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02 de Agosto de 2016 às 20:23

McAvoy 2020

Stephen Hill é um militar condecorado do exército dos EUA, com uma carreira longa de prontidão e serviço. Em 2010, voluntariou-se para combater no Iraque. Stephen Hill é homossexual.

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Em Setembro de 2011, ainda no Iraque, num vídeo transmitido durante um debate na Flórida, perguntou aos candidatos às primárias do Partido Republicano se tinham a intenção de reverter os progressos que haviam então sido já feitos quanto à naturalidade da participação dos gays americanos na vida militar, tema em que a doutrina clássica é a célebre "don't ask, don't tell". A resposta imediata foi uma vaia de alguns membros da audiência. A resposta imediata a essa vaia foi o silêncio - da restante assembleia e dos candidatos em palco.

 

Bem vistas as coisas, a única resposta séria de um republicano veio de uma personagem de ficção. Num episódio de "The Newsroom", a melhor série de Aaron Sorkin depois de "The West Wing", há um monólogo sobre o assunto de Will McAvoy, o protagonista apresentador de televisão, "anchor" de um programa de informação magistralmente interpretado por Jeff Daniels. McAvoy é um jornalista conservador irritado com este Partido Republicano raptado pelos radicais do Tea Party ("os talibãs americanos"). Um conservador tradicional, admirador das virtudes do bom senso e da moderação. Quando viu um militar em combate ser vaiado por americanos, ainda para mais conservadores, não se ficou. "Estou certo de que algumas pessoas naquele edifício defenderam o Capitão Hill, pessoas que demonstraram a simples força de carácter de se virarem para a fracção de ser humano sentado a seu lado e perguntar: 'Quantos tipos de repugnante é preciso ser para vaiar um homem que se ofereceu para lutar e morrer por nós?' Estou certo de que essas pessoas estavam lá. Infelizmente, nenhuma delas estava no palco. Nenhum destes eventuais comandantes supremos se colocou ao lado de um oficial em combate. Deixaram-no sozinho. Um soldado nunca se comporta assim. Um líder nunca se comporta assim. Apenas um rufia imbecil ou um desgraçado idiota se comporta de tal modo. O único Presidente em palco ontem à noite foi Stephen Hill. Boa sorte, Capitão Hill. Uma nação reconhecida aguarda para lhe dizer 'obrigado'" (vale a pena ver o clipe na íntegra, disponível no YouTube).

 

Lembrei-me de Stephen Hill a propósito da história de Humayun Khan, o soldado muçulmano americano morto há 12 anos no Iraque cujos pais discursaram na semana passada na convenção do Partido Democrata. Como americanos muçulmanos, pais de um filho morto ao serviço da nação, é natural que não tivessem nada de muito simpático a dizer sobre Donald Trump, a alternativa xenófoba que os republicanos têm para apresentar contra Hillary Clinton. Mas a reacção insultuosa de Trump, que deu origem a uma polémica que não tem saído do ciclo noticioso nos EUA, mostra o ponto a que o Partido Republicano chegou. Os casos de Hill e Khan significam que já nem a honra da instituição militar ou a glória de quem sacrifica a própria vida para lutar pelo que o seu país entende ser o interesse nacional (certo ou errado) sobrevivem ao fechamento moral da agenda da direita americana. Nisso os republicanos parecem hoje os democratas radicais dos anos 60.

 

Em 2012, percebemos que o Partido Republicano tinha batido no fundo. Em 2016, estamos a ver que a saída escolhida foi continuar a escavar, para novas profundezas de indignidade. A minha esperança no futuro da direita americana já só é uma ficção. Por favor, McAvoy 2020.

 

Advogado

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