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01 de Setembro de 2024 às 21:21

Marques Mendes: É importante que primeiro-ministro e líder do PS falem um com o outro

As notas de Marques Mendes no seu comentário semanal na SIC. O comentador fala sobre o orçamento, a rentrée no PS e PSD, e a crise na habitação entre outros temas.

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A RENTRÉE DO PS

Nestas rentrées, houve dois discursos, o do Primeiro-ministro (PM) e o do líder do PS, que geram esperança: esperança na aprovação do Orçamento do Estado (OE). Esperança de que não haja qualquer crise. As portas não estão escancaradas, mas estão abertas. Ninguém as fechou.

Comecemos por Pedro Nuno Santos. Fez um bom discurso, claro e bem estruturado:

Primeiro, grande humildade a reconhecer os erros da governação anterior. Claro que a defende, mas também aponta os seus erros.

Segundo, um discurso forte de oposição, a responsabilizar o Governo. Especialmente na Saúde e nas mudanças fiscais. O que é absolutamente normal num partido da oposição.

Terceiro, um discurso que mostra vontade de viabilizar o OE. A prova maior é o enfoque que dá ao lançamento dos novos Estados Gerais do PS, logo a seguir ao Orçamento. O que pressupõe que haja OE e não eleições.

Na questão do OE o líder do PS é especialmente claro, mas prudente:

Tem abertura para negociar o Orçamento. Com duas condições: desde que tenha informação financeira e desde que o Governo tenha abertura para alterar o regime do IRC e do IRS Jovem. Não é colocar em causa estas duas medidas. É querer a sua modelação. Ajustar e calibrar estas duas medidas.

Como sempre tive ocasião de dizer, o segredo da negociação do OE passa por estes dois pontos – o IRC e o IRS Jovem. A solução parece óbvia: encontrar um caminho intermédio entre duas vontades diferentes. O Governo não perde a face porque não abdica das suas ideias. O PS não perde a face porque consegue calibrar as intenções governativas. Assim, o país evita uma crise. E o Governo garante um Orçamento não desfigurado.

A RENTRÉE DO PSD

O discurso de Luís Montenegro foi outro bom discurso. Tem pontos em comum com o Pontal: em ambos os discursos, Luís Montenegro falou para os grandes grupos sociais – no Pontal falou sobretudo para pensionistas e reformados; desta vez, o enfoque foi no apoio aos jovens, sobretudo no plano do IRS. E tem uma diferença grande – no Pontal não falou do Orçamento. Desta vez dedicou-lhe uma atenção especial.

Aqui, a respeito do OE, o PM foi suficientemente claro para ser credível e suficientemente enigmático para pressionar a oposição.

Por um lado, foi suficientemente claro em três pontos: primeiro, vai haver negociações sobre o OE este mês, tal como tinha sido combinado; segundo, só haverá um parceiro negocial decisivo em termos de votos, o PS, porque o Chega pôs-se de fora; terceiro, se não houver acordo, o governo responsabilizará a oposição: "quem fala de eleitoralismo é quem quer provocar eleições" disse o PM.

Por outro lado, foi suficientemente enigmático em dois aspetos: primeiro: o que é que o Governo prefere? Um acordo no OE ou eleições antecipadas? Parece ser um acordo, mas vê-se que o PM também está preparado para eleições. Segundo, tem uma frase lapidar que diz quase tudo: "O país está com o Governo. Falta saber se a oposição está com o país". Mostra, desta forma, que não despreza a ideia de eleições e que, a existirem, elas serão mais arriscadas para a oposição que para o Governo. É tudo suficientemente enigmático para colocar pressão negocial sobre a oposição. Normal nos momentos que antecedem importantes negociações.

A NOVELA DO ORÇAMENTO

Muitos portugueses questionam o porquê desta novela orçamental que se arrasta há meses e que ainda vai continuar. A resposta é simples: há dramas políticos a resolver, quer da parte do PS, quer da parte da AD.

Primeiro, o drama do PS. É sempre um drama para a liderança da oposição ter de viabilizar um OE. Foi assim com Marcelo no tempo de Guterres. Foi assim com Seguro no primeiro OE de Passos Coelho. Houve sempre críticas. É preciso, pois, compreender as dificuldades de Pedro Nuno Santos. Apesar disso, o PS tem, desta vez, algumas vantagens: ninguém no PS está a pedir o chumbo do OE; ter estabilidade é o que os portugueses mais desejam; aprovar este OE até pode ser uma causa popular para quem o venha a viabilizar.

Segundo, o drama da AD. O PM quer ter OE aprovado. Ainda hoje foi muito claro. Mas no âmbito da AD também há pessoas que gostariam de um chumbo do OE para irem a eleições e reforçarem a sua maioria relativa. Até porque, não havendo eleições antecipadas agora, elas só são possíveis, na melhor das hipóteses, lá para junho de 2026. Só que nada disto é viável ou recomendável. Primeiro, porque o PS de hoje não é o PRD de 1987. O PS não vai abrir ao Governo uma avenida eleitoral como o PRD abriu a Cavaco em 1987. Depois, porque o Governo precisa de tempo para consolidar uma imagem que lhe permita ambicionar uma maioria no futuro.

Assim sendo, o importante é que os dois líderes, PM e líder do PS, falem um com o outro. Que falem com recato e com discrição, mas que falem. O país precisa de diálogo e estabilidade. Não quer qualquer crise.

O CUSTO DA HABITAÇÃO

Como nem só de política pura vive o país, importa avaliar também o que mais interessa ao país real. É o caso da habitação. Um setor onde há boas notícias e notícias menos boas. Comecemos pelas melhores:

No crédito à habitação as prestações ao banco estão a baixar de forma significativa. Segundo as previsões da DECO, vamos ter em setembro, em todos os segmentos da Euribor, as maiores descidas das prestações mensais desde 2009.

Acresce que esta tendência deve prosseguir no futuro. Primeiro, porque a taxa de inflação está a baixar. Em Portugal, atingiu um valor significativamente baixo em agosto (1,9%). E na Zona Euro baixou para 2,2%. Assim, as expectativas apontam para que o BCE possa aprovar este mês uma nova redução das taxas de juro.

Depois, as notícias piores: alojamento estudantil e valor das casas:

No alojamento estudantil, o preço médio por quarto aumentou muito este ano (12,5% em relação a 2023). O valor médio do quarto é hoje de 397€ e em Lisboa consegue ser bastante superior (480€).

No preço das casas, os valores são ainda piores. A habitação é hoje mais cara em Portugal que em Espanha (mais23%). Lisboa e Porto têm preços por metro quadrado mais altos que Madrid. Em Lisboa, a diferença é de 60% mais. Quase um escândalo.

Tudo isto apesar de os rendimentos serem mais baixos em Portugal: o salário mínimo é inferior em 28% ao espanhol; e o salário médio está 16% abaixo. O contraste é preocupante.

Combater esta situação só é possível com mais construção e mais terrenos para construção. O Governo prometeu mudar a lei para dar poderes às Câmaras para alargarem o volume de terrenos para construção. Uma medida urgente. Pergunta-se: quando é que o Governo vai mesmo aprovar esta medida? Nunca foi tão necessária.

A NOVA COMISSÁRIA

Neste processo foi tudo relativamente previsível. Era muito previsível a escolha de Maria Luís Albuquerque, porque é uma pessoa muito próxima do PM. Era totalmente previsível a reação crítica da oposição. Era bastante previsível que voltassem ao de cima os traumas que o tempo da troika deixou em Portugal, porque são traumas muito profundos.

Consumada a decisão, há que sublinhar:

Primeiro, goste-se ou não se goste de Maria Luís Albuquerque, ela tem perfil, curriculum e experiência mais que suficientes para ser Comissária Europeia e para fazer um bom lugar. Até António Vitorino o reconheceu. Ele que é uma figura do Partido Socialista e um ex-Comissário europeu. Um ex-Comissário que, de resto, fez um excelente lugar e sabe do que fala.

Segundo, deixemo-nos de demagogia e sejamos honestos: se, no tempo da troika, o governo fosse do PS e o Ministro das Finanças fosse socialista, as medidas adotadas seriam basicamente as mesmas que a ex-Ministra adotou. Afinal, quem verdadeiramente mandava nesse tempo não era o governo. Eram os credores internacionais. Aqueles que emprestavam o dinheiro.

Terceiro, o que podia e devia ter sido diferente nesse tempo era a comunicação e o discurso político. Aí, sim, no plano do discurso e da comunicação, o governo de então falhou. Fora isso, no plano das decisões e dos resultados, Maria Luís Albuquerque esteve do lado da solução e não do problema. Foi com ela, de resto, que ocorreu a saída limpa da troika.

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