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29 de Outubro de 2019 às 18:50

No ensino, a esquerda trai os mais pobres

Só a escola exigente é verdadeiramente democrática, porque a deterioração da exigência no ensino público é mais perigosa para os pobres do que para os ricos. Os alunos ricos têm em casa os meios de procurar alternativas sólidas de ensino; os alunos pobres não.

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Segundo o Programa do Governo, o PS quer acabar com os chumbos até ao 9.º ano. A ideia, cito, é "criar um plano de não retenção no ensino básico, trabalhando de forma intensiva e diferenciada com os alunos que revelam mais dificuldades". 

 

É óbvio que uma escola responsável tem de olhar com atenção especial para os alunos com mais dificuldades. Isso faz parte da promoção da igualdade de oportunidades em que uma sociedade civilizada se deve empenhar. Só não percebo porque é que isso há-de excluir em absoluto o método de avaliação quantitativa do sucesso ou insucesso individual, através de exames e notas.

 

A tese da esquerda nesta matéria é a de que os exames e as notas orientam o sistema segundo um método "mecânico" de aprendizagem e são uma forma de discriminação e eternização das diferenças sociais. A essa tese respondo com o marxista italiano Antonio Gramsci.

 

Nos anos 30 do século passado, preso por Mussolini, Gramsci acompanhava à distância a educação dos filhos. Nos seus escritos do cárcere não se mostrava convencido das virtudes democráticas do facilitismo: "Os rapazes precisam de contrair certos hábitos de diligência, exactidão, compostura - também física - e de concentração psíquica sobre determinadas matérias, o que sem uma repetição mecânica de disciplinas e métodos apropriados não poderá adquirir-se."

 

Gramsci não apreciava mesmo nada as modas políticas da esquerda do seu tempo, que pelos vistos ainda entusiasmam o nosso Ministério da Educação: "O conceito de escola nova está na sua fase romântica, com um exagero na substituição dos métodos ‘mecânicos’ pelos ‘naturais’. Antigamente, os alunos ao menos alcançavam uma certa bagagem de factos concretos. Agora, já não há nenhuma bagagem para pôr em ordem. O aspecto mais paradoxal de tudo isto é que a escola nova é apresentada como democrática, quando na realidade está destinada a perpetuar as diferenças sociais" (citações extraídas de "O ‘Eduquês’ em Discurso Directo", livro de 2006 de Nuno Crato).

 

Não ignoro que os fins do velho Antonio eram opostos aos meus. Para ele, a instrução das classes desfavorecidas era uma condição da sua revolta contra o capitalismo. Era preciso que os filhos das famílias pobres tivessem as mesmas armas técnicas e intelectuais que os filhos das famílias ricas, para poderem compreender e combater as lógicas de poder da ordem tradicional.

 

No entanto, a lição permanece viva e é indispensável à discussão sobre a escola pública. A lição é esta: só a escola exigente é verdadeiramente democrática, porque a deterioração da exigência no ensino público é mais perigosa para os pobres do que para os ricos. Os alunos ricos têm em casa os meios de procurar alternativas sólidas de ensino; os alunos pobres não.

 

Já em 2016 o PS havia caído na armadilha ideológica do romantismo educativo, quando acabou com os exames no 4.º e no 6.º ano, substituindo-os por provas de mera aferição a meio de cada ciclo. Na altura, o Conselho Nacional de Educação (olimpicamente ignorado pelo Governo) avisou que os exames "a contar", não tendo de ser o alfa e o ómega do processo educativo, são a melhor forma de testar e aperfeiçoar o próprio sistema. Melhor seguramente do que as provas de aferição, que nem os alunos nem os professores, nem os pais, levam suficientemente a sério. Para além disso, a natureza discriminatória dos exames é um mito, sendo bastante residual o número de reprovações determinadas por chumbos nos exames.

 

De resto, a crítica da aprendizagem "mecânica" não faz sentido quando a escola é apenas uma parte da vida dos alunos: para além dela - e mesmo dentro dela - existe muito espaço para o desenvolvimento espontâneo da personalidade. O que não se pode recusar é que qualquer modelo de ensino é, em boa parte, definido pela transmissão de conhecimentos. E que em todas as comunidades, em todas as circunstâncias históricas, há uma sabedoria fundamental que deve fazer parte do património comum.

 

Quanto mais generalizada for essa sabedoria, mais democrática é a comunidade. Ao querer que os alunos "floresçam naturalmente", sem noções de exigência e hierarquia, a esquerda portuguesa está a trair os mais pobres, quando todos os dias jura que são eles que quer defender.

 Advogado

 

Artigo em conformidade com o antigo Acordo Ortográfico

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