Opinião
Condenação do "cartel" da banca é "muito positiva para os portugueses"
No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala dos incêndios, do orçamento do Estado, do "cartel" da banca, da nova Comissão Europeia, entre outros temas.
FOGOS: MELHOR OU PIOR QUE EM 2017?
- A tragédia desta semana era difícil de evitar: temperaturas altas, humidade baixa e ventos fortes conduzem sempre à tempestade perfeita. É em Portugal e em todo o mundo desenvolvido. Basta pensar na calamidade que foram os recentes fogos na Califórnia.
- No combate, houve algumas melhorias em relação a 2017, embora sejam paliativos:
- A Proteção Civil agiu por antecipação em relação aos fatores de risco. Deu informação atempada. A ajuda da UE ocorreu a tempo e horas. O SIRESP não falhou. Não foi o caos que ocorreu em 2017.
- Mas também houve falhas sérias. Por exemplo, ao não serem fechadas a tempo e horas algumas vias de comunicação. O que podia ter gerado uma tragédia semelhante a Pedrógão. Em suma, ainda há muito a fazer.
- O problema de fundo, todavia, é a floresta. Aí não se veem melhorias.
- Primeiro, a atitude. Fala-se de floresta quando há fogos. Depois de acabarem, nunca mais se volta a falar de floresta. No inverno, quando tudo se prepara, políticos e televisões fogem do tema como o diabo da cruz. As TV porque o tema não dá audiências. Os políticos porque não dá votos.
- Segundo, a limpeza. Quase ninguém limpa as matas em Portugal. Os proprietários até preferem pagar as multas. E porquê? Porque a floresta não tem valor económico. Não é rentável. Os donos sentem que a floresta lhes traz despesa e não receita. Este é o problema nuclear. A questão prioritária deve ser, pois, discutir incentivos para dar valor à floresta. O Governo devia criar um grupo de trabalho só com este objetivo: como dar valor económico à floresta. Como a tornar rentável.
- Terceiro, o desleixo do Estado: centrais de biomassa. Seria uma forma de dar valor económico à floresta. De a tornar rentável. Os resíduos das florestas seriam biomassa para fazer energia e passavam a ser pagos aos proprietários. Havia, pois, um incentivo à limpeza. O problema é o Estado: emperra em vez de incentivar.
- O governo anterior prometeu em 2017 abrir concurso para cerca de seis centrais de biomassa. Sete anos depois, o decreto-lei foi alterado três vezes; houve municípios e privados que mostraram vontade de construir centrais; mas nunca o prometido concurso foi aberto. Sete anos de desleixo. Vamos ver como reage agora o novo Governo.
FOGOS: OS INCENDIÁRIOS
- O primeiro-ministro não foi feliz na forma como abordou a questão de alegados interesses obscuros por detrás de vários fogos. Um primeiro-ministro não se pode limitar a dar palpites. Tem de concretizar. Mas, atenção: na questão de fundo, Luís Montenegro tem razão: há demasiado fogo posto; os incendiários criminosos são cada vez em maior número; é precisa uma ação de justiça mais eficaz.
- Os números oficiais mostram que o assunto merece atenção:
- Nos meses de verão, junho, julho e agosto, o fogo posto, de natureza criminosa, é a principal causa de incêndios (50%).
- Os crimes de incêndios são, em regra, cerca de 6 mil por ano. Houve um pico em 2017. Pode este ano haver novo pico. Mas com pico ou sem pico, os números são muito altos.
- O número de presos condenados por crime de fogo posto quase duplicou na última década. Passou de 21 em 2013 para 58 em 2024. Parece, todavia, um número baixo face ao número muito alto de crimes de fogo posto (6 mil por ano).
- Mas, depois, há um facto ainda mais difícil de compreender: só 5% dos condenados o são em regime de prisão efetiva. Há 48% de condenados em regime de pena suspensa.
- Esta questão merece especial reflexão: a lei está certa. Mas a sua aplicação tem de melhorar muito. Primeiro, há penas suspensas a mais. Eu recordo que até uma pena de 6 meses, por crime com negligência, pode não ser suspensa. Segundo, há um escasso recurso a medidas de segurança, que podem ser usadas em relação a pirómanos com doenças mentais. Muita atenção: se não houver mudança na aplicação de lei as pessoas indignam-se e isso gera intranquilidade social. O tema merece reflexão.
FOGOS: A GESTÃO POLÍTICA
- A gestão política foi, no essencial, correta, quer da parte do Governo, quer da parte da oposição. A oposição resistiu à tentação de fazer aproveitamento político, como tinha sucedido no incêndio da Madeira. Pedro Nuno Santos chegou mesmo a dizer, e bem, que é depois de o processo terminar que se fazem perguntas e se tiram conclusões. Isto não é ceder ao Governo. É um sinal de maturidade. A oposição esteve bem.
- O Governo esteve bem: ao nível do primeiro-ministro e ao nível do ministro-adjunto:
- Luís Montenegro mostrou liderança. Ao cancelar a sua agenda e o próprio Congresso do PSD. Ao falar ao país com o Presidente da República logo na segunda-feira. Ao fazer, no dia seguinte, com a presença do Presidente da República, um conselho de ministros extraordinário. Ao constituir uma equipa multidisciplinar para ir de imediato para o terreno. Montenegro não se limitou a reagir. Teve capacidade de agir e de liderar.
- Castro Almeida foi o ministro da semana. É um dos Ministros mais competentes do governo. É sóbrio, sólido e consistente. Fez algo que não é habitual, mas é muito importante: foi para o terreno, fez pontes com os autarcas, acelerou o levantamento de necessidades e apoios para pessoas, empresas e municípios. Esperam-se agora duas coisas: primeiro, rapidez nas decisões sobre os apoios; segundo, combate à burocracia. Não chega anunciar apoios, é preciso que eles cheguem realmente e em tempo útil às pessoas e empresas.
- A exceção foi a ministra da Administração Interna. Vê-se que não lida bem com as questões políticas e de comunicação. Ou é ajudada pelo núcleo político do Governo ou o Governo vai ter, mais dia, menos dia, um problema sério neste ministério.
O ORÇAMENTO
- Esta semana não houve negociações do OE, mas houve um facto mais importante: a sensação de que, depois desta calamidade, ainda é mais difícil abrir uma crise política. Os portugueses já antes não queriam uma crise. Depois desta tragédia estão mais sensíveis. Não vão tolerar que se abra uma crise a propósito do OE. E quem a abrir pagará um preço alto. Esta é a grande novidade desta semana. O país, agora mais do que nunca, precisa de estabilidade e normalidade.
- Continuo a pensar que o OE passa, nem que seja na 25ª hora, desde que haja um mínimo de racionalidade. Em boa verdade, todos perdem com eleições antecipadas.
- O PCP, o BE e o Livre fazem-se de fortes, mas fogem de eleições como o diabo da cruz. Sobretudo PCP e BE: podem ficar mais residuais. Até porque haverá voto útil à esquerda a favor de Pedro Nuno Santos.
- A IL esteve forte nas Europeias, mas, se for sozinha às eleições, pode "encolher" por causa do voto útil a favor do PSD.
- O Chega, que não está em boa forma, pode perder uns 20 a 25 deputados. Metade ou quase metade do grupo parlamentar.
- O PS não ganha nada. Se perder, perde. Se ganhar, também perde porque não consegue uma solução maioritária para governar. E aí Pedro Nuno Santos até pode perder a liderança.
- A AD também não ganha. Mesmo que volte a ganhar, será mais do mesmo. Não ganhará maioria absoluta. Logo, fica tudo igual.
- O melhor mesmo é haver humildade de parte a parte: do Governo e do PS. Para negociar o OE, para evitar a crise e garantir a estabilidade.
O CARTEL DA BANCA
- Aconteceu esta semana uma decisão judicial histórica: o Tribunal da Concorrência condenou os principais bancos portugueses a crimes que no total ascendem a 225 milhões de euros, por, entre 2002 e 2023, terem violado as regras da concorrência e divulgado uns aos outros os spreads que iam aplicar no crédito à habitação, ao consumo e às empresas. Foi o chamado "cartel da banca".
- Esta condenação é muito má para os bancos, mas é muito positiva para os portugueses.
- É muito má para os bancos. É um dano de reputação enorme. Além do prejuízo com as coimas a pagar, estes 10 bancos ficam afetados na sua credibilidade. É certo que os factos ocorreram há anos e os gestores até já não são os mesmos. Mas o dano de reputação fica e mancha os bancos.
- É muito positiva para os portugueses em geral. Em especial para os clientes dos bancos. É a certeza de que, mesmo as entidades mais poderosas da sociedade são investigadas e são condenadas nos Tribunais. Não passam impunes. É que todas as práticas que violam as regras da concorrência são lesivas dos consumidores.
- Claro que os bancos ainda podem recorrer. Mas, depois do parecer emitido pelo Tribunal de Justiça Europeu, não é provável que consigam sucesso no recurso. O que pode suceder é o oposto: é haver consumidores, a partir de agora, a pedirem em tribunal indemnizações aos bancos agora condenados.
A NOVA COMISSÃO EUROPEIA
- Acabou o ciclo de escolhas dos decisores europeus. E podem facilmente tirar-se duas conclusões:
- A primeira é que a presidente da Comissão Europeia reforçou o seu poder. Não tem número dois assumido. Substitui os Comissários que lhe faziam frente (Breton). Nas questões essenciais, é ela, e só ela que decide.
- A segunda é que o Leste Europeu passou a ter um peso que nunca teve. Através de Kaja Kallas, a "MNE" da UE, oriunda da Estónia; do Comissário da Defesa, vindo da Lituânia; e do Comissário da Polónia, que passa a deter a importante pasta do Orçamento. Um sinal de que, pelo lado da UE, Putin não terá vida fácil.
- Quanto a Portugal, saiu-lhe a sorte grande: ter um português a presidente da Comissão Europeia e uma comissária com o importante pelouro dos Serviços Financeiros não é muito habitual. O que prova duas coisas:
- Por um lado, o peso negocial de Luís Montenegro. Este peso é grande porque há meses Luís Montenegro foi um dos grandes defensores de Ursula Von Der Leyen no PPE quando ela era contestada.
- Por outro lado, o mérito indiscutível para estes lugares, quer de António Costa, quer de Maria Luís Albuquerque.
- Falta agora dar a Portugal mais peso nos cargos dirigentes. Recordo que não temos sequer um diretor-geral. Já tivemos, já deixámos de ter e temos que voltar a ter.