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08 de Janeiro de 2017 às 20:52

Notas da semana de Marques Mendes

A análise de Luís Marques Mendes ao que marcou a última semana, naqueles que são os principais excertos da sua intervenção na SIC. O comentador recorda Mário Soares.

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I – Mário Soares foi a maior figura da democracia portuguesa. E provavelmente a maior figura política portuguesa do século XX.

 

a) Primeiro, pela influência que teve nas principais fases da construção do nosso regime democrático.

  • Na luta pela liberdade, antes do 25 de Abril;
  • No combate ao PREC, depois do 25 de Abril;
  • No fim da tutela militar;
  • Na integração europeia de Portugal;
  • Na normalização democrática, a partir de 1985;
  • Na afirmação de Portugal no exterior.

 

b) Segundo, pelas qualidades que evidenciou:

  • Um político corajoso e determinado;
  • Um político com visão estratégica. Ele sabia o que queria (uma democracia civil, pluralista e um país integrado na Europa) e o que não queria (não queria totalitarismos, de direita ou de esquerda).
  • Um político altamente carismático, que marcou decisivamente várias décadas da vida nacional.

AS PRINCIPAIS FASES DA VIDA DE SOARES

 

  1. A fase da luta pela liberdade

Desde muito cedo, Mário Soares teve uma preocupação – constituir uma oposição de esquerda, socialista autónoma do Partido Comunista Português.


Por isso, funda a Resistência Republicana e Socialista, mais tarde a Acção Socialista Portuguesa e em 1969 a Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD) e chega mesmo a concorrer a Deputado pelo círculo de Lisboa.

 
Foi preso 13 vezes pela PIDE, deportado em S. Tomé e exilado em França;

 
Participou nas campanhas presidenciais de Norton de Matos e de Humberto Delgado;

E em 1973 fundou na Alemanha o Partido Socialista, de que foi o primeiro Secretário-Geral;


Em conclusão: são 30 anos de luta pela liberdade, antes do 25 de Abril, contra o totalitarismo de direita.

  1. A fase do combate ao PREC

 

São, sobretudo, quatro momentos capitais, sempre com a mesma preocupação: a defesa da liberdade:

Em Janeiro de 1975 o combate à unicidade sindical imposta pelo MFA/PCP/Intersindical – Soares ganha, a unicidade sindical cai, afirma-se a liberdade sindical.


Em Março de 1975 depois do Golpe de 11 de Março, o MFA tenta adiar as eleições para a Constituinte. Soares opõe-se e ameaça sair do Governo Provisório. O MFA recua, as eleições fazem-se e o PS ganha-as. Afirma-se a liberdade politica e a democracia pluralista.

 
Tendo perdido nas urnas, o PCP leva a luta para a rua. Soares combate do mesmo modo. Em Junho de 1975, organiza o célebre Comício da Fonte Luminosa contra o totalitarismo de esquerda e assinala-se um momento de viragem. A liberdade de pensamento afirma-se.


Em Novembro de 1975 – o debate televisivo Soares/Cunhal: um debate decisivo, que antecede o 25 de Novembro. Soares afirma-se como o líder da oposição ao totalitarismo de esquerda.


Em conclusão: depois do 25 de Abril a mesma luta de sempre, pela liberdade  e a mesma qualidade de sempre, a coragem.

  1. A fase do conflito Eanes/Soares

Em 1976, o país tinha dois grandes protagonistas – o vencedor militar (Ramalho Eanes) e o vencedor político (Mário Soares).


Dois protagonistas que começaram por coexistir tranquilamente, mas que a  partir de 1978 entraram em rota de colisão – um com uma visão civilista do regime; outro com um forte poder militar.

 
Há aqui uma novidade na carreira de Soares – é o período mais longo de Soares fora do poder. Cinco anos na oposição.


Oposição aos governos de iniciativa presidencial; oposição à AD de Sá Carneiro, primeiro, e de Balsemão, a seguir; oposição à recandidatura do General Eanes; mas sobretudo oposição à tutela militar do regime.

 
É o tempo em que Soares resiste e luta na oposição; é o tempo em que Soares fica em minoria dentro do seu próprio partido. Mas é também o tempo em que, regressado à liderança do PS, faz um acordo de revisão constitucional histórico com a AD de Balsemão. Objectivo:  acabar com o Conselho da Revolução e com a tutela militar do regime.

 
E ao fim de 5 anos de oposição, de resistência e luta – dentro e fora do PS – regressa vitorioso ao poder, ganhando eleições em 1983.

 
Conclusão: nesta fase, Soares afirma-se sobretudo como o político de convicções. Não receia ficar isolado e em minoria para ser fiel às suas convicções.

  1. A fase do Bloco Central  

a) Ganha então as eleições de 2013, sem maioria, e num quadro económico muito difícil, que iria reclamar forte austeridade.

 

b) Forma, em 1983, um Governo com Mota Pinto com dois objectivos claros – salvar Portugal da bancarrota; concluir a adesão de Portugal à CEE.

 

c) Um Governo com uma novidade – começou a ser preparado antes das eleições – Soares e Mota Pinto (então líder do PSD), com a mediação de Daniel Proença de Carvalho, conversam e acordam informalmente, antes das eleições, que, sejam quais forem os resultados das legislativas, formarão um governo dos dois partidos.

 

d) Ficam célebres desse tempo 2 expressões: "meter o socialismo na gaveta" (autoria de Mário Soares); e "aprovar reformas estruturais" (autoria de Mota Pinto). A primeira significava que a prioridade era recuperar a economia. A segunda, que ficou até hoje, personificava a ideia de reformas profundas na economia, no Estado e na sociedade.

 

e) Foi um Governo controverso. Mas alcançou os dois grandes objectivos a que se propôs. O país saiu da bancarrota e Portugal entrou na Comunidade Europeia.

 

f)  E foi o mesmo Mário Soares, que em 1977 tinha apresentado o pedido de adesão, a assinar, oito anos depois, o Tratado que integrava Portugal na CEE.

 

g) Em contrapartida, o PS pagou um preço elevado – nas eleições seguintes (1985), teve o seu pior resultado de sempre (20%), ameaçado pelo surgimento do PRD.

 

h) Conclusão: Esta é, por excelência, a fase do Soares governante e homem de Estado.

  1. A fase das Presidenciais de 1986

a) Apesar de desaconselhado por quase toda a gente a não se candidatar, Soares avança mesmo com a candidatura a Belém. E corre vários riscos:

 
Primeiro: o risco de nem passar à segunda volta. Arrancou com intenções de voto muito baixas (cerca de 7%) fruto do desgaste que tinha tido como PM; e tinha dois adversários de peso na mesma área política – Salgado Zenha (que vinha do PS e era apoiado pelo PCP e PRD) e Maria de Lurdes Pintasilgo.

 

b) Apesar disso, ganhou. Mas tinha um último risco a vencer. O risco de perder a eleição para Freitas do Amaral (que tinha o apoio do PSD e do CDS e teve logo 46% à 1ª volta).

 

c) Acabou por ganhar. Para esta vitória foram decisivas três coisas: a agressão de que foi alvo na Marinha Grande, que o vitimizou e lhe granjeou popularidade; os debates televisivos, designadamente com Freitas do Amaral, em que foi sempre muito forte; e o apoio do PCP, com o apelo de Cunhal para que os comunistas "votassem de olhos fechados".

 

d) E assim se inicia o mandato do primeiro Presidente civil da democracia. Um mandato com duas fases distintas:

A fase, até 1991, da coabitação Soares/Cavaco. Boa relação com Cavaco Silva e relação difícil com o PS;
A fase, depois de 1991, de relação crispada com o PSD e de reconciliação com a sua família política.
E sai de Belém como sempre desejou – deixando o PS de volta ao Governo, então com António Guterres.

 

e) Conclusão: esta é a fase da normalização politica, em que Soares assume uma forte magistratura de influência.

  1. A fase do Pós-Presidência

a) Esta é das fases mais curiosas do trajecto de Mário Soares. Depois de ter sido tudo (Deputado, Ministro, Líder do PS, Primeiro-Ministro, e Presidente da República), Soares, ao contrário do que seria normal, não se confinou a ser o que seria natural – um Senador da República.

 

b) Pelo contrário. Avançou para ser Deputado ao Parlamento Europeu (em 1999) e, surpreendentemente, para ser novamente candidato presidencial em 2006. Teve sucesso na primeira decisão. Falhou na segunda.

 

c) Independentemente dos resultados, há, todavia, uma característica peculiar de Mário Soares a sublinhar: este homem tinha um prazer infinito em fazer política. Parecia que nunca sentia chegar ao fim a sua carreira política. Parecia sentir-se eternamente político. É um caso singular.

 

d) Segue-se agora, para usar a feliz expressão de Marcelo Rebelo de Sousa, a fase da imortalidade do seu legado. 

 

CONCLUSÕES FINAIS

Primeira: concorde-se ou não com as suas ideias, atitudes ou decisões, uma coisa é certa – Mário Soares tem uma riqueza de vida absolutamente inigualável. É difícil, para não dizer impossível, igualar este perfil de vida e de acção política. Seja no plano nacional, seja na sua dimensão internacional.

Segunda: a sua grande capacidade de saber ganhar e saber perder.
  • Ganhava eleições e sabia ser magnânimo com os seus adversários. O exemplo está na relação de amizade que firmou com Freitas do Amaral depois de ter sido seu adversário.
  • Perdia eleições e nunca se sentia derrotado, abatido ou deprimido. Recuperava, lutava e voltava a competir.

Terceira: não deixava nenhum português indiferente. Teve o apoio da direita contra a esquerda. Teve o apoio da esquerda contra a direita. Teve votos de todos os quadrantes políticos. A prova está em algo que Soares disse um dia: que pelo menos uma vez na vida já todos os portugueses tinham votado nele ou contra ele. É uma experiência invulgar. E um manual único, quer de vida quer de política. Por isso o país lhe está grato. E os portugueses lhe granjeiam um grande respeito.

 

NOTAS FINAIS

Juros da dívida – Uma séria chamada de atenção. 


a) Os juros das obrigações a 10 anos subiram para além da fasquia dos 4% esta semana. O Governo diz que é consequência da conjuntura internacional.

b) Esta é uma parte da verdade. Mas há outra parte da verdade que convém não esquecer e que é preocupante.

c) No espaço de um ano (entre Janeiro de 2016 e Janeiro deste ano):

  • Os juros da dívida a 10 anos baixaram na Irlanda (8%), baixaram em Espanha (7%).
  • Em Portugal, ao contrário, subiram. E subiram cerca de 60%.

NOVO BANCO 

Venda do Novo Banco 
Andou bem o Banco de Portugal e andou bem o Governo.


a) Andou bem o Banco de Portugal – Ao selecionar uma proposta favorita mas ao indicar ao mesmo tempo que era preciso continuar e aprofundar as negociações com os dois Fundos concorrentes;

b) Andou bem o Governo – Ao impor uma linha vermelha. Não se pode vender dando garantias de Estado, ou seja, com soluções que tenham impacto negativo nas contas públicas. Ou seja, vender, sim, mas não a qualquer preço.

 
Nacionalização do Novo BancoParece haver um consenso de última hora em torno desta ideia. Não quero ser desmancha-prazeres mas recomendaria muita atenção e prudência.

  • Primeiro – Porque há o risco sério de um novo BPN. Há 9 anos quase toda a gente achou bem nacionalizar o BPN. E quase toda a gente achava que não tinha prejuízo para os contribuintes. Nove anos depois, a factura é pesadíssima e ainda não chegou ao fim. Nacionalização tem sido sinonimo de desperdício. 
  • Segundo – Nacionalizar é, financeiramente falando, igual a dar uma garantia do Estado a um comprador. Obriga o Estado a meter mais dinheiro para capitalizar o Banco, o que agrava o défice e a dívida. Sabe-se como começa, não se sabe em quanto acaba.
  • Terceiro – Dificilmente Bruxelas concordará com a nacionalização. Com base, de resto, em compromisso do Governo português. Em carta de 18 de Julho de 2016, dirigida à Comissão Europeia,  Mário Centeno comprometeu-se perante Bruxelas a uma de duas coisas: vender o Banco ou liquidá-lo. 
  • Quarto – Mas se, por hipótese, Bruxelas mudar de ideias e aceitar a ideia de nacionalizar, ninguém se esqueça disto: Bruxelas, nesse caso, só autorizará a nacionalização impondo reestruturações operacionais tão duras e tão pesadas que não serão na prática muito diferentes de uma liquidação. Convém ter os pés bem assentes na terra.
  • Finalmente: Se a venda não for de todo em todo possível, sempre poderá haver outras soluções que não a aventura da nacionalização. Mas sobre isso falaremos para a semana.
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