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21 de Março de 2017 às 20:25

De que falamos quando falamos da ascensão do populismo?

O grande problema da interpretação maioritária da ascensão do populismo é que ela tem sido um incentivo para que os moderados imitem os extremistas.

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A ascensão do populismo tem sido explicada mais ou menos assim: a ordem liberal nascida no pós-II Guerra, com o seu optimismo civilizacional, a globalização, as instituições e os processos democráticos - lentos, intrincados e distantes do povo -, está esgotada. Um dia foi causa de progresso; hoje é fonte de insegurança, miséria e conflitos, de disrupção social e desesperança individual. Vítimas dos destroços da velha ordem, muitas pessoas perceberam os limites dos sentimentos nobres e reaprenderam o valor da existência de fronteiras, de um Estado proteccionista, patrão e patriarca, e de comunidades social, cultural e racialmente homogéneas. É compreensível que essas pessoas votem em quem lhes fala da fraqueza do "sistema", da corrupção das "elites", e lhes promete o retorno à placidez e simplicidade daquele mundo perdido.

 

Esta explicação fez o seu caminho, quer nos que celebram a "internacional populista" quer nos que a deploram.

 

Porém, as recentes eleições holandesas mostraram que tal teoria pode estar errada. Na Holanda, as "elites" sofreram uma derrota, mas o populismo não obteve uma vitória.

 

Como escreveu Anne Applebaum no Washington Post, o mundo preparou-se para as eleições holandesas segundo o olhar da imprensa anglo-saxónica - um olhar enviesado pela experiência britânica e americana (a das vitórias do Brexit e de Trump). Na verdade, mesmo nesses meios, houve quem, com conhecimento directo da realidade holandesa (Simon Kuper no Financial Times ou Cas Mudde no Guardian), nos tenha avisado de que o padrão não se repetiria: a imigração era uma preocupação secundária do eleitorado, que se preparava para votar esmagadoramente em partidos pró-UE opositores do extremismo de Geert Wilders.

 

Foi o que aconteceu. É verdade que a conhecida fragmentação do sistema político holandês foi agora reforçada, e à custa dos partidos tradicionais. A direita que lidera o Governo perdeu peso e os trabalhistas de Jeroen Dijsselbloem, pin-up da execrada elite nacional e europeia, foram quase varridos do Parlamento. Ainda assim, os votos perdidos caíram para outras forças do liberalismo económico e social, bem mais do que para Wilders.

 

A experiência holandesa indicia que a explicação vigente para a fronda populista é uma equação da qual só uma premissa é válida. As pessoas estão fartas do "sistema", é certo, mas a captura política desse sentimento é um mercado aberto, em que os extremismos não têm primazia. É um jogo cujo vencedor será sempre quem se conseguir vender como a alternativa aos políticos "do costume", independentemente da ideologia.

 

Em França, confirma-se esta hipótese. Emmanuel Macron é o mais bem colocado para ser o próximo Presidente. Por ser um populista gerado fora das fronteiras do regime? Não: simplesmente porque, para lá das suas qualidades performativas, foi um desertor, com estrondo, do PS.

 

Macron é um "ex-yuppie" da banca de investimento, ex-ministro de Hollande, um centrista admirador de Tony Blair que o Libération acusa de ser "o candidato da direita liberal". É a "elite" em estado puro. Se vencer, não será porque se livrou da ideologia do "sistema", mas porque, num golpe de "rebranding", se desintoxicou do partido do "sistema".

 

O grande problema da interpretação maioritária da ascensão do populismo é que ela tem sido um incentivo para que os moderados imitem os extremistas. Os casos holandês e francês dizem-nos que, afinal, os povos não estão assim tão disponíveis para se entregar aos populistas. Não temos, pois, de nos acobardar.

 

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