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[767.] Sport TV: "Fome de bola" 

A expressão "fome de bola" é comum. Compreende-se que a publicidade fosse buscá-la. Mais difícil é perceber que a fosse buscar tanto.

Em Junho, os jornalistas perguntaram ao treinador da Selecção Nacional, Fernando Santos, se a equipa estava no Mundial com "fome de bola". Pela mesma altura, uma notícia mostrava um restaurante russo em que vendiam pizzas com as caras estampadas de Ronaldo e Suárez. As pizzas tinham um aspecto horroroso e no final via-se o cozinheiro a dilacerar com enorme faca a cara dos jogadores feita de molho de tomate.

 

Ainda no domínio alimentar, a cadeia de franchising Burger King usou a "fome de bola" como slogan para a oferta, a troco de um "Menu large", de "uma mensalidade numa escola de futebol".

 

No Brasil, a "Fome de bola" é título dum livro sobre cinema e futebol no Brasil, por Luiz Zanin Oricchio, e título dos conteúdos duma jornalista que virou youtuber. O tema dos vídeos é bastante bizarro, mas os comunicadores brasileiros desenvencilham-se. Trata-se da confecção de pratos por craques ou ex-craques de futebol. Qual a lógica? Nenhuma, mas ninguém pede lógica no prato.

 

Na actual rentrée futebolística portuguesa, a comprovada "originalidade" no recurso à expressão "fome de bola" esteve em força nos media numa campanha da Sport TV. "Bola para todos os gostos só na Sport TV", referiam os anúncios, exibindo orgulhosamente o menu desses canais pagos: "11 ligas. 7 taças. 2.000 jogos. 55.000 horas."

 

"Fome de bola" é uma metáfora, pois a bola de futebol não é para comer. Como a maioria das metáforas, implica acção e une dois elementos linguísticos numa expressão fortemente visual, juntando numa unidade imagem mental a vontade de comer à vontade ver jogos de futebol. Os publicitários, como de costume, desconstroem a metáfora, devolvendo-lhe a fisicalidade de realmente comer (a "fome" da metáfora) e realmente comer uma bola (a bola-de-berlim). Desta forma, "destroem" a metáfora original e criam uma nova, pois a bola-de-berlim passa a tomar o lugar da bola de futebol.

 

Como o calendário do futebol jogado começa ainda em Agosto, mês de férias para tantos, a publicidade juntou a expressão com a "bola" da "fome" à fome de bola-de-berlim, típica no imaginário nacional das férias de praia. Mas os publicitários tiveram o cuidado de omitir qualquer referência ao Verão, à praia, às bolas vendida nos areais. Recorreram até a ex-jogadores, numa pastelaria, para desde logo concentrar o discurso publicitário no futebol. Um diz que "a" quer "tuga", outro alemã, outro quer uma italiana, etc. O protagonista do anúncio, que acompanhamos desde que entrou na pastelaria, ouve aqueles pedidos e diz ao balcão "com a fome que tenho, embrulhe-me todas". As "bolas", afinal, não são de Berlim, mas as diversas competições futebolísticas, representadas através duma bandeja de bolas-de-berlim.

 

Para acentuar ainda mais o afastamento da bola-de-berlim de veraneio à beira-mar, os anúncios mostram o protagonista de fato e gravata. O emprego urbano do rapaz a tal obriga. É um homem jovem, que obedece, qual bom soldadinho, às modas que a sociedade impõe: tem a barba da moda, o cabelo curto da moda, mas o gosto persistente - sempre na moda - por futebol. É, portanto, a representação visual do público-alvo da empresa proprietária do canal: homens, com emprego ou trabalho, dos vinte e tal aos cinquenta e tal anos, desejosos de ver a bola em casa, quem sabe se comendo "junk food" esparrachados no sofá já sem a farda de fato e gravata. Os mais velhos, se querem ver a bola da TV paga, que vão ao café. As mulheres, secundaríssimas no anúncio, apenas servem para servir: uma pergunta ao homem se quer "uma italiana", a outra serve a bandeja de bolas competições. Serão também "metáforas" da "esposa" lá em casa, fazendo o jantarinho para o macho no sofá.

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