Opinião
Ocupa o poder, não exerce o poder
Na década de 1930, os surrealistas franceses encontraram um método para fazer um poema colectivo: cada participante escrevia um verso, dobrava a folha, e o próximo escrevia um verso sem saber o que estava já escrito.
Chamaram a isto "cadáver esquisito". Este parece ter sido o método de produção do Orçamento do Estado para 2017: cada participante escreveu sem saber o que estava antes ou o que viria depois. Compreende-se o critério de Maurice Duverger para as coligações: que fossem estáveis e coerentes. É que podem ser estáveis por serem incoerentes, já que seriam instáveis se fossem coerentes.
Este Orçamento retoma o vício já conhecido: quer promover o crescimento e a igualdade sem considerar o que faz crescer a dívida. Não é a dívida que impede o crescimento ou que aumenta a desigualdade. Enquanto o BCE continuar a comprar dívida e a emprestar aos bancos, a dívida não é o factor que impede o crescimento. O que impede o crescimento são os factores que fazem crescer a dívida, isto é, a política distributiva que oferece rendimentos (salários, reformas e rendas protegidas) que estão acima do que seria o seu valor de mercado ou do que seria a capitalização das contribuições para as reformas.
Enquanto este modelo distributivo continuar a desvalorizar o modelo competitivo, os orçamentos do Estado serão "cadáveres esquisitos" de distribuição de verbas para chegarem ao saldo mágico do défice que os credores autorizam. Para se atingir o saldo mágico, recorre-se ao vampirismo fiscal: sugar o dinheiro onde ele estiver, para financiar a distribuição pela via das políticas públicas que continuam a aumentar a dívida. Não é uma estratégia de desenvolvimento, é a condenação ao círculo vicioso da miséria e da sujeição aos credores, com a esperança de que se convertam em dadores.