelas, mas a decisão não vai ser boa para Portugal. A candidatura portuguesa, a do Porto, não vai ter sucesso.

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