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Luís Marques Mendes 25 de Agosto de 2024 às 21:32

Há meses que o Chega anda a perder espaço político

No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala do suplemento para os pensionistas, do Orçamento do Estado e da proposta do Chega para referendara imigração, entre outros temas.

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AUMENTO DAS PENSÕES

 

  1. A surpresa de agosto é a atribuição de um bónus extraordinário a 2,4 milhões de pensionistas, com três escalões de apoio, de pagamento automático em outubro, com um custo de 400 milhões de euros. Esta decisão suscitou várias críticas: uma crítica política; outra financeira; e uma terceira, de natureza social.

 

  1. Será que fazem sentido estas críticas?
  • A crítica política é que esta medida é eleitoralista. Sejamos honestos: qualquer político, sempre que toma uma decisão, pensa no voto dos eleitores. Isto não é exclusivo de Montenegro. Pelo contrário: o atual primeiro-ministro até está a cumprir o que prometeu antes das eleições: reconciliar o PSD com os pensionistas.
  • A crítica financeira é que o Estado não devia gastar este dinheiro para evitar voltar aos défices. É outra crítica sem sentido. O Estado terá escassa folga orçamental em 2025. Em 2026 pode mesmo ter um pequeno défice, por causa dos empréstimos do PRR. Mas este ano tem uma folga financeira enorme. Por isso é que esta medida é tomada agora e se aplica apenas em 2024.
  • A crítica social é a de que este aumento extra não se justificava. Afinal, os pensionistas vão ter os seus aumentos anuais e a inflação está contida. Só diz isto quem não sabe o que é viver com pensões de 600, 700 euros, ou até menos. É preciso sensibilidade social. Sempre que o Estado tiver folga, deve aproveitá-la para melhorar a vida dos mais vulneráveis.

 

 ORÇAMENTO APROVADO?

 

  1. Aproxima-se o debate orçamental. E, com isso, há muita gente preocupada com a eventual rejeição do Orçamento. Afinal, ninguém quer uma crise política. O que vai então acontecer?
  • Primeiro, acho que o OE vai ser aprovado. E é bom que assim seja, que não haja crise política e muito menos eleições antecipadas. O país precisa de estabilidade e normalidade.
  • Segundo, com negociações ou sem negociações, acho que o PS vai viabilizar o OE. E, se o fizer, ganhará credibilidade. É a ideia de que dá primazia ao interesse nacional.

 

  1. Posto isto, há duas questões ainda a considerar:
  • A primeira questão é que não é só o Chega que deseja eleições. Também no PSD há dirigentes que gostariam de ir novamente a votos. Não o dizem, mas pensam-no. A ideia é que eleições antecipadas nos próximos meses poderiam reforçar a AD e fazer com que o Governo fosse menos minoritário. No fundo, é o sonho cavaquista de 1987. Não me parece viável ou recomendável.
  • A segunda questão é mais importante: o PS vai viabilizar o OE com negociações ou sem negociações? Se for através de negociações, o PS até pode ter alguns ganhos de causa, mas fica comprometido com o conteúdo do OE; se a viabilização for sem negociações, como fez Marcelo no tempo de Guterres, o PS ganha credibilidade sem se comprometer com o OE. A decisão cabe a Pedro Nuno Santos. Há que aguardar pelo seu discurso do próximo domingo. Pode ser um momento clarificador.

  

CORTAR NAS GORDURAS DO ESTADO

 

  1. Fala-se muito da aprovação do OE. Mas fala-se pouco do conteúdo do OE. E é pena. Governar não pode ser só baixar impostos e passar cheques, mesmo que justos. Também é isso. Mas tem de ser mais do que isso. É preciso uma marca reformista no próximo OE.

 

  1. Nesse sentido, o próximo OE devia prever um plano para cortar nas gorduras do Estado: fundir serviços inúteis ou com competências sobrepostas, que custam milhões de euros; cortar nos lugares de gestores, diretores e assessores que só alimentam clientelas dos partidos; reduzir a frota automóvel do Estado, que é um exagero. Se o governo cortar nas gorduras do Estado, pode poupar muito para melhorar pensões e reforçar o Estado social.

 

  1. Há pouco tempo, o Governo fundiu Secretarias Gerais dos Ministérios. Uma medida positiva, mas simbólica. É preciso ir mais longe:
  • O Estado Central tem 645 entidades públicas: 172 empresas públicas; 223 institutos, fundações e fundos autónomos; 134 comissões e unidades técnicas; 70 órgãos consultivos e equipas de missão; 46 direções gerais. Em todo este universo há muita fusão e poupança que pode ser feita.
  • O Estado é detentor de participações em empresas que bem pode vender ou concessionar: participação num matadouro regional; participação num centro comercial em Macau; participação no autódromo do Estoril ou na Companhia das Lezírias; participações em empresas de estudos e projetos. Estes são alguns exemplos, entre muitos, em que um espírito reformista seria útil ao país. Um governo da AD tem esse dever reformista.

 

O REFERENDO DO CHEGA

 

  1. O facto político da semana foi o desafio do Chega para um referendo sobre imigração. Ocupou um enorme espaço mediático. Nesse plano, André Ventura marcou pontos. Fora isso, esta não é uma proposta para levar a sério: não vai haver qualquer referendo; um referendo nesta matéria é quase impraticável; e o Chega nem sequer é capaz de apresentar uma pergunta para referendo que "passe" no TC.

 

  1. Sendo assim, qual a razão do desafio? O OE é apenas o pretexto.
  • Primeiro, trata-se de uma manobra para recuperar protagonismo. Manobra inteligente, mas uma manobra. Há meses que o Chega anda a perder espaço político. Uma coisa é ser oposição a um governo de esquerda como era o governo de António Costa, ainda por cima desgastado e em fim de ciclo. Outra coisa, mais difícil, é ser oposição a um governo de centro-direita, ainda por cima fresco e em início de mandato. Logo, estando a perder espaço, o Chega procura "números" mediáticos para ganhar palco.
  • Segundo, é uma tentativa de "entalar" PS e PSD. O Chega não quer negociar o OE. Prefere que ele "passe" com o voto do PSD e do PS. Para dizer que é o Bloco Central a funcionar. Percebe-se a ideia, mas ela não terá sucesso. Se o PS viabilizar o OE, Pedro Nuno Santos não vai perder um voto com isso. Até vai ganhar credibilidade e sentido de Estado. E o Governo, fazendo algumas cedências, também ganha. Mostra que é um governo de diálogo.

  

 A IMIGRAÇÃO EM DEBATE

 

  1. Não faz qualquer sentido referendar a imigração. Mas faz todo o sentido debatê-la. Aí o Chega tem razão. Há, de resto, muito boa gente que não tem a ver com o Chega e que está preocupada com a evolução da imigração. Discuti-la com verdade é a melhor pedagogia. A começar por algumas ideias erradas, que importa corrigir.

 

  1. Vejamos algumas delas:
  • A ideia de que os imigrantes "tiram" os empregos aos portugueses. É uma ideia errada. A prova é que temos das taxas de desemprego mais baixas de sempre, enquanto o número de imigrantes tem vindo a aumentar. Afinal, há oportunidades para todos. O país precisa de mão-de-obra e os imigrantes fazem trabalhos que os portugueses já não querem fazer.
  • A ideia de que os imigrantes "sugam" muitos apoios sociais. Outra ideia falsa. É tudo exatamente ao contrário. Os imigrantes estão a ajudar a pagar as pensões de reforma dos portugueses. Têm a seu favor um saldo de 1,6 mil milhões de euros na Segurança Social. Descontam muito mais do que recebem.
  • A ideia de que imigração é sinónimo de criminalidade. Nova ideia falsa. Os números provam exatamente o contrário. O número de imigrantes tem vindo a aumentar e, todavia, a população prisional ligada à imigração tem vindo a diminuir.
  • A ideia de que a imigração é um problema. Nada disso. É uma oportunidade, sobretudo para as empresas. Basta ver que há setores cada vez mais dependentes da emigração. É o caso da agricultura, restauração e construção. E com o PRR a dependência será maior.

 

ELEIÇÕES NOS EUA

 

  1. Portugueses e europeus não votam nas eleições dos EUA. Mesmo assim, não pode haver uma hesitação: de um lado, está uma democrata, Kamala Harris; do outro lado, está um político que não respeita as regras básicas da democracia. Não reconheceu os resultados eleitorais de 2020. Quando assim é, não pode haver hesitação na escolha.

 

  1. A esta luz, a Convenção Democrata não foi só um sucesso mediático. Foi também um bom exercício de democracia. Houve bons discursos, como os do casal Obama; houve gente normal a falar para americanos normais, como foi o caso de Tim Walz; houve intervenções mais centristas e mais progressistas; e houve Kamala Harris: não tem muitas propostas, mas tem propostas com princípios e valores. Aqui chegados, pensando no futuro, há três aspetos a destacar:
  • Primeiro: há uma dinâmica de vitória a favor dos Democratas. Vê-se nas sondagens e na mobilização. Há um mês, Trump estava praticamente eleito. Um mês depois, tudo está empatado. Um empate que favorece os Democratas. Antes estavam perdidos.
  • Segundo: há um sério desafio pela frente, o debate de 10 de setembro. Em teoria, Trump tem vantagem. Tem mais traquejo. Mas Kamala pode surpreender. Até porque em relação a Trump há expectativas altas e isso pode virar-se contra si.
  • Terceiro: os Democratas "sonham" com um cessar-fogo em Gaza. Nesta altura do campeonato eleitoral, seria um trunfo sério para os Democratas. Além de uma grande vitória humanitária.

 

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