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27 de Fevereiro de 2018 às 21:00

O CDS está de regresso a casa

O CDS é hoje um partido mais pragmático do que dogmático, mais concentrado em perceber como é que os seus valores são úteis à solução dos problemas do que em encontrar problemas que sejam úteis à afirmação dos seus valores.

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Nos últimos dias muita gente adoptou a seguinte tese: com um PSD tão dividido, mais preocupado com as guerras internas do que em ser alternativa ao Governo de esquerda - do qual parece mais parceiro do que opositor -, o CDS pode beneficiar de uma transferência significativa do voto do eleitorado do centro e da direita.

 

O que é mais interessante nesta tese é que ela parte de um pressuposto novo na vida política portuguesa: a ideia de que o PSD e o CDS se movem exactamente no mesmo espaço ideológico, que há vasos comunicantes perfeitos entre ambos e que para o eleitorado do centro-direita, do ponto de vista da representação dos seus valores, é genericamente indiferente votar num partido ou no outro.

 

Isto não costumava suceder: o CDS era visto como um partido acantonado em nichos identitários, e não era com facilidade que o eleitorado "mainstream" do PSD, mesmo que desiludido, lhe caía nos braços. A naturalidade com que agora se começa a presumir o CDS como um partido abrangente, que não "assusta", diz mais sobre a evolução do CDS do que sobre o estado do PSD.

 

Tem-se afirmado a este propósito que o CDS está num processo de "desideologização" e de afastamento da sua "matriz fundadora". No próprio CDS há quem o lamente. Mas isso não é verdade. O que se verifica é o contrário: o CDS está hoje mais próximo da sua ideia original. A vocação do CDS é ser "a grande casa" dos democratas de direita, sejam mais centristas ou tradicionalistas, mais liberais ou conservadores. Um partido transversal, de todas as áreas não socialistas, com uma doutrina reformista capaz de interpretar e participar nas transformações sociais (no fundo, um partido como os congéneres europeus, desde os democratas-cristãos alemães aos conservadores britânicos).

 

Há várias razões para esta evolução. A mais imediata é a percepção de que o "voto útil" acabou. Enquanto o costume foi o de que partido que tivesse mais votos formava governo, mesmo sem maioria, a voragem do voto táctico no PSD foi sempre uma menorização estrutural do CDS, que para se diferenciar estava obrigado a ser "ilustrativo", ou seja, a apelar a eleitorados específicos que lhe garantissem uma reserva eleitoral essencial. Essa necessidade desapareceu.

 

Outra razão, mais antiga, é a transformação do CDS, nas duas últimas décadas, num partido natural de governo (nacional e local). O CDS é hoje um partido mais pragmático do que dogmático, mais concentrado em perceber como é que os seus valores são úteis à solução dos problemas do que em encontrar problemas que sejam úteis à afirmação dos seus valores.

 

Por fim, o CDS acompanhou a laicização da sociedade (que se calhar não desejou). Como referiu esta semana Pedro Mexia no programa "Voz do Deserto", da Antena 3 (a propósito de ouras matérias), nunca como nesta geração houve no eleitorado de direita tantas pessoas sem religião, ou que não encaram a participação política como uma continuação ou projecção da sua vida religiosa. São de direita, mas não necessariamente por causa das questões da moral religiosa. São de direita porque privilegiam as liberdades individuais, cívicas e económicas, ou porque valorizam a criatividade disruptiva da inovação tecnológica e preferem políticos que apreciem, mais do que temam, o potencial progressista dessa inovação.

 

Todos estes factores pressionaram o CDS, na base militante e na cúpula dirigente, a ser menos identitário. Talvez nem todo o partido se sinta confortável com isso. Mas nesta evolução há, pelo menos, o conforto do regresso a casa. 

 

Advogado

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