Opinião
Marques Mendes: "Pode ser um dos Conselhos de Estado mais importantes de Marcelo"
No seu habitual espaço de opinião na SIC, Luís Marques Mendes fala do Conselho de Estado, do estado da saúde, da polémica da TAP e do novo ano letivo, entre outros temas.
O ESTADO DA SAÚDE
1. A Ministra da Saúde fez algo de louvável: um balanço de 100 dias do Programa de Emergência, com o reconhecimento de que muitas coisas não correram bem. Este gesto de humildade só fica bem a qualquer ministro. Não é normal, mas é louvável.
2. O balanço é, de facto, frágil: das 15 medidas urgentes previstas, só 8 estão cumpridas; o resultado mais positivo é o fim das listas de espera oncológicas; o resultado é mediano nas demais listas de espera cirúrgicas e de consultas; e o resultado mais negativo é nas urgências obstétricas: demasiados encerramentos e partos excessivos em ambulâncias. Algo de absolutamente anormal.
3. Tudo isto sucedeu porque, apesar da competência e boa vontade da Ministra, houve alguns erros cometidos:
· Primeiro, expectativas exageradas que foram criadas em torno deste Programa. Ora, expectativas altas só conduzem normalmente a falhanços. Faltou pedagogia a explicar ao país que não se resolvem em meses problemas acumulados em anos. Foi uma certa ingenuidade política.
· Segundo, tem faltado à Ministra um escudo protetor, como no passado era Fernando Araújo. O novo diretor da CE até pode ser competente. Mas não tem o estatuto do seu antecessor.
4. O Inverno é agora o teste decisivo. Se a resposta da Saúde no Inverno correr bem, a má imagem deste Verão apaga-se. Se o Inverno correr mal, a fragilidade política da Ministra reforça-se.
MÉDICOS A MAIS OU A MENOS?
1. Falar em saúde é também falar de médicos. Há algumas semanas, a Ordem dos Médicos disse que Portugal é o segundo país que mais médicos tem por habitantes na UE. Este argumento é distorcido.
· É verdade que, segundo os últimos dados da OCDE, em 2021, Portugal está em segundo lugar, logo a seguir à Grécia, no número de médicos por mil habitantes.
· Só que a OCDE alerta, no mesmo relatório, que os números de Portugal estão empolados em 30%. Tudo porque, nos médicos inscritos na OM incluem-se também os que já estão reformados ou que emigraram.
· Assim, com a correção dos referidos 30%, Portugal já não estaria em 2º lugar no ranking europeu, mas sim em 16º lugar.
2. Em qualquer caso, se formar mais médicos pode ser importante, isso não deve desviar-nos da tarefa mais urgente: cuidar da gestão, organização e atratividade do SNS. Esta é a prioridade.
· Podemos ter mais médicos, mas se o SNS não for atrativo eles fogem para o setor privado ou para o estrangeiro.
· Daí a importância que pode ter a decisão de criar 20 USF modelo C. Uma espécie de PPP nos centros de saúde. Pode ser a oportunidade de se evitar que mais médicos saiam para o privado e de tentar que médicos do privado possam regressar. Esperemos para ver os resultados. Uma coisa é certa: é uma medida com espírito reformador. Nos dias que correm é raro.
A POLÉMICA DA TAP
1. Nada do que veio a público é novo. Foi tratado como novo por alguns comentadores, é verdade. Mas o que é realmente novo é a auditoria da IGF. Até a questão do MP não tem novidade. Há muito tempo que o MP analisa o caso. Mas mesmo repetida, a questão é delicada.
2. Quanto à questão de fundo, há três aspetos a ter em conta:
· Primeiro, a privatização da TAP em 2015 enferma de um vício grave: foi encerrada por um governo de gestão, já depois das eleições e quando já havia na calha outro governo. Um erro. A venda ou era fechada antes das eleições ou devia ter ficado para o novo governo. Com este erro ficou tudo envenenado.
· Segundo, a operação em causa é complexa e parece ser de duvidosa legalidade. As opiniões dividem-se. A IGF diz que pode ser ilegal; em 2015 um parecer jurídico avalizou a sua legalidade; em 2022, novo parecer voltou á ideia de ilegalidade. Há que aguardar pela decisão da justiça. Mas atenção: se houver um antigo governante constituído arguido, podemos ter um berbicacho político.
· Terceiro, o Ministro Pinto Luz. É o alvo mais fácil porque é ministro. Mas com base nos factos é aquele que praticamente não tem responsabilidade. Primeiro, só esteve no governo 26 dias; segundo, quando entrou no governo, a privatização já estava decidida desde junho; terceiro, não esteve no CM de novembro que aprovou a resolução final da venda (só a MF Maria Luís Albuquerque e o ME Morais Leitão); quarto, não tem qualquer assinatura nos documentos contratuais; quinto, era SE, mas não tinha sequer delegação de competências do seu Ministro.
NOVO ANO LETIVO
1. O PM baixou as expectativas relativamente à abertura do ano letivo. Fez bem. O ano letivo vai abrir com menos problemas que o anterior, mas ainda assim com muitas lacunas.
· Em setembro de 2023, o ano letivo abriu com 324 mil alunos sem aulas a, pelo menos, uma disciplina. Este ano letivo o número reduz-se para 223 mil alunos. Uma redução de 31%. É uma melhoria. Mas uma melhoria ainda muito curta.
· A previsão oficial para o fim do 1º período já é mais esperançosa: no fim do primeiro período do ano letivo anterior, ainda havia 20 mil alunos sem aulas a, pelo menos, uma disciplina; a previsão para este ano letivo é de uma redução de 90% (ou seja, uma redução para 2.088 alunos).
· Tudo isto resulta de anos de negligência que não anteciparam a falta de professores, designadamente pelo envelhecimento da classe. A boa notícia é que há várias medidas em curso para combater a situação. Uma delas será aprovada no próximo CM: um incentivo salarial aos professores que aceitem lecionar nas áreas mais carenciadas (Lisboa, Setúbal e Algarve).
2. Com o novo ano letivo volta a polémica dos telemóveis nas escolas. Serão proibidos ou mantidos? A Europa está a proibir cada vez mais.
· França: o país com posições mais firmes nesta matéria. Uso de telemóveis nas escolas é proibido desde 2018.
· Alemanha: maioria das escolas, por sua iniciativa, baniu o uso de telemóveis nas aulas.
· Países Baixos: governo impôs proibição no ensino secundário. Neste novo ano letivo avança a proibição no ensino básico.
· Espanha: não existe proibição por decisão governativa. Algumas escolas impuseram a proibição.
· Portugal: as escolas têm autonomia de decisão. Dezassete agrupamentos já restringiram a utilização. A novidade é que o governo se prepara para emitir uma recomendação que pode ser de proibição. Afinal, os malefícios são grandes, sobretudo no desempenho escolar dos jovens.
O CONSELHO DE ESTADO
1. O PR agendou um Conselho de Estado para 1 de outubro. A agenda parece inócua: o estado da economia. Mas o objetivo é claro: fazer pontes entre Governo e PS com vista à viabilização do OE. Este pode ser um dos Conselhos de Estado mais importantes do mandato de Marcelo Rebelo de Sousa. Já houve CE para resolver crises. Mas este pode ajudar a evitar uma crise. Faz pressão a favor da estabilidade.
2. O que este agendamento prova é o seguinte:
· Primeiro, que o PR está muito atento à situação e não quer facilitar. Quer agir por antecipação para evitar uma nova crise.
· Segundo, que o PR percebe que nada está garantido e um acordo sobre o OE pode ocorrer na 25ª hora.
· Terceiro, que não pode haver crise. Se houvesse crise teríamos o seguinte calendário eleitoral: eleições legislativas em fevereiro de 2025; autárquicas em setembro de 2025; presidenciais em janeiro de 2026. Três eleições em onze meses. Uma loucura total.
3. Posto isto, há três coisas absolutamente necessárias:
· É preciso reduzir o ruído político em torno do OE. Há ruído a mais. Este ruido prejudica as negociações.
· É precisa mais humildade no debate. Do Governo, porque é minoritário. Do PS, porque em causa está o interesse nacional.
· É preciso da atenção ao conteúdo do OE. Precisamos de ter Orçamento. Mas precisamos de OE com espírito reformista.