Opinião
Antropocêntricos, simples e complexos
Inconscientemente não percebemos que tudo isto será substituído por algoritmos, por inteligência artificial e modelos que se encarregarão destas tarefas complicadas e pouco complexas.
Somos espectadores e actores, encenadores e coreógrafos - sem o sabermos - da maior revolução no marketing: o digital. Decidimos estratégias e tácticas para liderar nos canais digitais. Investimos em campanhas, SEO, infografias, "app", "mobile", vídeos e conteúdos. Medimos o retorno e o impacto nas vendas quando podemos e sabemos. Quando não, lançamos os dados. Vivemos de acordo com os "posts", as "hashtags" e o alcance viral. Exultamos ou decepcionamo-nos. Segmentar e prever é só para alguns, os restantes ficam pela crença, pela opinião do chefe ou pela metodologia CDM (conforme a disposição do momento). Concentramo-nos nos produtos e canais. Falamos de relação com os clientes como quem fala de uma característica do produto no "briefing" com a agência. Medimos a satisfação e a lealdade porque os indicadores ficam bem nos relatórios.
Tudo isto fazemos diariamente de forma consciente e profissional. Inconscientemente, contudo, não percebemos que tudo isto será substituído por algoritmos, por inteligência artificial e modelos – e estes encarregar-se-ão destas tarefas complicadas e pouco complexas. Talvez, aqui e acolá, sejamos revisores das mensagens e conteúdos gerados por um qualquer "bot". O resto será entregue a matemáticos e a analistas. Aquilo que é hoje diferenciador será o lugar-comum no futuro próximo.
O que continuará complexo é o consumidor enquanto pessoa, enquanto ser humano. Hoje fala-se na emergência do H2H ("human to human") como única relação possível. Há uma máxima nas vendas que diz que são as pessoas que vendem a pessoas. O diferenciador de valor residirá naqueles que souberem cultivar as relações humanas e perceber o ponto de vista da pessoa face ao nosso negócio. Tentem vender algo, uma ideia, um produto, mas sem digital. Passem o dia em visitas com o vosso colega das vendas. O meu primeiro emprego foi aos 17 anos, atrás de um balcão a vender, em part-time, máquinas de calcular. Hoje percebo as lições que aprendi: as pessoas querem produtos de utilização simples, querem ser ouvidas e querem conversar. Compram com alma a quem vender com alma, mas não a uma alma vendida.
Hoje, o marketing caminha para ser antropocêntrico ao invés de "digitalcêntrico". Amanhã ao invés de escrever o "post" vão visitar um cliente, só para ouvi-lo.
Nota: o autor não aderiu por vontade própria ao convencionalismo do recente acordo ortográfico.
Responsável de Marketing no SAS Portugal