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15 de Setembro de 2024 às 21:42

Marques Mendes: Na Justiça está-se a instalar o padrão do interino

No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala do novo ano letivo, da fuga de presos de Vale de Judeus, do estado da segurança e do novo Procurador Geral da República, entre outros temas.

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NOVO ANO LETIVO 

  1. O ano letivo começou com falhas. Menos que no ano anterior, mas ainda com muitas falhas. Perante esta realidade, o Ministério da Educação começou a mudar.
  • Primeiro, apostando nas aprendizagens. Há anos que estamos a baixar nos rankings internacionais e não foi apenas por causa da pandemia. Daí as tutorias, a "proibição" dos telemóveis, a reconfiguração dos exames e a avaliação dos manuais digitais.

  • Segundo, investindo na atratividade da carreira docente. É o caso do acordo para a recuperação do tempo de serviço e do novo subsídio de deslocação para os professores. Tudo isto custa centenas de milhões de euros. Um investimento enorme.

  • O que isto prova é que a equipa do ministério, além de ser uma equipa de luxo e com visão estratégica, tem muito peso político. Nunca se viu um ministro com tanto peso político junto do promeiro-ministro e ministro das Finanças. De outra forma, estes milhões não existiriam. 

  1. Inteligente é a forma como o ME abordou a questão dos estudantes migrantes. Não há boa integração de imigrantes sem o domínio do português e sem uma boa integração das crianças nas escolas.

  • Ora, hoje já há 140 mil alunos migrantes,13,9% do total dos alunos matriculados, a partir de 187 nacionalidades diferentes. Assim, a decisão de apoiar os alunos migrantes, criando 272 mediadores linguísticos e culturais é estratégica para favorecer a sua integração nas escolas. 

  1. Falando de imigração, saúda-se a decisão do ministro Leitão Amaro de criar Centros de Atendimento para a legalização de 400 mil imigrantes em fila de espera. O 1º centro arrancou esta semana. Nas próximas semanas serão mais 10 pelo país fora. Isto não é escancarar portas á imigração. É tê-las abertas, com controle e rigor. É assim que deve ser.

A FUGA DE VALE DE JUDEUS 

  1. A ministra da Justiça reagiu tarde, mas reagiu bem: substituiu o diretor-geral dos Serviços Prisionais, o que era inevitável; ordenou a realização de uma auditoria para avaliar o estado da segurança das cadeias, o que era obrigatório; e mandou fazer uma outra auditoria de gestão, que também se tornou óbvia. Fez tudo isto de modo determinado e bem. 
  1. Mesmo assim, continuamos a ter situações difíceis de compreender:
  • Primeira: desde a fuga dos presos até à mobilização das autoridades para a sua captura passaram horas. O que tudo prova, como diz Ângelo Correia, um especialista, que a falha não foi só na prisão. Foi de todo o sistema de segurança interna.

  • Segunda: o Tribunal de Execução de Penas demorou quatro dias a emitir mandados de captura internacionais. Assim, se no domingo ou na segunda-feira, algum dos evadidos fosse detetado em Espanha, não poderia ser detido por falta de mandado de captura. Isto prova que temos um Estado muito amador.

  • Terceira: igualmente difícil de compreender é este padrão que se está a instalar na Justiça: é tudo interino e provisório.

  1. Diretor da Cadeia de Vale dos Judeus – interino.
  2. Diretor-Geral dos Serviços Prisionais – interino.
  3. Diretor Nacional da Polícia Judiciária – interino, porque já terminou o mandato há mais de três meses e não foi reconduzido nem substituído. Uma anormalidade.

  1. Justa ou injustamente, tudo isto dá uma imagem de desleixo, negligência e incapacidade de decidir. E fragiliza o Estado. Afinal, quem é interino, provisório ou está em mera gestão não tem o mesmo estatuto de liderança que um responsável nomeado a título definitivo.

 O ESTADO DA SEGURANÇA 

  1. A fuga de Vale de Judeus foi um acontecimento grave. Não deve ser desvalorizado. Mas também não deve ser dramatizado. Afinal, o que se passa com Portugal no domínio da segurança em geral e das prisões em particular está perfeitamente enquadrado nos padrões europeus.

  • Somos o 7º país mais seguro do mundo e um dos países da UE com menos crimes violentos face ao número de habitantes. Este é um ativo nacional especialmente relevante.

  • O rácio de reclusos por guarda prisional está em linha com a média europeia: três reclusos por cada guarda. Os sindicatos têm razão ao sublinhar que o número de guardas diminuiu nos últimos anos. Só que também se reduziu o número de presos.

  • A taxa de evasão de reclusos em Portugal está bem abaixo da média na Europa. Em 2022, por exemplo, a Suécia, de dimensão semelhante à nossa, teve quase duas centenas de fugas. Portugal teve apenas 8 fugas. 

  1. Curiosamente, onde Portugal está em contraciclo com a Europa, é noutra vertente. Somos o país da Europa com as penas de prisões mais longas. Neste item, estamos mesmo a liderar. Em média, temos penas de prisão de quase trinta meses, enquanto a média europeia é de apenas 10 meses. Por outro lado, somos o 6º país da Europa com reclusos mais velhos: 25% têm mais de 50 anos. 

  1. Voltando ao início: houve falhas na prisão, no sistema prisional e no sistema de segurança interna. As falhas habituais em Portugal: de gestão, organização e liderança. Convinha que estas falhas fossem corrigidas. Para já só sabemos que houve fuga e que os presos continuam a monte. Falta fazer tudo o resto. 

NOVO PGR 

  1. A atual PGR foi ao Parlamento e a sua prestação foi genericamente criticada, à esquerda e à direita:
  • Foi arrogante. Não teve a humildade de reconhecer um único erro, falha ou exagero.

  • Foi incapaz de distinguir uma crítica normal e legitima de uma campanha orquestrada.

  • Mostrou que, além de falta de autoridade e liderança, também não tem o bom senso exigível nestes lugares. 

  1. Mas também a prestação dos deputados deixa bastante a desejar. Primeiro, como escreveu Miguel Pinheiro, parece que só os processos políticos interessam aos deputados. Depois, convinha reconhecer que nem tudo é mau no MP: a recente investigação no caso Vórtex, em Espinho, é um caso exemplar: investigação rápida e acusação sólida. 

  1. Posto isto, acho que já não vale a pena perder tempo com Lucília Gago. Ela está de saída e não deixa saudades. Importante agora é o futuro:

  • Estamos a dias da escolha de um novo PGR. É essencial que a escolha recaia sobre uma pessoa realmente independente, com capacidade de liderança, de comunicação e de motivação interna.

  • O ideal mesmo era escolher uma pessoa com o perfil de Joana Marques Vidal, do seu círculo ou que tivesse trabalhado consigo.

  • Tenho a convicção de que a escolha do novo PGR, desta vez, vai correr bem. Ninguém quer repetir o mau exemplo de há 6 anos. Desta vez haverá outro cuidado e outra vontade de acertar.

O RELATÓRIO DRAGHI 

  1. Há trinta anos, Lucas Pires dizia que a Europa era um gigante económico, mas um anão político. "Mandava" na economia, mas "não mandava" na política internacional. Depois do relatório de Mario Draghi vê-se que esta afirmação está desatualizada. A UE continua a ser um anão político, mas começa a deixar de ser um gigante económico. Afinal, está a perder competitividade a olhos vistos para os EUA e para a China. 
  1. Este é o relatório do nosso descontentamento. Os números são brutais.
  • Há 20 anos, a diferença entre o PIB dos EUA e o PIB da UE era de 17% a favor dos EUA. Em 2023, esta diferença aumentou para 30%.

  • Nos últimos 20 anos, a UE perdeu quota de mercado no comércio mundial (3 pontos percentuais). Ao invés, a China teve um aumento de 13 pontos percentuais.

  • Os custos energéticos das empresas são muito mais altos na UE que nos EUA. A eletricidade é duas a três vezes mais cara na UE. E no gás natural a diferença é de quatro a cinco vezes mais. Assim, as empresas europeias perdem competitividade.

  • A UE investe muito menos que os EUA em tecnologias de informação, em inovação e em propriedade intelectual. Muitos talentos europeus "fogem" para os EUA. 

  1. Mario Draghi tem uma solução: um super plano Marshall para a UE, com investimentos anuais de 750 a 800 mil milhões de euros. A ideia é boa, mas difícil de viabilizar. É que, a par de uma crise económica, a Europa vive uma crise de liderança política: o motor europeu está gripado. O chanceler alemão está em decadência política; e o presidente francês em declínio acentuado. Acresce que o populismo e a extrema-direita minam a UE. Neste quadro, é difícil haver ousadia e ambição. Mais um desafio para Ursula Von Der Leyen e António Costa.

ELEIÇÕES NOS EUA 

Kamala Harris ganhou o debate com Trump mas teve pouco retorno político nas sondagens. Afinal, o debate trouxe pouco ou nada de novo aos eleitores.
  • Neste momento, Kamala, segundo as sondagens, está à frente, quer no voto universal quer no colégio eleitoral (14 votos de diferença).

  • Mas, atenção: primeiro, tudo se situa ainda dentro da margem de erro; segundo, nunca esqueçamos que Trump costuma ter sondagens piores do que votações. Foi assim em 2016 e em 2000.

  • Numa eleição em que ainda está tudo em aberto, quais são os trunfos políticos de cada um? Kamala tem a seu favor a dinâmica de vitória que pende para o seu lado, porque é neste momento a favorita; a mobilização do partido e dos seus apoiantes tradicionais; e o discurso sobre o aborto que mobiliza especialmente o eleitorado feminino.

  • Trump tem a seu favor, sobretudo, a economia e a imigração. Estes dois temas são, por norma, os calcanhares de Aquiles dos Democratas. Sendo que a economia é a principal motivação dos americanos e isso joga a favor dos Republicanos.

  • Finalmente: o mês de outubro costuma ser nas Presidenciais americanas um mês de surpresas. Mas, como nestas eleições já tivemos surpresas a mais, há que aguardar para ver se a história se repete.
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