Opinião
As cidades inteligentes e o poder dos cidadãos
Na freguesia da Estrela, em Lisboa, qualquer cidadão que encontre um problema não urgente pode tirar uma fotografia com o seu telemóvel e reportar o mesmo através de uma ferramenta de georreferenciação, apelidada de forma natural como GeoEstrela.
Esta ocorrência fica disponível para todos, incluindo as autoridades locais, que usam este sistema para, de forma imediata e interativa, conhecerem os problemas da zona e priorizarem as suas intervenções. Serve também como instrumento de responsabilização das próprias autoridades, no sentido em que ocorrências relevantes não resolvidas em tempo útil ganham mais visibilidade pública.
Este é apenas um exemplo do que está a acontecer hoje um pouco por todo o mundo. Cidadãos equipados com smartphones e sensores estão a revolucionar a forma como as cidades são pensadas e geridas. As iniciativas são inúmeras, crescentes, e cada vez mais diversas. Por exemplo, para identificar focos de poluição as autoridades podem instalar sensores por toda a cidade, que têm de ser mantidos, com custos enormes. Ou podemos usar uma fração desse dinheiro para fazer como em Louisville (EUA), em que organizações públicas e privadas forneceram mais de 1.000 inaladores para asmáticos equipados com sensores. Estes inaladores têm um GPS interno que recolhe dados sobre o tempo e posição de cada ativação do inalador e os transmite via smartphone. Os resultados foram tão impressionantes que levaram a que a cidade fizesse planos específicos para lidar com várias situações identificadas. Num dos locais, plantaram uma fila de árvores para separar uma estrada congestionada de uma zona residencial, o que resultou numa redução em 60% de particulados (PM) nessa zona.
A mobilidade urbana é outra área com grandes desenvolvimentos. Um excelente caso é a parceria entre a cidade de Boston e a Waze. Além de a informação da Waze complementar a informação da própria cidade, a parceria tem permitido fazer experiências de controlo de trânsito. Por exemplo, todos nós nos perguntamos se vale a pena ter um polícia em cruzamentos críticos, que a horas de ponta ficam bloqueados, para gerir o trânsito. A cidade fez a experiência com 20 destes cruzamentos críticos e mediu os resultados antes e depois com a ajuda do Waze. O resultado foi que não fazia diferença para a congestão geral da cidade, levando a que os recursos fossem orientados noutras direções.
Mais recentemente, alia-se a recolha de dados a elementos de inteligência artificial. A cidade de Chicago usou os dados históricos sobre falhas nas condições de higiene de restaurantes e cafés para desenvolver um algoritmo preditivo que guia as equipas na identificação de inspeções preventivas a serem realizadas, otimizando de forma significativa a utilização dos inspetores.
Poderia continuar e descrever situações tão diversas como a recolha de lixo irregular, a identificação de edifícios devolutos, ou a disponibilização de informação turística, entre muitos outros. Todas são ilustrativas de algo que podemos caracterizar como o emergir das cidades inteligentes. Constitui um universo de oportunidades de inovação na administração pública, e um conjunto fantástico de oportunidades de criação de valor para start-ups e empresas estabelecidas, que urge explorar.
Mas esta disrupção vai mais longe, já que constitui também um novo modo de interação e participação dos cidadãos na estratégia e gestão das cidades. Voltando à freguesia da Estrela, o GeoEstrela é a base para o EstrelaParticipa, uma versão 2.0 do orçamento participativo, em que os cidadãos usam a ferramenta de georreferenciação para apresentarem propostas de intervenção e melhoria na freguesia, e para comentar e votar nas propostas de outros. É o despontar de uma democracia muito mais direta, aberta e imediata, a que os cidadãos e os poderes públicos das cidades se terão de ajustar.
Diretor da Católica-Lisbon School of Business & Economics
Artigo em conformidade com o novo Acordo Ortográfico