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Um orçamento possível mas pouco plausível

Foi apresentado na sexta-feira pelo Governo o Orçamento do Estado para 2017. Encontramos aumentos de rendimento para uns, incrementos de impostos para quase todos, e um quadro de crescimento sombrio e muito incerto; mas também uma surpresa.

O orçamento é um equilíbrio muito difícil entre as restrições de Bruxelas e os aumentos de despesa impostos pelas forças de apoio ao governo, em particular os partidos mais à esquerda. Nesse sentido, as medidas específicas foram sobretudo o resultado do jogo político, com alguma criatividade no estabelecimento de novos impostos e na devolução de rendimentos, por forma a que o balanço entre a despesa e a receita pudesse passar em Bruxelas. Mas existem dois aspetos que me parecem centrais na proposta de orçamento e que por isso gostaria de destacar.


Primeiro, o Governo abandonou definitivamente o modelo, em que poucos alguma vez acreditaram, de que o consumo poderia ser o motor do crescimento. Sem grande alarido, porque obrigaria a reconhecer a falha do modelo, o orçamento apresenta agora como principais motores de crescimento o investimento e as exportações. Este é sem dúvida um passo importante que vai permitir um diálogo mais realista e equilibrado sobre a dinâmica de crescimento no país. Até recentemente discutíamos modelos incompatíveis de forma relativamente surda. A partir de agora podemos debater medidas e instrumentos para ativar um modelo relativamente comum.


O segundo aspeto que gostaria de destacar é a expetativa de crescimento e a incerteza que esta representa. O orçamento aponta para 1,2 pontos percentuais de crescimento do PIB para 2016 e 1,5 pontos percentuais para 2017. Estimativas recentes do FMI e do NECEP: CATÓLICA-LISBON Forecasting Lab apontam para um crescimento de 0,9 pontos percentuais em 2015 e 1,1 pontos percentuais em 2016. Embora os valores do Governo sejam estatisticamente possíveis, representam um desvio de 0,7 pontos percentuais nos dois anos face às previsões centrais dos dois estudos independentes. Este hiato é significativo, sendo superior aos 0,6 pontos percentuais de redução do défice estrutural exigidos por Bruxelas para 2017. E existem muitas incertezas relativamente à viabilidade dos números do Governo, não só fruto das medidas populistas incluídas no orçamento que continuam a fomentar incerteza nos agentes económicos responsáveis pelo investimento, mas também porque os resultados ao nível das exportações dependem dos mercados internacionais, fora do controlo do governo. Assim, é expectável uma boa dose de ceticismo nos agentes económicos relativamente à real capacidade do Governo reduzir o défice e a dívida, em particular na Comissão Europeia e nas agências de rating.

Esta preocupação será tanto mais significativa quanto o resultado de 2016 se afaste da meta que o governo agora apresenta.  Se fecharmos o ano de 2016 com um hiato de 0,3 pontos percentuais face ao que o governo estimou, é de esperar desde logo novas exigências de medidas de redução de défice por parte de Bruxelas para 2017. E a dificuldade é que quase todas as despesas comprometidas neste orçamento não podem ser alteradas. Assim, o principal instrumento disponível para cortar despesa, que o governo já tem usado este ano, é a redução do investimento público. Mas isso iria comprometer o próprio modelo de crescimento que o orçamento preconiza, com resultados muito negativos para a economia nacional.


Em resumo, a estratégia orçamental parece querer virar numa direção mais acertada, mas o expediente político da extrema esquerda continua a impedir as decisões e medidas críticas para que a estratégia se materialize. O resultado é um grande otimismo no crescimento que, apesar de medíocre, será ainda assim muito difícil de concretizar. Espera-se portanto mais um ano perdido da nossa economia!

Este artigo está em conformidade com o novo acordo ortográfico

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