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06 de Fevereiro de 2018 às 22:15

As políticas de natalidade e as suas armadilhas

Está enganado quem acha que é só por falta de vontade dos políticos que ainda não se encontrou a solução para a queda da natalidade. Essa solução depende de um caminho longo e cheio de armadilhas. Sem esta noção estaremos destinados ao fracasso.

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Bruno Faria Lopes publicou nesta página um artigo importante sobre a urgência de políticas de promoção da natalidade, incluindo a sugestão provocadora de discriminação fiscal negativa de quem não tem filhos ("Quem não tem filhos devia pagar mais impostos?", 02.02.2018).

 

O declínio demográfico e o envelhecimento da população são talvez o desequilíbrio estrutural mais grave de Portugal, mas os seus efeitos são uma tragédia difusa, de que não nos apercebemos no quotidiano, e que não diz respeito directo e exclusivo a qualquer um dos grupos de interesse que excitam as discussões políticas do dia-a-dia. Por isso, a seriedade do problema é proporcional ao desinteresse com que a agenda política o tem tratado.

 

No entanto, está enganado quem acha que é só por falta de vontade dos políticos que ainda não se encontrou a solução para a queda da natalidade. Essa solução depende de um caminho longo e cheio de armadilhas. Sem esta noção estaremos destinados ao fracasso.

 

Uma das armadilhas a evitar é deixar que as políticas de natalidade fiquem reféns da obsessão identitária. Uma medida que seja vista apenas como "bandeira" de um partido, e não como uma necessidade real, será deitada fora à primeira oportunidade. Temos um caso prático à mão: em 2015, o anterior governo introduziu no IRS o quociente familiar (que permitia a atenuação do imposto consoante o número de filhos); em 2016 a geringonça revogou-o. A medida era justa, e não uma mera descarga de consciência ideológica, mas como vinha de uma proposta icónica do CDS (o único partido que historicamente tem dado verdadeira importância ao tema), não durou mais do que um ano. 

 

Uma política de natalidade com efeitos estruturais e de longo prazo só se faz com vontade de compromisso, num projecto legislativo que compatibilize da forma mais coerente e inteligente possível os contributos - e a ideologia, claro - de todos os partidos parlamentares.

 

Uma segunda armadilha é a de se achar que os impostos são o plano primordial para as políticas de natalidade. Não são. Em primeiro lugar, um sistema fiscal é tão mais justo quanto mais simples e enxuto for. A preocupação do sistema é financiar as funções do Estado, segundo um princípio de capacidade contributiva (quem tem mais deve pagar mais). Esta é que deve ser a preocupação social do sistema. O resto é para ser feito com a receita dos impostos, não com a mecânica dos impostos.

 

Em segundo lugar, está por demonstrar que as medidas fiscais são um incentivo sério à natalidade. Eu defendo o quociente familiar por uma questão de justiça intrínseca do sistema - porque ele permite reconhecer à partida que o número de filhos, com os encargos associados, diminui a capacidade contributiva das famílias. Não acho que com o quociente familiar os portugueses fossem desatar a ter filhos.

 

O que nos traz a uma terceira armadilha: o excesso de confiança que podemos ter no combate à baixa natalidade. Até que ponto é possível reverter a queda da natalidade, se o problema tem razões tão profundas, mesmo civilizacionais? Até onde tem o Estado de ir, no investimento público, na perda de receita fiscal, na discriminação entre portugueses, para que as políticas públicas comecem a ser um incentivo real à natalidade? Terá o país condições (políticas, económicas, constitucionais) para as medidas necessárias? Não será melhor assumir que o problema da natalidade não se resolve só com a promoção da natalidade, e que é preciso também adaptar à crise demográfica as políticas públicas existentes? 

 

Advogado

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